Festa do Cinema Francês ’25 | Nouvelle Vague – Análise
Richard Linklater, cineasta norte-americano aclamado pelas suas obras que frequentemente se fazem sentir como pequenos “pedaços de vida”, tais como “Boyhood” ou a romântica saga “Before”, assina em “Nouvelle Vague” uma caricatural representação do período da Nouvelle Vague.
Quem foi o crítico e realizador Jean-Luc Godard? Quem foi François Truffaut e os restantes intervenientes principais da Nova Vaga Francesa? Qual a verdade por detrás dos rumores sobre desentendimentos entre Godard e a estrela Jean Seberg durante as gravações de “A Bout de Souffle”? São estas algumas das muitas questões colocadas e respondidas pelo novo filme de Linklater, um filme assinado por um cineasta americano mas ainda assim francês na sua génese.
Nouvelle Vague nasce nas gravações de “O Acossado”
Grosso modo, “Nouvelle Vague” é um falso making-off do primeiro grande título da Nouvelle Vague, como o nome indica – “O Acossado” (no português). Aqui, Jean-Luc Godard realiza uma longa pela primeira vez, tendo por base um argumento de Truffaut. Mesmo sendo esta a sua primeira obra, dá-se a liberdades sem fim: dias de rodagem curtos, técnicas inventivas, câmaras inesperadas para o trabalho em causa, som indirecto e uma despreocupação e mesmo desprezo pela “prisão” da continuidade entre takes.
Quando acompanhamos as gravações de “Breathless” é mesmo quando somos mais felizes neste “Nouvelle Vague”. O retrato leve e humorístico do génio bizarro de Godard permite arrancar várias gargalhadas ao público, e há que dizer que esta recriação histórica é mesmo o momento mais alto desta longa-metragem. Sem ser o próprio filme alguma espécie de obra prima, sem dúvida que esta comédia a preto e branco acaba por entreter bastante mais que o filme que procura representar. Em particular quando entramos a fundo nas pequenas rixas no set: entre atriz e cineasta, ou claro, entre cineasta e produtor.
Quanto menos gostemos ou saibamos sobre a corrente fílmica francesa começada pelos membros da revista de cinema Cahiers du Cinema, melhor. Parece irónico, mas quanto mais conhecimentos sobre a Nova Vaga Francesa, menor a hipótese de gostar verdadeiramente de “Nouvelle Vague”. Isto porque, neste quem é quem de figuras importantes para o cinema europeu no século XX, muitos dos intervenientes acabam por se fazer sentir algo caricaturais.
As personagens falam em grandes chavões – citações atrás de citações, atrás de mais citações. E por muito poéticos que fossem os homens e mulheres da Cahiers e da Nouvelle Vague (maioritariamente homens), a verdade é que na obra de Richard Linklater esta sucessão de frases poéticas e citações de autores famosos, que se seguem vertiginosamente ao longo de todo o filme, acabam por induzir, por acidente, um clima de artificialidade e também de algum cansaço.
O elenco exímio de Richard Linklater
Por outro lado, há que louvar a representação da grande personagem (e diva) que foi Jean-Luc Godard. Guillaume Marbeck não falha na representação do icónico cineasta, imitando na perfeição os trejeitos e manias. Godard era uma figura excêntrica, um louco exigente e um artista com uma visão própria e nada é sacrificado neste seu retrato.
Destaque também para a norte-americana Zoey Deutch como Jean Seberg. Zoey, habitualmente morena, apresenta aqui o corte de cabelo loiro e curto que imortalizou Seberg em “A Bout de Souffle” e depressa a vemos desaparecer por completo no papel, completamente perdida, na melhor das acepções, na sua interpretação desta grande atriz que acabou por nos deixar tragicamente cedo. Olhando para a sua filmografia, muito pautada por comédias românticas e diversos títulos mais esquecíveis, é bem possível que Jean seja o grande papel da sua carreira até agora.
De resto, muitos intervenientes da Nouvelle Vague e do cinema europeu das décadas de 60 e 70 surgem no ecrã, durante mais ou menos tempo, e há que cantar os seus louvores. As caracterizações físicas estão excelentes e os castings perfeitos, com os atores que interpretam astros da época a parecerem realmente as suas figuras históricas correspondentes.
Além disso, Linklater faz por homenagear o estilo de Godard e de “O Acossado” à medida que relata as suas gravações: encontramos também aqui câmaras de mão, som não-síncrono, o invulgar rácio de 1:37 que classifica “Breathless” e o mesmo tipo de película, para que tudo se alinhe na sua homenagem sentida.
“Nouvelle Vague” foi a abertura da Festa do Cinema Francês em 2025, e que abertura. Um filme que evoca um período absolutamente seminal para o cinema deste país, dando nova vida a alguns míticos dias de filmagens.
Nouvelle Vague
CONCLUSÃO
Em “Nouvelle Vague”, Richard Linklater tenta filmar como Jean-Luc Godard e dar nova vida ao período de criação de um dos mais importantes movimentos da história do cinema. O elenco e o humor elevam uma obra não particularmente ambiciosa ou capaz de “escavar” a fundo a corrente representada.