©Alfaguara/Penguin Random House

A Estrada Subterrânea, em análise

Do livro “A Estrada Subterrânea” para a série, que estreou em maio na Amazon Prime Video, mantêm-se as atrocidades da vida dos escravos, mas também a determinação pela luta pela liberdade.

O título original é “The Underground Railroad”, uma expressão que remete para a rede ferroviária construída debaixo de terra que serviria para escapar à escravatura. “A Estrada Subterrânea” do título em português indica-nos ainda para o percurso interior em prol da libertação, que se sente crescer ao longo do livro.

Aqui fala-se de escravatura, na sua vertente mais cruel e extremista. O tema não é novo, tendo sido feitas diferentes abordagens sobre ele ao longo das últimas décadas. No entanto, parece que quanto mais o aprofundamos, mais  horrores desvendamos sobre a natureza humana.

Talvez por isso acabe sempre por ser uma leitura que exige paragens para digerir as imagens de violência que se desenrolam ao longo do enredo. É esse tom inóspito e desconcertante que também percorre o trailer da série televisiva de dez episódios, que estreou em maio na Amazon Prime Video.

Editado em 2017 em Portugal pela Alfaguara/Penguin Random House, neste livro os contornos do mundo real esbatem-se com a ficção alegórica, a possibilidade de efetivação do mito e a névoa pós-sonho. Será que este caminho-de-ferro debaixo da terra de facto existiu? Ou apenas a sua possibilidade serviria como alimento de esperança para todas as vítimas da escravatura?

Nova capa "A Estrada Subterrânea"
Nova capa com a imagem da série da Amazon Prime Video ©Alfaguara/Penguin Random House

Com 12 capítulos e títulos que expressam não só o local como a personagem que conta a sua versão, toda a história acaba por se centrar em Cora. Começamos por conhecer as suas origens através da sua avó Ajarry, “vendida diversas vezes ao longo do trajeto” até chegar à plantação dos Randalls. Da sua mãe, Mabel, pouco se sabe, além de que fugiu para o Norte e a deixou sozinha. Terá sido mesmo assim?

As descrições da vida na plantação são brutais, imagens que se sucedem de psicóticos abusos físicos, sexuais, psicológicos e emocionais. Difíceis de processar, ainda mais de aceitar, e que são inspirados em eventos reais já que o autor, Colson Whitehead, esclarece que consultou o Federal Writer´s Project, o qual inclui a “Slave Narrative Collection”, que reúne mais de 2.300 relatos pessoais de escravatura e 500 fotos a preto e branco de ex-escravos.

Whitehead reuniu também avisos sobre os escravos fugitivos que nos são apresentados entre alguns dos capítulos do livro. Estes extratos são provenientes das coleções digitalizadas da Universidade da Carolina do Norte, em Greensboro, e são demonstrativos do modo como os escravos em fuga eram reduzidos a meros objetos que tinham que ser resgatados.

Colson Whitehead
Colson Whitehead, o autor de “A Estrada Subterrânea”, ©Alfaguara/Penguin Random House

Cora foge com Caesar, um escravo que ouve falar sobre esse novo trilho de fuga e todo o enredo começa a transformar-se. Uma nova Cora começa a despontar à medida que aprende a ler, a escrever, a falar corretamente e a interpretar todos os sinais do mundo adverso que a rodeia.

O caçador de escravos Ridgeway não desiste de a perseguir e é uma sombra constante nesta sua viagem. Um percurso palpável, medido em dor, desilusão e sacrifício, simultaneamente um calvário interno de Cora… a sua “estrada subterrânea”.

É interessante apreciar a evolução desta personagem, através dos seus atos de resiliência e do olhar dos que a rodeiam. Paralelamente, o autor partilha dados com o leitor, mas não com Cora, como é o caso do destino da sua mãe, que ela tanto anseia reencontrar, ou o que ela representou para Caesar e até para a improvável guardiã Ethel.

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Entre a Carolina do Norte e a Carolina do Sul, até à quinta Valentine, Cora reinventa-se numa constante aprendizagem, mas com um sonho permanente de alcançar o norte, a derradeira salvação da sua individualidade e dignificação como ser humano.

Com mérito inquestionável, Colson Whitehead, ganhou o Prémio Pulitzer Ficção em 2017 e o National Book Award com este livro que também foi bestseller do New York Times. A sua escrita envolvente e descritiva mergulha o leitor em ondas palpáveis de incredulidade, náusea e inquietação.

Cora nunca desiste, ela persiste nessa crença da libertação, da alternativa e da ressurreição. Queremos acreditar que Cora conseguiu lá chegar.

TRAILER | DESCOBRE A SÉRIE BASEADA NO LIVRO “A ESTRADA SUBTERRÂNEA”

 

“A Estrada Subterrânea”  passou a estar na tua wish list?

A Estrada Subterrânea, em análise
A Estrada Subterrânea- capa primeira edição 2017

Book Title: A Estrada Subterrânea

Book Description: Cora é escrava numa plantação de algodão no Estado sulista da Geórgia. A vida é um inferno para todos os escravos, mas particularmente difícil para Cora. Abandonada pela mãe, ela cresce no meio da mais difícil solidão, a dos que são marginalizados pelos seus iguais. Quando Caesar, um jovem escravo acaba de chegar do Estado vizinho da Virgínia, lhe fala da estrada subterrânea, os dois decidem correr um risco fatal e fogem da plantação, rumo ao Norte e à Liberdade. Nessa madrugada de mau presságio, inicia-se uma fuga sangrenta, uma odisseia de esperança e de desilusão.

Book Author: Colson Whitehead

Publisher - Orgnization: Alfaguara

Publisher Logo: logotipo editora Alfaguara

  • S. Nogueira - 75
75

A Estrada Subterrânea, em análise

Podia ser só mais uma história sobre a escravatura, mas acaba por se converter num passo mais além no caminho da tomada de consciência sobre o tema. Ao acompanharmos o percurso de Cora, somos cúmplices da sua fuga. As descobertas que faz, as pessoas com quem se cruza, a chegada a locais supostamente seguros que se transformam em outras versões de maldade e desespero fazem parte do seu trilho em direção à liberdade. Lições do passado que devem ser lembradas e passadas para as próximas gerações.

Pros

  • A junção entre uma fábula da época esclavagista com a realidade
  • A luta pela constante dignificação humana
  • Escrita ágil e direta

 

 

Cons

  • O final indeterminado da história de Cora
  • A brutalidade física e psicológica que, apesar de realista, pode ser difícil de digerir por leitores mais sensíveis
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