"Adeus, Professor" | © NOS Audiovisuais

Adeus, Professor, em análise

Johnny Depp despiu as suas usuais perucas, os figurinos ostentosos, as maquilhagens espalhafatosas e sotaques esquisitos para interpretar um homem a confrontar a sua própria mortalidade em “Adeus, Professor”.

Desde os tempos áureos da Velha Hollywood, muito mudou no modo como se faz cinema. Isto não se refere só a questões tecnológicas, estéticas, culturais ou artísticas. O modo como filmes são produzidos mudou radicalmente, especialmente ao nível comercial. Em tempos, os grande estúdios eram fábricas de estrelas e muitos eram os filmes que eram vendidos, tanto ao público como aos produtores, com base na presença de uma estrela, um ator com uma persona que se estendia para além do ecrã e assim influenciava não só as vendas de bilhetes, mas o próprio modo como o espectador encararia o produto final.

Por exemplo, nos anos 40, Judy Garland era uma estrela de musicais associada a papéis infantis, uma antítese do glamour então tipificado por atrizes como Lana Turner. Um melodrama adulto, por muito convencional que fosse, podia tornar-se num ato de subversão e choque se Garland fosse proposta como sua protagonista. Em semelhança, uma proposta cómica e musical medíocre tinha logo um apelo acrescentado pela presença da atriz, fazendo do filme um pretexto para o espectador passar tempo com esta persona cinematográfica a fazer aquilo que a audiência associa ao seu nome, algo familiar e confortável para o espectador.

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Tais divagações podem parecer um tanto ou quanto estranhas no contexto de “Adeus, Professor”, mas há propósito nestas nossas viagens pelo passado de Hollywood. Basicamente, estrelas de cinema eram antes a maior comodidade de toda a indústria cinematográfica. Hoje em dia, estamos muito mais predispostos a pensar em atores como atores ao invés de estrelas, separando o seu trabalho no ecrã da persona de celebridade que eles projetam fora do plateau. Poucos são os filmes produzidos, vendidos e promovidos singularmente a partir do nome de um ator e poucos são os atores que, hoje em dia, têm capacidade para sustentar todo um filme só com a sua presença.

De certo modo, este desenvolvimento pode parecer bom, mas há algo charmoso na Arte de fazer cinema em volta de uma estrela, algo que se tem vindo a perder. Só alguns realizadores hoje em dia parecem estar cientes de como se faz tal cinema. Steven Soderbergh, por exemplo, tem dedicado quase metade da sua carreira a explorar estas mesmas questões, se bem que de um modo subversivo e modernista. Longe de tais radicalismos, mas tanto ou mais em sintonia com o cinema de estrelas de outros tempos, temos o filme que nos propomos aqui a analisar, “Adeus, Professor”, realizado e escrito por Wayne Roberts com Johnny Depp no papel principal.

Entre todos os atores que ainda se podem considerar estrelas no ecossistema de fama atual, Johnny Depp é um dos casos mais confusos e fascinantes. De ídolo adolescente, Depp tornou-se num dos atores mais promissores da sua geração quando, nos anos 90, arriscou tudo numa série de papéis bizarros, cada um menos ortodoxo que o outro. Foi assim que ele conquistou a crítica e o público, mas a sua popularidade não foi instantânea. Tal estranheza precisa de tempo até se tornar familiar e foi só no início do século XXI que o ator realmente se tornou numa estrela genuína. Em 2003, a figura do Capitão Jack Sparrow foi o seu maior golpe de génio e o que para sempre solidificou o seu legado. Foi também aquilo que deu início a um resvalar na carreira do ator.

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O que antes parecia desafiante, começou a parecer automático e feito sem piada, sem desafio ou esforço. Depp tornou-se displicente e, apesar de continuar a ser popular, este ídolo doirado perdeu o lustre. As suas caracterizações grotescas com figurinos esquisitos tornaram-se num handicap e o despir de gestos manientos e poses de rebeldia juvenil tornou-se no tipo de risco que o ator parecia cada vez menos motivado a confrontar. Ele é como um músico que sempre repete a mesma melodia cada vez com menos entusiasmo. Junte-se a isso uma série de problemas pessoais que têm manchado a reputação do ator e temos um Johnny Depp que é uma sombra do Johnny Depp que já foi.

Mais do que qualquer filme em que o ator tenha participado recentemente, “Adeus, Professor” sabe pegar em tudo isso e usar esta nova aparência gasta, cansada, da estrela que é Johnny Depp e com ela construir um filme e uma prestação de interesse. Afinal, esta é a história de um professor carismático que descobre que vai morrer muito brevemente, cujo corpo parece murchar diante dos nossos olhos e cuja vida pessoal está de pantanas. Esta é a história de um homem que gosta de ser o centro das atenções e dar grandes discursos, que gosta de parecer rebelde e anti politicamente correto, mas é, da sua própria maneira, extremamente convencional e conservador. Esta é a história de uma estrela caída, à espera de morrer.

“Adeus, Professor” é tanto sobre um académico moribundo como é sobre Johnny Depp e, pela sua parte, o ator é melhor aqui do que é há anos. Ou talvez seja mais correto dizer que o filme contextualiza esta versão triste de Depp de tal forma que ele é perfeito no papel. Até a condição perfuntória dos seus trejeitos rebeldes e carisma de antigo sex symbol são postos à prova e usados neste estudo de personagem. Não se trata de uma prestação extraordinária. Depp está em modo automático, sejamos sinceros, mas é o desempenho perfeito para o filme e é um fascinante artefacto na História de Johnny Depp, estrela de cinema.

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Infelizmente, a razão pela qual nos estamos a focar tão obsessivamente nesta questão é que “Adeus, Professor” tem muito pouco para oferecer para além de uma exploração de Johnny Depp, sua presença e seu legado de celebridade e ator. O filme parece uma reciclagem de temas e imagens que já foram vistos mil vezes, uma obra sobre a crise de meia-idade de um homem privilegiado com uma esposa vilanesca e um emprego aborrecido. A única diferença é que, aqui, parece que o autor está a tentar abafar potenciais objeções do espectador mais progressista ao apelar à piedade para com um homem enfermo e débil. Enfim, quem já viu “Beleza Americana” não encontrará nada de novo aqui.

Até a estética da produção parece uma repetição do que já se viu noutras centenas de obras semelhantes. Com os seus tons âmbar, parece que “Adeus, professor” está a ser projetado através de um copo de whiskey, um tipo de linguagem visual estranhamente popular em filmes passados em universidades. O humor às vezes funciona, mas é mais graças ao timing de Depp do que à qualidade cómica do texto que, ocasionalmente, parece querer ser uma versão tão irónica como sincera da história clássica de um professor inspirador. Essa atitude meio indecidida leva a um filme com pouco a dizer, cheio de diálogo estilizado que é menos inteligente do que parece ser e personagens que raramente reagem como seres humanos credíveis. Enfim, além de Depp, “Adeus, Professor” é tragicamente desinteressante e trata-se de um filme que só se recomenda mesmo a fãs desta estrela.

Adeus, Professor, em análise
Adeus, Professor

Movie title: The Professor

Date published: 3 de August de 2019

Director(s): Wayne Roberts

Actor(s): Johnny Depp, Danny Huston, Rosemarie DeWitt, Odessa Young, Zoey Deutch, Ron Livingston, Linda Emond, Devon Terrell, Matreya Scarrwener

Genre: Drama, Comédia, 2018, 90 min

  • Cláudio Alves - 50
  • Catarina Novais - 50
50

CONCLUSÃO:

“Adeus, Professor” não prima pela originalidade ou por uma natureza artisticamente arriscada. Trata-se de uma colagem de clichés a traçar uma história de crise de meia idade apimentada pela ameaça da morte prematura. No meio disto, traça-se uma exploração meio interessante de Johnny Depp enquanto estrela de cinema que já viu melhores dias, quase num gesto metatextual que o filme é demasiado convencional para explorar a nível formal.

O MELHOR: Depp em toda a sua glória de estrela caída, mesmo que ele nunca dê a impressão de que a sua personagem existe para além dos limites da narrativa. Também louvamos a cabeleira sedosa do ator e a capacidade de Danny Huston para sugerir uma pessoa real num filme feito de clichés e mecanismos narrativos em forma humana.

O PIOR: A misoginia inerente à personagem da esposa adúltera, especialmente o modo como o filme parece quase querer castigá-la pelo modo como a filma, ora ridícula ora tragicamente solitária.

CA

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