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Ler Lolita em Teerão | Análise

“Ler Lolita em Teerão” estreia esta quinta-feira 10 de julho nas salas de cinema nacionais, numa distribuição da Outsider Films.

Realizado por Eran Riklis (“A Teia da Aranha”, 2019), este filme aborda o início do despoletar do fundamentalismo islâmico no Irão, quando todas as mulheres passaram a usar obrigatoriamente um hijab. Neste contexto, a professora de literatura Azar Nafisi (interpretada por Golshifteh Farahani; conhecida pelo filme “Paterson”, realizado em 2016 por Jim Jarmusch) reúne algumas alunas na sua casa para discutir obras proibidas onde acabam por refletir sobre as suas próprias condições de mulheres nesta sociedade extremamente fechada.

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Sobre o filme Ler Lolita em Teerão

Ler Lolita em Teerão
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A ação do filme “Ler Lolita em Teerão” decorre entre 1979 e 1996 em Teerão. Além disso, tem uma breve cena final em 2003 em Washington D.C. Apesar de ser um filme de época, é uma história que se mantém relevante no contexto atual. Especialmente considerando que, infelizmente, a sociedade do Irão pouco ou nada mudou desde então.

Esta longa-metragem baseia-se no livro homónimo de Azar Nafisi, escritora e professora de Literatura Inglesa que reside nos Estados Unidos desde 1997. Neste livro, publicado em 2003, a autora reflete sobre a sua experiência pessoal enquanto professora no Irão. Neste sentido, também o filme adotou no genérico inicial o subtítulo do livro “Uma Memória em Livros”.

A esperança defraudada

Reading Lolita in Tehran
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O filme “Ler Lolita em Teerão” parte de um acontecimento que marcou a História Contemporânea do Irão: a Revolução Islâmica de 1979. A viver nos E.U.A. enquanto fazia o seu doutoramento, Azar Nafisi regressa a Teerão cheia de esperança de entrar num mundo novo. Se, inicialmente, Azar consegue dar aulas de Literatura Inglesa na Faculdade de Letras e Humanidades, ela irá sentir que a liberdade que espera afinal não chegou…

“Ler Lolita em Teerão” é um filme franco. Mostra bem as expectativas da sociedade iraniana num mundo novo e a descrença que se segue. Por essa razão, o filme abre logo com vozes off de aflição, enquanto olhamos para a cara da nossa protagonista. A cena do seu regresso em que lhe revistam a sua mala no aeroporto é sintomática de uma repressão por vir quando veem os seus livros com desconfiança.

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Cada parte, um livro

Ler Lolita em Teerão
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O realizador Eran Riklis dividiu “Ler Lolita em Teerão” em quatro partes, cada uma delas com o título de um livro, todos eles ainda hoje interditos no Irão. Assim, a parte 1 intitula-se “O Grande Gatsby” e decorre em 1980. Já a parte 2 intitula-se “Lolita” e decorre em 1995. Depois, a parte 3 tem o nome “Daisy Miller” e decorre em 1988. Por fim, a parte 4 tem o nome “Orgulho e Preconceito” e decorre em 1996. Há ainda um epílogo final, sem título, em 2003 em Washington D.C.

Considero que esta divisão em capítulos é bem-sucedida ao ponto de que todos os títulos são livros abordados nas partes em questão. No entanto, sinto que seria mais “suave” uma transição cronológica. Ou seja, com o alinhamento: “O Grande Gatsby”, “Daisy Miller”, “Lolita” e “Orgulho e Preconceito”. Algo que deveria ter sido melhor trabalhado é a própria questão da passagem do tempo onde as personagens principais não envelhecem em 24 anos de narrativa. Até podia ser uma coisa propositada e aceitava-se.  O problema é que não parece, uma vez que os filhos do casal Azar e Bijan (Arash Marandi) têm essa evolução ao serem interpretados por diferentes atores…

A literatura como forma de liberdade

Ler Lolita em Teerão
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Ao longo das 4 partes de “Ler Lolita em Teerão” assistimos ao contexto problemático do regime iraniano e tudo isso segue num crescendo. Começa com pequenos detalhes como a cena da revista da mala no aeroporto à cena em que o aluno de Azar questiona a moralidade do livro “O Grande Gatsby” ou até o salto no visionamento do filme “O Sacrifício” de Andrei Tarkovsky, provocado pela censura. Segue, contudo, em cenas mais “pesadas” quando mulheres que protestavam pacificamente na rua são presas ou a tortura que Sanaz (Zar Amir Ebrahimi) sofre da polícia dos bons costumes até ao violento marido de Azin (Lara Wolf).

O retrato da sociedade conservadora iraniana é, assim, refletido neste filme. Os livros que Azar apresenta aos seus alunos, primeiro na Universidade e, mais tarde, na privacidade da sua casa, servem como pretexto para uma discussão mais profunda sobre a liberdade e sobre o papel da mulher na sociedade. Isso torna-se ainda mais relevante quando Azar pede a sua demissão e se dedica a ensinar apenas mulheres onde, na sociedade iraniana, o hijab se tornou obrigação e perdeu, inclusive, o seu verdadeiro significado. Azar refere mesmo ao Sr. Bahri (Reza Diako) que a sua avó “usava o véu, porque era crente, não por ser um símbolo”. E conclui: “A Religião e o Estado não são a mesma coisa”. Esta ambiguidade fez, portanto, do Irão uma sociedade fechada por um regime autoritário que ainda hoje permanece.

Azar teve alguma esperança num Irão livre e tem até alguns sonhos dessa liberdade. Contudo, não consegue compactuar com as atitudes do regime e acaba por emigrar de vez para os E.U.A…

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Ler Lolita em Teerão, em conclusão

Golshifteh Farahani, em Reading Lolita in Tehran
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“Ler Lolita em Teerão” não teve quaisquer filmagens no Irão. Foi integralmente filmado em Itália, sobretudo nos estúdios Cinecittà. Não teve qualquer exibição no Irão e, face ao conteúdo do filme, não me parece que tal vá acontecer.

Em geral, “Ler Lolita em Teerão” é um filme bem conseguido. No entanto, sinto que o mesmo ficou com as suas reflexões um pouco à superfície. É verdade que os problemas pessoais das personagens também são um reflexo do regime iraniano. No entanto, sinto que falta um pouco mais de contexto geral da sociedade iraniana. Por fim, as transições pelas partes trazem algumas imagens de arquivo. É um ponto positivo. No entanto, pelo genérico final, estas imagens provém de bibliotecas de imagens o que não é muito positivo…

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Ler Lolita em Teerão

Conclusão

  • “Ler Lolita em Teerão” é um filme franco sobre a sociedade iraniana e o reflexo do regime autoritário na mesma. Ainda assim, é uma longa-metragem que podia ter ido um pouco mais além na representação dessa realidade.
  • Apesar de a ação do filme decorrer entre 1979 e 2003, “Ler Lolita em Teerão” não é necessariamente um filme datado sendo que, por um lado, o Irão pouco mudou desde a Revolução Iraniana, por outro, é uma obra que reflete sobre a condição de regime totalitário e hoje, infelizmente, ainda existem vários exemplos.
Overall
7.5/10
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