A Quinta – Análise
Um professor abandonado viaja até Ponte de Lima, onde descobre um novo sentido para a vida e uma galeria de personagens femininas memoráveis. Com María de Medeiros em estado de graça, “A Quinta” é uma fábula calma e luminosa, realizada com a delicadeza de quem cultiva um jardim. Estreia a 31 de Agosto
Há filmes que não precisam de gritar para serem ouvidos. “A Quinta”, da realizadora valenciana Avelina Prat, é um desses casos raros. Discreta, elegante e cheia de humanidade, “A Quinta” estreia em Portugal a 31 de agosto, integrada na CineFiesta – Mostra do Cinema Espanhol, e traz consigo um cheirinho a temporadas ou férias passadas no Minho: um humor suave e uma melancolia bonita que nos acompanha muito depois do genérico.
Avelina Prat, que trocou a arquitetura pelo cinema, volta a provar que tem um olhar único para as relações humanas. Depois do seu primeiro filme, “Vasil”, em que explorava em tempos a imigração ucraniana, a realizadora volta a falar de deslocamentos, mas agora com uma aura de fábula literária.
Manolo Solo, um Professor com o GPS Emocional Avariado
O protagonista de “A Quinta” é Fernando (Manolo Solo), um professor universitário de geografia que prefere mapas de papel aos mapas digitais, uma espécie de ser analógico teimoso que vive preso ao passado.
Quando a mulher de origem sérvia decide abandoná-lo e regressar ao seu país, Fernando vê-se obrigado a redefinir a sua rota, não apenas na Península Ibérica, mas também na vida. É essa crise que o leva até Ponte de Lima, no norte de Portugal, onde conhece Manuel (Xavi Mira), um jardineiro que promete mostrar-lhe um “lugar único”.
Esse encontro é o gatilho para uma transformação profunda, feita não de grandes revelações, mas de pequenos gestos, diálogos demorados e olhares que dizem mais do que qualquer discurso motivacional.
María de Medeiros: A Senhora da Quinta e do Silêncio
Porém, a grande estrela do filme é María de Medeiros. No papel da dona da quinta, a atriz portuguesa compõe uma personagem de olhar misterioso e gestos contidos, quase uma espécie de guardiã espiritual do espaço, quase uma personagem, permitam-me o termo uma mulher ‘agustiniana’, que remete obviamente para as figuras femininas criadas por Agustina Bessa-Luís.
Não fala muito, mas cada frase sua tem o peso de quem já viu a vida em todas as cores e ao que parece algumas delas bastante sombrias. Ao lado dela, Rita Cabaço dá corpo à cozinheira, uma presença terna e firme, enquanto Branka Katic, no papel da empregada de mesa, ilumina o ecrã com uma simplicidade quase etérea.
Juntas, estas três personagens femininas são o verdadeiro centro do filme: mulheres livres, cheias de personalidade, que vivem para si mesmas e não como acessórios dos homens.
Uma Realizadora que Filma como Quem Planta Árvores
Avelina Prat filma “A Quinta” com a paciência de uma jardineira. Cada plano parece pensado para deixar crescer o que está em cena: o vento nas árvores, o olhar de um personagem, o som da água num tanque.
O filme tem um ritmo pausado, mas nunca aborrecido, lembra o cinema contemplativo de Éric Rohmer e Víctor Erice (recordam-se que Manolo Solo é também o nostálgico protagonista de “Fechar os Olhos”), com um toque do lirismo de Carlos Saura.
Não há moralismos nem soluções rápidas, apenas a ideia de que viver é aceitar o mistério, como se cada pessoa fosse uma árvore transplantada para um novo solo, onde terá de aprender a crescer outra vez.
O Cinema Como Lugar de Cura
O mais fascinante em “A Quinta” é a forma como o filme combina melancolia e otimismo. Sim, os personagens estão perdidos, mas não de forma desesperada. Estão em busca, de uma nova casa, de um novo sentido, de uma nova identidade, de uma nova geografia pessoal. E talvez seja essa procura que nos conquista, porque todos nós andamos, de alguma forma, à procura de algo.
Um Filme para Ver Sem Pressas
Por fim, esqueçam, porque “A Quinta” não é para esperar pelas maratonas de sofá, nem para quem vê filmes com o botão de “1,5x” do streaming. É para ver devagar, de preferência numa boa sala escura de cinema e com a mente aberta, como quem passeia num jardim ao entardecer.
María de Medeiros brilha, Avelina Prat confirma-se como uma voz singular no cinema espanhol europeu, e nós saímos do filme com a sensação de que o mundo, afinal, ainda tem recantos de beleza pura. E tem aquele ‘puto pequenino’ (Gonçalo Dantas), filho da cozinheira, que tem umas saídas incríveis de chorar a rir e ainda tenta tocar acordeão.
JVM
A Quinta-Análise
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José Vieira Mendes - 85
Conclusão:
“A Quinta” é um filme que respira e nos obriga a respirar com ele. É sobre recomeços, sobre aceitar a mudança e sobre encontrar beleza em lugares inesperados. Maria de Medeiros é o coração silencioso da história, e Avelina Prat confirma que é uma das realizadoras mais interessantes do cinema espanhol e europeu atual. É daqueles filmes que nos lembram que o cinema ainda pode ser íntimo, humano e verdadeiro.
Overall
85User Review
( votes)Pros
O Melhor: Obviamente María de Medeiros, com uma interpretação cheia de subtileza e força silenciosa. A fotografia que transforma a paisagem de Ponte de Lima num postal vivo. O tom literário, poético, mas nunca pretensioso.
Cons
O Pior: O ritmo lento pode afastar quem vive com pressa (mas o problema é deles, não do filme). Pede uma predisposição para “desacelerar”, algo raro nos tempos que correm.