O Agente Secreto – Análise
Estreia já esta quinta-feira 6 de novembro nas salas de cinema nacionais um dos mais aguardados filmes do ano: “O Agente Secreto” (2025, Kleber Mendonça Filho).
Depois de ter vencido no Festival de Cannes de 2025 os prémios de Melhor Realizador e Melhor Ator (Wagner Moura), o filme já teve algumas outras antestreias no nosso país. Agora, chega finalmente a um público mais alargado e numa estreia que acontece em simultâneo com o Brasil.
O novo filme de Kleber Mendonça Filho é um neo-noir histórico. A ação decorre em 1977 e centra-se na história de Marcelo (Wagner Moura) que procura a paz junto do filho enquanto está ameaçado de morte.
Qual a narrativa de O Agente Secreto?

“O Agente Secreto” é um filme histórico e de ação que decorre em plena época da ditadura militar no Brasil: 1977. No centro da ação está Marcelo, um professor universitário e investigador que viaja até Recife para reencontrar o filho Fernando que se encontra a viver com os avós maternos. Isto acontece pouco depois de ter perdido a sua esposa. Ao chegar, infelizmente, Marcelo sente-se ameaçado ao descobrir que dois homens foram contratados para o matar.
Esta longa-metragem está a ter um percurso bastante positivo junto de críticos e espectadores. Já se fala, inclusive, na hipótese de poder suceder a “Ainda Estou Aqui” (2024, Walter Salles) na corrida aos Oscars de 2026. Para já, é a submissão oficial do Brasil aos prémios da Academia americana na categoria de melhor filme internacional.
Em primeiro lugar, quero deixar aqui uma nota nesta minha crítica. Ao sair do visionamento de “O Agente Secreto”, senti que este é um filme muito bem trabalhado e com vários detalhes que nos escapam ao longo do filme. Assim, sinto que esta minha análise nunca será 100% perfeita após um único visionamento deste muito bem conseguido filme. Por isso mesmo, peço desculpa ao autor do filme e respetivos leitores por eventuais lacunas.
Um filme com muitos detalhes
Enquanto construção narrativa, esta longa-metragem encontra-se dividida em três partes. Entre cada uma delas, o realizador Kleber Mendonça Filho rompe o centro da ação para nos apresentar a um tempo contemporâneo.
À primeira vista, o primeiro corte foi estranho para mim pois, de repente, aparece um smartphone literalmente do nada. Contudo, aplaudo o realizador pela decisão de montagem que, depois, se veio a revelar bastante bem conseguida!
Por outro lado, o que mais me fascinou ao longo do filme é como as personagens se cruzam, inicialmente sem nenhuma relação entre si, e, depois, acabam por estar relacionadas umas com as outras mais tarde na narrativa. Inclusive, o próprio desfecho da história principal do filme (ou seja, a ação que decorre em 1977) é surpreendente e não é, de todo, aquilo que esperamos. Contudo, não vou aqui desvendar nada para não estragar ao espectador a magia de ver este filme pela primeira vez.
Ah, e claro, outra coisa curiosa: quem é o agente secreto que dá nome ao filme? A pergunta fica realmente no ar porque, verdadeiramente, não há aqui nenhum agente secreto (a não ser que falemos em termos mais ‘simbólicos’…). Em contrapartida, a justificação dada pelo realizador numa entrevista de um comunicado de imprensa pode simplificar a coisa. Assim, ele refere: “Inicialmente, tinha o título O Agente Secreto para uma história diferente, que tentei escrever mas nunca funcionou como argumento. Mantive o título quando passei para outras ideias. É, na verdade, uma mistura de muitos impulsos diferentes. Em parte foi o desejo de fazer um thriller. Em parte o desafio de voltar atrás no tempo e fazer um filme de época (…)”.
Um início estranhamente simbólico

O estilo vincado de Kleber Mendonça Filho está presente ao longo do filme – ou não tivesse ele vencido o prémio de melhor realização em Cannes. O autor faz um trabalho verdadeiramente extraordinário com esta reconstituição de época em que o espectador sente verdadeiramente que está a ver uma história em 1977. Todo o detalhe dado a nível da direção de arte, da roupa e de outros elementos mais subjetivos é verdadeiramente excelente. O filme surge, inclusive, depois de Kleber Mendonça Filho ter trabalhado com memórias e arquivos em “Retratos Fantasmas” (2023).
Este é, igualmente, um daqueles filmes aos quais ficamos agarrados logo nos primeiros momentos. A longa-metragem começa junto a uma bomba de gasolina onde Marcelo atesta o seu carro. A poucos metros encontra-se um corpo de uma mulher morta ao qual ninguém liga nenhuma a não ser os cães que a vêm cheirar. A certo momento, a polícia aparece. Tanto Marcelo como o dono da gasolineira julgam que eles vêm averiguar o que aconteceu com aquele assassinato. Contudo, os polícias dirigem-se a Marcelo. Se, por um lado, lhe pedem os documentos como uma simples operação de rotina, a situação acaba-se por se prolongar até que Marcelo refere que está cansado de uma viagem de muitas horas.
Neste início, há aqui três detalhes importantes. Em primeiro lugar, a presença da polícia que, mais tarde, entra na vida de Marcelo com exatamente as mesmas personagens, quando ele está a ser perseguido, e que até se cruza com os capangas que seguem no seu encalce. Em segundo lugar, a presença da mulher assassinada que, depois de Marcelo saber que está a ser seguido, ele sonha que aquela mulher regressa à vida. Por fim, de forma implícita, esta cena inicial é uma autêntica caracterização do regime totalitário do Brasil.
Uma narrativa que se vai construindo aos poucos

“O Agente Secreto” é um filme que não pretende ser expansivo nas suas explicações e o espectador vai descobrindo os pequenos detalhes aos poucos. Por exemplo, o regime ditatorial do Brasil não está presente neste filme de forma tão direta como em “Ainda Estou Aqui”. Não pretende sequer que isso aconteça. Interessa mais a Kleber Mendonça Filho ter a atmosfera dessa época. Sentir através de pequenos detalhes.
Talvez por isso mesmo a perseguição que Marcelo sofre não seja de ordem política. Só a mais de metade do filme é que percebemos os verdadeiros detalhes pelos quais Marcelo assumiu uma nova identidade (o seu verdadeiro nome é Armando) e porque está sob ameaça de morte. Sabemos logo de início que ele é refugiado – aliás, há quem peça para não usarem essa palavra naquele refúgio gerido por Sebastiana (interpretada por Tânia Maria) onde se encontram vários refugiados distintos – mas não sabemos logo porquê. Mais tarde, surge Ghirotti (Luciano Chirolli) a contratar dois homens para o matarem mas só muito depois, numa conversa mais ‘íntima’ com Elza (Maria Fernanda Cândido), é que sabemos os detalhes concretos do seu refúgio.
Esta dimensão narrativa que se vai construindo aos poucos, detalhe a detalhe, é um dos pontos mais positivos do filme e que mais interesse desperta no espectador.
A magia de O Agente Secreto

Todo o contexto histórico está trabalhado ao milímetro em “O Agente Secreto”. No refúgio de Sebastiana há, inclusive, refugiados angolanos que fugiram do seu país que tinha acabado de começar uma Guerra Civil.
As artes
Por outro lado, é notória a paixão de Kleber Mendonça Filho pelas artes. Refiro-me em concreto à música e ao cinema. A música do filme, com vários temas de época, é outro dos trunfos da longa-metragem, usada com significado e nunca para ‘sujar’ o som. Quanto ao cinema, além do prolificamente mencionado “Tubarão” (1975, Steven Spielberg) – que, inclusive, inspira um crime na narrativa, quando uma perna decepada aparece dentro de um tubarão -, o cinema vive-se dentro do filme. Em primeiro lugar, pela personagem do sogro de Marcelo, Alexandre (Carlos Francisco), que é projecionista. Depois (e também em consequência disso) porque são referidos outros filmes, quer pelos seus cartazes, quer por pequenos excertos. O realizador trouxe mesmo a sua própria memória em relação ao cinema. Segundo o próprio, 1977 é o ano em que ele começa a frequentar o cinema de forma mais intensa.
O sobrenatural
Já sobre outros pequenos momentos importantes no filme… A janela da sala de projeção do cinema é o mais belo plano do filme, quando Marcelo ‘desaparece’ de cena e abre-se espaço à cidade em pleno. Depois, pelo lado surreal, há o gato metamorfoseado de Sebastiana e a perna peluda que ganha vida e começa a pontapear tudo e todos num parque à noite. Podem parecer dois momentos caídos do céu no meio do filme e que rompem por completo com a narrativa mas, na verdade, são cenas que trazem um significado implícito.
Se o poder do regime não está profusamente presente no filme, o gato e a perna são, claramente, duas metáforas para o mesmo. É um regime atento, autoritário e que age por impulso. O realizador referiu mesmo: “A história da ‘Perna Cabeluda’ que aparece em O Agente Secreto é basicamente o reflexo da violência e repressão dos militares e da polícia contra pessoas que faziam sexo em parques, fumavam erva, ou contra a comunidade LGBT e quem tivesse cabelo comprido.”
Algumas conclusões de O Agente Secreto

Por fim, queria apenas deixar algumas notas finais. Em primeiro lugar, elogiar o argumento e montagem do filme – mais uma vez – porque elevam esta obra a uma qualidade sem precedentes. Depois, elogiar o ator Wagner Moura que, numa interpretação sem grandes emoções e (aparentemente) leve, consegue dar-nos vários sentimentos da personagem de forma muito mais íntima e subjetiva. Não é preciso voltar ser o mítico e vincado Pablo Escobar quando se pode ser um Marcelo magoado interiormente. Com poucas palavras e gestos pode-se dizer muito. Por isso mesmo é que a relação de Marcelo com o filho é tão bonita e por isso mesmo é que o realizador escolheu Wagner Moura para também interpretar o filho de Marcelo em adulto.
Ainda a referir o facto de o filme trazer a referência do Carnaval para a narrativa. Além de ser um símbolo do Brasil, vai também ter um significado narrativo quando Marcelo tem um pesadelo.
O Agente Secreto
Conclusão
- “O Agente Secreto” é um neo-noir histórico passado em 1977 no Brasil. Embora a ação do filme decorra durante a ditadura militar, o realizador Kleber Mendonça Filho optou fazer referências ao regime apenas de forma implícita. Sente-se a atmosfera.
- Trata-se de um filme com um argumento e montagem muito bem conseguidas fazendo desta uma obra-prima de 2025 que, além disso, tem uma reconstituição histórica bastante detalhada.
- São quase 2h40 de filme que se veem sem sentir qualquer cansaço e onde não se sentem quaisquer cenas desnecessárias.
- Apenas não dou a classificação máxima ao filme devido aos momentos finais da narrativa principal do filme que, a certa altura, se torna (a meu ver) demasiado gráfica do ponto de vista da violência.

