O Último Azul © Cinevinay

O Efeito Oscar | Ninguém Pára o Cinema Brasileiro em 2025

A propósito da estreia de “Vitória”, com Fernanda Montenegro e aproveitando o embalo do Oscar de Melhor Filme Internacional para “Ainda Estou Aqui”, até que ponto pode funcionar o ‘efeito Oscar’. Pois há mais filmes brasileiros e mulheres-coragem, que estão a dar sinais de uma ‘re-retomada’ do cinema brasileiro, a nível internacional. Começou na Berlinale 2025, em fevereiro e prevê-se que continue no Festival de Cannes, em maio. Nos próximos tempos, ninguém vai parar o cinema brasileiro.

O Efeito Óscar 1: “O Último Azul” | Competição

Gabriel Mascaro (“Boi Neon”), regressou à Competição da Berlinale 2025, com “O Último Azul”, — ganhou o Urso de Prata/Grande Prémio do Júri, pode-se dizer um reflexo do efeito Oscar — insistindo no seu estilo visualmente envolvente e apresentou-nos uma distopia social, profundamente enraizada nas projeções de um Brasil no futuro próximo, centrado nas questões da terceira idade e do envelhecimento, um tema de alguma forma novo no cinema brasileiro; e também aqui o efeito Oscar pode ser transposto para uma mulher-coragem como protagonista. Tereza (Denise Weinberg), de 77 anos, viveu toda a sua vida numa pequena cidade industrializada na Amazónia, até que um dia recebeu uma ordem oficial do governo para mudar-se para uma colónia de idosos.

A colónia é uma área isolada onde os idosos são levados para ‘aproveitarem’ os seus últimos anos, libertando a geração mais jovem para se concentrar totalmente na produtividade e no crescimento económico. No entanto, Tereza recusa-se a aceitar esse destino imposto pelo Estado. Em vez disso, ela embarca numa viagem transformadora pelos rios e afluentes do Amazonas para realizar um último desejo — viajar de avião — antes que a sua liberdade lhe seja retirada.

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Trata-se de uma corajosa decisão que mudará para sempre o seu destino. O novo filme de Mascaro, é um a espécie de “boatmovie”, construído através desta mulher forte e determinada, que enceta uma incrível viagem de libertação, através de deslumbrantes cenários naturais da Amazónia, com diálogos marcados por um fino humor e belas cenas com rituais místicos, inspirados no realismo fantástico latino-americano.

Denise Weinberg, que teve curiosamente um pequeno papel em “Linha de Passe” (2008), de Walter Salles — é também bastante conhecida pelos seus excelentes trabalhos no teatro brasileiro — faz em “O Último Azul” uma interpretação notável, ao dar vida a todas as particularidades da forte personalidade de Tereza, uma figura absolutamente adorável. A mulher, no seu périplo amazónico vê-se ainda rodeada de personagens (papéis secundários aliás muito bem caracterizados), que possuem histórias incríveis, que por si só davam um outro filme: Cadu (interpretado por um Rodrigo Santoro, quase irreconhecível), no papel de um barqueiro apaixonado, que lhe dá a conhecer os poderes mágicos de um líquido azul derivado da baba de um estranho caracol; e Roberta (a atriz cubana Miriam Socarrás), uma vendedora de Bíblias digitais, que finalmente vai proporcionar a Tereza, uma nova perspetiva de vida e liberdade.

O Último Azul
Denise Weinberg. ©Guillermo Garza (Desvia)/Divulgação.

O Efeito Óscar 2: “A Melhor Mãe do Mundo” | Berlinale Speciale

A realizadora Anna Muylaert (“Mãe Há Só Uma”) regressou também este ano à Berlinale Speciale (portanto fora da competição) com “A Melhor Mãe do Mundo”, mais uma vez um filme sobre a maternidade — aliás como nos seus dois últimos — mas vista agora como ato de resistência contra a violência machista e mostrando-nos a luta de Gal, uma verdadeira mãe-coragem. Apesar não ter estado a concurso é daqueles filmes também sobre o efeito Oscar, centrado nessa mulher determinada e imaginativa.

Numa tentativa de escapar ao marido abusivo (Seu Jorge), a forte Gal (Shirley Cruz), uma coletora de lixo e papelão, retira os seus dois filhos pequenos, Rihanna e Benin, de casa e puxando à mão o seu carro de recolha, atravessa São Paulo, para se refugiar em casa da prima. Enquanto enfrenta os perigos e o caos das ruas da grande metrópole, a ‘super-mãe’, vai garantindo às crianças que em vez de estarem a fugir, estão a embarcar numa emocionante aventura. Ao chegarem, são recebidos calorosamente pelos familiares, que lhes proporcionam uns breves momentos de alívio. No entanto, o que à partida parece ser um porto seguro, depressa se revela uma armadilha.

Gal rapidamente percebe que não só a sua própria segurança está em jogo, mas também o futuro dos seus filhos. Em “A Melhor Mãe do Mundo”, Muylaert constrói uma narrativa credível, onde a realidade é suficiente para revelar a desigualdade e a violência de género no Brasil. “A Melhor Mãe do Mundo” mostra de facto a maternidade como um ato de resistência, mas contra um sistema que condena milhares de mulheres a condições precárias e violentas, em que vive uma grande maioria, num país profundamente machista. Sem concessões melodramáticas ou reviravoltas forçadas, o filme expõe-nos esse ciclo de violência e falta de apoio institucional, confrontando a sociedade com uma realidade que prefere ignorar, por comodidade ou egoísmo. A história não oferece respostas fáceis, mas demonstra a urgência de criar mudanças estruturais na sociedade brasileira, que permitam a milhares de mulheres escaparem à violência doméstica, sem ficarem presas a um sistema que lhes vira as costas.

O Efeito Oscar
Seu Jorge e Shirley Cruz em “A Melhor Mãe do Mundo”. © Aline Arruda

O Efeito Óscar 3: “A Natureza das Coisas Invisíveis” | (Generation Kplus)

Aqui também há várias mulheres e meninas com muita coragem. Durante as férias de verão, duas meninas Gloria (Laura Brandão) e Sofia (Serena), de dez anos, encontram-se no hospital e tornam-se amigas. Esta é a premissa de “A Natureza das Coisas Invisíveis”, a primeira longa-metragem da cineasta Rafaela Camelo e mais um dos representantes do cinema brasileiro na Berlinale. Desta feita, estreou e curiosamente até foi o filme de abertura da secção Generation, uma mostra dedicada ao público jovem, repleta de filmes que não tomam as crianças por mais ingénuas que sejam, em espectadores passivos.

O filme dificilmente poderia ter encontrado um cenário mais criterioso, pois o seu valor, reside precisamente no facto de ser, em parte, dirigido a um público da mesma idade das suas protagonistas (cerca de dez anos), ao mesmo tempo que evoca em primeiro lugar, assunto mais sério da vida: a morte. São férias de verão e Glória, de dez anos, acompanha a mãe Antónia (Larissa Mauro), enfermeira, ao seu trabalho num hospital. Glória já conhece o local e muitas vezes explora-o sozinha. Um dia, conhece Sofia, também de dez anos, que está ali por causa da avó: Bisa Francisca (Aline Marta Maia), uma curandeira espiritual, que sofre de Alzheimer e que está hospitalizada por causa de um acidente em casa. Sofia e a mãe Simone (Camila Márdila) discordam sobre o que fazer com a Bisa.

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Simone insiste que esta, por enquanto deve ficar no hospital; Sofia deseja que a avó regresse à casa da família no campo. Enquanto Glória e Sofia sonham em deixar o hospital, as suas mães – ambas mães solteiras – criam rapidamente um laço de confiança e de apoio mútuo, naquela sensível situação. O ciclo de morte e renascimento tem um significado profundo para Glória, Sofia, Antónia e Simone. Quando se aproxima a partida de Bisa, Antónia assume os seus cuidados paliativos, numa viagem até à aldeia das origens da outra família. No campo, vão encontrar uma comunidade à espera de Bisa, pronta para rezar pelas almas errantes, para que estas possam seguir em frente. Tudo começa com uma imagem que dá o mote ao filme: o sol a filtrar-se pelos ramos de uma árvore. E o filme tem como que os olhos virados para o céu como os das duas crianças, testemunhando uma doçura envolvente e uma beleza rara das coisas invisíveis. A primeira parte da história passa-se inteiramente num hospital público.

Efectivamente, um lugar estranho para duas crianças se encontrarem, durante umas férias de verão, mas é esse sobretudo, o dia-a-dia de Glória, cuja mãe é uma enfermeira muito empenhada, mas que não tem onde a deixar. Aí cruzam o caminho de Sofia, cuja avó está muito doente. Unidas menos pela ansiedade do que pela curiosidade e pela fantasia das suas visões infantis, muito próprias das coisas, as duas meninas, vão aprender juntas, a conviver com a morte. Contudo, a aprendizagem será feita sem traumas, de uma forma especialmente calorosa e sensível, com canções ou com histórias tradicionais contadas com gosto pelos idosos da aldeia, encantados por terem este público jovem, a escutá-los.

Talvez uma parte dos espectadores possam não apreciar muito estes ângulos demasiado arredondados sobre a vida, a existência e a morte, que por vezes ultrapassam também o simples quadro da credibilidade adulta, além da música de acompanhamento, que é tão suave e infantil, que paradoxalmente acaba por tornar-se um pouquinho irritante. Provavelmente serão mais sensíveis aos detalhes bastante surreais da segunda parte do filme, que centra-se mais na transmissão da cultura local (outra vez o realismo fantástico), entre diferentes gerações de mulheres, e onde a identidade trans da pequena Sofia (Serena), acaba sendo evocada com uma inteligência discreta e subtil.

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Duas meninas Gloria (Laura Brandão) e Sofia (Serena), de dez anos encontram-se no hospital. ©Rafaela Camelo

O Efeito Óscar 4: “Hora do Recreio” | (Generation 14+)

Aqui a coragem é de homens e mulheres, os professores do ensino público, que encontram cada vez maiores dificuldades para exercerem a sua nobre profissão, bem como os alunos e as suas dificuldades, provenientes do terrível meio social onde vivem e das enormes desigualdades. O novo filme da veterana cineasta Lucia Murat (“Praça Paris”), intitulado “Hora do Recreio”, foi outra das obras do cinema brasileiro que estreou na mesma secção Generation, (mas num segmento dedicado aos adolescentes com mais de 14 anos, mais uma vez mais ou menos da mesma idade que os protagonistas) da Berlinale.

O filme, curiosamente tem uma abordagem documental e ficcional em simultâneo, sobre a questão da educação e do ensino no Brasil, algo de bastante ‘inflacionado’ no país e que me recorde muito pouco se tem abordado no cinema brasileiro. O filme foi rodado em escolas representativas de diferentes bairros e comunidades (uma maneira simpática de chamar aquilo que na realidade são as favelas), do Rio de Janeiro. A parte documental foi desenvolvida a partir de debates em plena sala de aula entre alunos e professores; acontecimentos que ocorreram durante as filmagens, como uma operação policial, que também acabou por ser incluída no filme.

O ponto de partida para este projeto foi efectivamente, um inquérito junto de professores que trabalham no ensino público, mas são sobretudo os alunos que têm a voz: falam sobre problemas que os afetam na escola e na sociedade em geral, a violência, o racismo e o femicídio, e teatralmente, até recriam situações que vivenciaram, durante as operações policiais e tiroteios com grande violência, que são o dia-a-dia das favelas cariocas. Em outra escola, os alunos estão a trabalhar numa adaptação dramática do romance “Clara dos Anjos”, de Lima Barreto, uma obra escrita no início do século XX e que retrata o abuso de uma menina negra e miserável, na época. Recorrendo ao texto, os alunos comparam a história com as suas próprias experiências e os problemas que estão a enfrentar na sociedade atual.

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“Hora do Recreio”, da cineasta Lucia Murat é sobre a escola. ©Lucia Murat

O Efeito Óscar 5: “O Agente Secreto” | (Competição?)

Sabemos muito pouco sobre “O Agente Secreto”, o novo filme de Kleber Mendonça Filho (“Aquarius” e “Bacurau”), o cineasta pernambucano e ex-crítico de cinema que tem sido nos últimos anos, uma verdadeira surpresa e nos tem contemplado com alguns dos melhores filmes do cinema brasileiro da atualidade, além do extraordinário documentário “Retratos Fantasmas” (2023). As filmagens, realizadas entre o Recife e São Paulo, não terminaram há muito tempo.

Kleber Mendonça Filho encerrou-as praticamente dias antes de partir para a Itália, onde integrou o júri do Festival de Veneza 2024 e a partir daí atirou-se à montagem, para estar proto para Cannes, onde é aliás muito apreciado. O elenco de protagonistas é simplesmente de luxo: Wagner Moura (“Tropa de Elite” e realizador de “Marighella”), Gabriel Leone (“Senna”) e Maria Fernanda Cândido (“A Paixão Segundo G. H.”). Escrito pelo próprio Kleber Mendonça Filho, “O Agente Secreto”, passa-se no Brasil de 1977 onde Marcelo (Wagner Moura), um homem com os seus 40 anos de idade, que trabalha como professor especializado em tecnologia, sai da movimentada cidade de São Paulo e vai para Recife, tentando fugir do seu passado violento e misterioso, com a intenção de começar uma nova vida.

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Chegando ao Recife, em plena semana do Carnaval, logo a paz e a calmaria da cidade vão-se esvaindo, e com o decorrer do tempo apercebe-se que atraiu para si o caos do qual ele sempre quis fugir. Para piorar a situação, além de estar sendo espiado, pelos seus vizinhos, a cidade que achou que o acolheria, ficou muito longe de ser o seu refúgio. O filme “O Agente Secreto”, está indicado praticamente em todas as listas de rumores sobre os possíveis integrantes da Selecção Oficial do Festival de Cannes 2025 e candidato à Palma de Ouro, além de estar previsto para chegar aos cinemas ainda este ano. É um dos filmes brasileiros mais aguardados da temporada e daqueles que mais se espera que funcione o efeito Oscar.

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O realizador, a produtora e Wagner Moura, de “O Agente Secreto”. ©Kléber Mendonça Filho

O Efeito Óscar 6: “Rosebush Pruning” | Competição, Fora da Competição ou  na fila para o Festival de Veneza?)

Karim Aïnouz, não pára mesmo e tem mais um filme, “Rosebush Pruning”, prestes a estrear e à partida também no Festival de Cannes 2025. Embora em relação a este haja ainda algumas dúvidas se será apresentado para já ou ficará para Veneza, onde ainda continuará a funcionar o efeito Oscar. Trata-se da segunda longa-metragem internacional do cineasta brasileiro, mais uma rodada em inglês, depois de “Firebrand-O Jogo da Rainha”, com Jude Law e Alicia Vikander, lançado em 2023.

Poucas semanas após lançar também o seu filme brasileiro “Motel Destino” (2024), o seu trabalho mais recente, Karim Aïnouz iniciou imediatamente na Espanha, a rodagem desta produção internacional, “Rosebush Pruning”, um thriller, sobre uma família que vive numa propriedade rural e luta contra um certo tipo de doenças genéticas. Num retrato bastante íntimo, um drama pessoal vai desenvolver-se entre os vários membros da família e provocar o caos. ‘Estou muito animado para dar vida a este argumento audacioso e instigante que desafia as nossas noções de família tradicional e de patriarcado, com este brilhante elenco de actores que admiro há muito tempo’, confessava o realizador no momento de iniciar as filmagens.

“Rosebush Pruning” estava para ser protagonizado (e chegou mesmo a ser anunciado) por Kristen Stewart (“Love Lies Bleeding”) e Josh O’Connor (“Challengers”), mas a dupla central do filme, acabaria por ser substituída por Riley Keough (“Daisy Jones & The Six”) e Callum Turner (“Animais Fantásticos: Os Segredos de Dumbledore”). Elle Fanning (“Un Complet Unknow”), continua no elenco que conta ainda com Jamie Bell (“Todos Nós Desconhecidos”), Lukas Gage (“The White Lotus”), Tracy Letts (“Lady Bird: A Hora de Voar”), Elena Anaya (“A Pele que Habito”); e mais um regresso da recém-nomeada para o Oscar de Melhor Actriz: Pamela Anderson (“The Last Showgirl”). O argumento de “Rosebush Pruning”, é assinado por Efthimis Filippou, que é conhecido por trabalhar em praticamente todos os filmes do realizador Yorgos Lanthimos, incluído os mais recentementes, “Pobre Criaturas” (2023) e “Retratos de Bondade” (2024).

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