LEFFEST ’25 | Kontinental ’25 – a Crítica
“Kontinental ’25”, da autoria de Radu Jude, é um tratado sarcástico, valoroso, sobre a Europa dos dias de hoje e a performatividade galopante das nossas acções enquanto sociedade. Exibiu na presente edição do LEFFEST em estreia nacional.
Uma obra sobre as consequências devoradoras dos nossos atos, “Kontinental ’25” tem um interessante ponto de partida, que poderia sugerir uma obra de realismo social mas que na realidade explora algo muito mais cético: a consequência do desligamento dos seres humanos em sociedade.
Kontinental ’25 e a expiação da culpa societária

Tudo começa com uma agente de execução a fazer “apenas o seu trabalho”. Orsolya é a oficial de justiça responsável por um despejo, algo de que se encarrega, anos após ano, mês após mês, excepto no inverno, para que não sinta o peso da culpa por pessoas que possam morrer ao frio.
Ora, somos inicialmente apresentados a um sem abrigo, um antigo atleta que havia caído em desgraça, que depois de ser expulso da cave onde vive na Transilvânia, onde uma grande empresa vai construir um hotel de luxo, se suicida. O suicídio é público, violento e traumatiza naturalmente a agente de execução responsável.
Orsolya não é uma “boa” nem uma “má” pessoa, é antes uma cidadã comum, com um afastamento perante temáticas complexas, com convicções que não vão muito além de meras opiniões e raramente se materializam em ações. Enfim, apenas mais uma de nós. Orsolya não sabe agora lidar com a culpa. Ela contribuiu, mensalmente, para várias causas sociais, não viessem as suas contribuições generosas detalhadas na sua conta da Vodafone, a avolumar cerca de 40€ em benefícios.
Mas eis que Orsolya não se envolveu pessoalmente na história do antigo atleta caído em desgraça. Ajudou-o com um prolongamento da sua estadia e com uma carrinha para transportar os seus bens, mas não foi mais a fundo. Não compreendeu a sua depressão, o seu desespero, a sua incapacidade de aceitar o seu triste fado. E não compreendendo, não ajudou, e terríveis consequências acabaram por suceder.
Entre o drama e a comédia, neste argumento delicioso por parte de Radu Jude, muito justamente premiado com o Urso de Prata de Melhor Argumento em Berlim, vamos vendo como é que Orsolya consegue lidar com esta tragédia. E, como enorme elogio a “Kontinental ’25”, o argumento ambicioso não diz apenas respeito à história da protagonista. É uma visão macro, de uma economia pós-socialista feroz, de uma crise de habitação que se precipita cada vez pior, de um nacionalismo galopante que ameaça todos engolir com o seu selvagem racismo, o qual a nossa protagonista enfrenta de forma muito real, como uma Húngara na Roménia.
Um contexto rico no LEFFEST com Radu Jude
O contexto sócio-político é para lá de rico e quiçá o grande trunfo de “Kontinental ’25”, um filme que não só nos permite compreender a performatividade dos nossos atos, como o mal-estar que atravessa toda a contemporaneidade, como também o próprio tecido sócio-económico não só da Transilvânia, como da Romênia, como de toda a Europa e do mundo ocidental. Um universo onde a opulência rima sempre com a escassez.
Além disso, como referido, “Kontinental ’25” faz-nos sentir todos estes elementos sem entrar em grandes dramatismos, sendo mais claramente enquadrado, através do seu texto, como uma comédia negra deliciosa, cínica, à qual não resta muita fé na humanidade.
Ademais, o filme é baseado em “Europa ’51”, de Roberto Rossellini, mas apresenta-se num registo de orçamento mais reduzido. A força do diálogo é aqui também muito reforçada. Todos os males societários da Roménia se retratam através da história da protagonista, servindo esta como veículo perfeito para todas as malapatas, que não são poucas e expressam males muito mais gerais. Bravo para o alcance deste inteligente texto!
Da Transilvânia para Portugal, “Kontinental ’25” terá distribuição garantida no nosso território apenas no dia 8 de janeiro de 2026. A chegada às salas fica a cargo da FILMS4YOU.
Kontinental '25 - a Crítica
Conclusão
- “Kontinental ’25” é um filme que não só nos permite compreender a performatividade dos nossos atos, como o mal-estar que atravessa toda a contemporaneidade, bem como o próprio tecido sócio-económico não só da Transilvânia, como da Romênia, de toda a Europa e do mundo ocidental. Um universo onde a opulência rima sempre com a escassez.

