Alan Rickman sentia-se frustrado com os filmes Harry Potter

Apesar do seu amor e respeito para com a saga literária “Harry Potter”, Alan Rickman nem sempre foi feliz no seu trabalho como Severus Snape nas adaptações ao grande ecrã.

Severus Snape é, de longe, a personagem mais complexa que J.K. Rowling escreveu para o universo Harry Potter. As cataclísmicas reviravoltas no modo como o leitor vê vilania ou heroísmo nas ações, consoante a informação sabida pelo protagonista titular, são um bom exemplo da complicada história e conceção de Snape, mas a sua complexidade e natureza desafiante não se ficam por aí. Por exemplo, mesmo depois de sabermos do heroísmo de Snape em tempos de guerra e do abuso psicológico que ele sofreu enquanto jovem, é difícil não questionar a benignidade do seu caráter vingativo, mesquinho e declarativamente cruel para com as pessoas que o enfurecem, incluindo os seus pupilos. Afinal, pode um herói ser má pessoa?

Enfim, por muito complicada e contraditória que a caracterização deste Mestre de Poções e membro da Ordem da Fénix, a sua personagem é sempre fascinante. Alan Rickman, quando interpretou Snape no grande ecrã, fez justiça a esse caráter fascinante e até magnético. O ator foi mesmo a escolha de J.K. Rowling para o papel, mesmo que a sua idade fosse muito maior que a de Snape na página, e a autora chegou a revelar-lhe elementos da narrativa Harry Potter que, no começo das filmagens, só mesmo ela sabia.

O processo de transposição dos livros para o grande ecrã nem sempre foi fácil ou sem conflito, no entanto. É exatamente isso que é revelado nas cartas e outros documentos privados de Alan Rickman que, após a sua morte em janeiro de 2016, foram comprados pela Neil Pearson Rare Books e estão a ser agora divulgados. Numa das cartas, por exemplo, o produtor David Heyman agradece a contribuição do ator para o sucesso de “Harry Potter e a Câmara dos Segredos”, admitindo que, apesar das frustrações do ator, ele era brilhante e uma parte integral dos filmes.

A relação profissional de Alan Rickman com o realizador dos últimos quatro filmes da saga Harry Potter terá sido particularmente difícil. Aquando das filmagens de “Harry Potter e o Príncipe Misterioso”, o sexto capítulo da série, o ator escreveu uma nota intitulada “Dentro da Cabeça de Severus Snape”, onde exprime frustração para com o trabalho do realizador e o modo como este lida com as suas preocupações enquanto intérprete. Nas palavras de Alan Rickman, “(…) É como se David Yates tivesse decidido que isto não é importante no grande esquema das coisas, por outras palavras o apelo à audiência adolescente.”

Apesar de tudo isso, nem todas as cartas de Alan Rickman ou suas notas pessoais demonstram frustração para com a adaptação da sua personagem literária no cinema. É fácil perceber, por exemplo, que o ator desenvolveu uma relação de amizade com Daniel Radcliffe, a quem recomendou livros, e J.K. Rowling. Também documentos referentes a outros projetos, demonstram a admiração que outras celebridades tinham pelo trabalho de Rickman, nomeadamente Kate Winslet e Nicole Kidman.

Uma coisa é certa, o trabalho de Rickman como Severus Snape é exemplar, e, como seu último grande papel, esta é uma personagem e uma interpretação grandiosas e destinadas a imortalizar para sempre o legado do ator.