O cinema dentro do cinema.©Nitrato Filmes

Fechar os Olhos, a Crítica | Em Busca do Filme Perdido

Mais de trinta anos depois de ‘O Sol de Marmeleiro’ (1992), o mestre Víctor Erice regressou com ‘Fechar os Olhos’, uma avassaladora ode ao cinema de outros tempos, com base numa investigação quase policial, sobre um actor desaparecido durante as rodagens de um misterioso filme. Uma bela homenagem ao cinema, que nos cativa desde o primeiro minuto. Este foi o Melhor Filme do LEFFEST 2023 e estreia na próxima quinta, 7 de dezembro.

Cinquenta anos depois de ‘O Espírito da Colmeia’ (1973), Víctor Erice (82 anos) — um dos realizadores espanhóis mais decisivos e importantes, depois de Luis Buñuel — regressa com ‘Fechar os Olhos’ — estreado fora da competição no último Festival de Cannes, não sem alguma controvérsia, com a organização. Trata-se de uma obra surpreendente moderna, um filme de uma pureza anacrónica em que demonstra novamente a maestria de Erice para retratar o invisível ou aquilo que não se vê na primeira “mirada”. Em ‘O Espírito da Colmeia’ (1973), o realizador procurava retratar tudo aquilo que não podia ser dito; ‘O Sul’ (1983) é um filme sobre o mistério do desconhecido, ao passo que, a passagem do tempo é representada pela luz, no incontornável ‘O Sol de Marmeleiro’ (1992), uma verdadeira obra-prima do cinema contemporâneo. Na verdade, a escassa obra de Erice — em 50 anos realizou três longas-metragens de ficção e um documentário — está repleta de imagens inexistentes, precisamente como o filme-mistério que é a base do argumento de ‘Fechar os Olhos’. ‘Não há milagres no cinema desde que Dreyer morreu’, isto é dito por um dos personagens deste ‘Fechar os Olhos’, um filme algo milagroso, com uma história intimista e quase policial, — do cinema dentro do cinema.

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A TRANSCENDÊNCIA DO CINEMA

No fundo trata-se de um ensaio filosófico sobre a transcendência dos filmes, a maneira como eram feitos no século XX, agora e também, sobre outros filmes inacabados, que nunca chegámos a ver. Na verdade é igualmente, uma espécie de vingança em relação a ‘O Feitiço de Xangai’ baseado no romance homónimo do seu amigo Juan Marsé e que nunca chegou a realizar, por conflitos com o produtor. Esse filme maldito deixou Erice muito perturbado e foi parar às mãos de Fernando Trueba (‘A Bela Época’), que o realizou bastante mal. Uma das obras malditas, (agora na ficção…) é precisamente um filme, no qual um nostálgico realizador de cinema chamado Miguel Garay (Manolo Solo), só conseguiu rodar o início e o fim, por causa uma causa bastante incomum. ‘Fechar os Olhos’ começa com um expressivo e elegante detective particular, à boa maneira dos ‘filmes noir’ americanos e franceses da época, que tem a missão de ir à China, localizar a filha de um velho — e com pouco tempo de vida — magnata (Josep Maria Pou), que o contrata para trazer a rapariga de volta.

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VÊ TRAILER DE ‘FECHAR OS OLHOS’

Embora o argumento e os diálogos sejam logo envolventes, rapidamente nos apercebemos que esta sequência de abertura do filme, nada mais é do que a rodagem de um outro filme, que nunca foi finalizado, porque o seu protagonista, o famoso galã Julio Arenas (José Coronado), desapareceu durante as filmagens, sem deixar qualquer rasto. Embora o famoso ator tenha sido dado como morto, seu corpo nunca foi encontrado por isso muitas hipóteses foram consideradas, sobre o que teria acontecido. Quase três décadas depois, o caso volta a ser falado, através de um programa televisivo sobre mistérios por resolver, onde Miguel Garay, o realizador do filme inacabado e também amigo próximo do desaparecido, é convidado a participar. Assim, na perspectiva de Garay, novas informações vão sendo descobertas gradativamente sobre o que aconteceu com Julio Arenas e nos dias anteriores ao seu desaparecimento, até que o ocorrido seja revelado.

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UMA PEQUENA OBRA-PRIMA

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Passando para o presente — o enredo do filme decorre em 2012 —, pouco a pouco vamos seguindo os passos de Miguel Garay (Manolo Solo), que reforça o tom e desenvolvimento do filme, com uma magistral interpretação e fisicalidade. José Coronado também não fica aquém com um excelente trabalho de interpretação (e dupla composição), aliás como o resto do elenco, com Ana Torrent, María León ou a grande figura que é Josep Maria Pou, apesar destes três últimos, terem menos presença no filme, já que Manolo Solo tem o principal peso na história. Todo o filme é preenchido pelo mistério, mas também pelas memórias de uma amizade, construída com muita sensibilidade, através de belos e milimétricos planos; e depois uma banda sonora, que anima ainda mais a já confortável jornada do filme, onde os admiradores de Víctor Erice podem encontrar referências — algumas muito subtis e outras mais óbvias — à sua filmografia, bem como a outros mestres clássicos do cinema, como Hawks, Dreyer, Ray. Apesar da duração de 169 minutos, que à partida poderia fazer com que alguns espectadores pensassem num filme demasiado denso e pesado, a verdade, é que ‘Fechar os Olhos’ é um filme leve e que passa num instante, cujo argumento cativa desde o primeiro minuto, até à grande revelação, em ‘busca de um cinema perdido’. Pouco mais se pode dizer sobre ‘Fechar os Olhos’, sem acidentalmente destruir parte do desenvolvimento da sua contemplativa e curiosa história. Trata-se de uma bela homenagem ao cinema de Erice, que é por si só um dos grandes pilares desta longa-metragem. Porém, é uma obra maravilhosa e indescritível, para os grandes amantes do cinema em geral.

Crítica | ’Fechar os Olhos’: Em Busca do Filme Perdido
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Movie title: Cerrar los Ojos

Movie description: O ator Julio Arenas desaparece durante as rodagens de um filme e o seu corpo nunca foi encontrado. No entanto, a polícia assume a sua morte, vítima de um acidente à beira-mar. Mas o mistério regressa à actualidade, num programa de televisão que descreve a sua vida e a sua morte, com algumas imagens exclusivas, das últimas cenas que filmou, captadas realizador Miguel Garay e seu grande amigo.

Date published: 4 de December de 2023

Country: Espanha, Argentina

Duration: 169 min

Director(s): Víctor Erice

Actor(s): Manolo Solo, José Coronado, Ana Torrent, María León, Josep Maria Pou

Genre: Drama, Thriller, 2023,

  • José Vieira Mendes - 95
95

CONCLUSÃO:

‘Fechar os Olhos’, de Víctor Erice é um filme lindo, comovente e também divertido, que todo cinéfilo deveria ver pelo menos uma vez na vida. O realizador, assente numa misteriosa história de um filme dentro de outro filme, faz uma maravilhosa homenagem à sétima arte, que deve ser vista como merece: num grande ecrã de cinema. 

JVM

Pros

Uma sincera homenagem ao cinema com Manolo Solo, cuja interpretação carrega todo o peso do filme, além de fazer um trabalho magnífico de um realizador, digno de ser premiado.

Cons

Talvez algumas partes do filme sejam um pouco lentas, sobretudo sobre as que incidem na calma com que o protagonista Miguel Garay se move, mas nada demais, na duração de quase 3 horas.

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