All Shall Be Well, a Crítica | Drama premiado na Berlinale chega ao Queer Lisboa
“All Shall Be Well”, filme premiado no Panorama da Berlinale, passou pelo Queer Lisboa em 2024, onde integrou a competição de longas-metragens. Trata-se de uma obra munida de uma grande quietude, feita de laços de ternura, e de uma resistência silenciosa mas firme por parte de uma protagonista amordaçada pelo peso dos valores tradicionais e das circunstâncias sócio-económicas.
Recipiente do Teddy Award em 2024, prémio atribuído a filmes com temática Queer na Berlinale, e também um dos finalistas do Prémio do Público Panorama, “All Shall Be Well” é uma obra com enorme sensibilidade, com pertinência selecionada para este certame, não obstante o facto de pecar, por vezes, por uma falta de subtileza nos seus diálogos.
É-nos apresentada a história de Angie (Patra AU Ga Man) e Pat (Maggie LI Lin Lin). As duas partilham uma casa e uma vida em Hong Kong há várias décadas, e o seu romance move-se com paz e serenidade rumo à terceira idade. Já a família de Pat parece ter abraçado Angie da forma mais plena, não obstante o casamento entre pessoas do mesmo género não estar consagrado em lei, e desta se tratar ainda de uma sociedade algo fechada (‘Queer friendly’ para o território asiático onde se insere, mas ainda muito aquém).
Um romance de terceira idade que deixa mazelas neste Queer Lisboa
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À primeira vista, quando a sua parceria cúmplice e bela nos é apresentada, tudo parece harmónico e incontestável. Ray Yeung (“Rapazes de Sonho, “Front Cover”), argumentista e realizador deste “Cong jin yihou”, faz um excelente trabalho na apresentação de uma inicial imagem perfeita, que nos enternece e conforta. É também engenhoso ao mostrar-nos o que acontece quando Pat morre de forma inesperada, com a fundação da vida familiar de Angie a entrar em colapso passo a passo.
Da escolha do enterro – crematório ou gaveta – passando por inúmeras outras decisões que envolvem a despedida de Pat, o núcleo familiar vai fechando o círculo a Angie, alguém que haviam antes tratado com tamanha paridade. A nossa protagonista sofre estoicamente em silêncio até ao limite das suas capacidades e é a partir do seu tumulto interno que surge a alma deste “All Shall Be Well”.
Quando as microagressões (que são na realidade agressões bem reais, cruéis ataques à experiência queer de Angie) dão lugar a uma batalha legal pelo apartamento, Angie nunca deixa de ser firme, mas procura honrar também a vida familiar que tanto significado teve ao longo das últimas quatro décadas.
Meandros legais e a tirania não intencional dos nítidos malfeitores de All Shall Be Well
É esta ambiguidade que torna “All Shall Be Well” rico. Angie ama a família de Pat, a sua família também (claro está), e não quer fazer deles vilões, nem sequer quando estes ameaçam retirar-lhe a casa que é sua de direito, a casa onde construiu uma relação, uma carreira, uma vida a dois com a sua parceira.
A questão do poder da classe é muito clara ao longo de todo o filme. Angie e Pat construíram uma vida muito boa, mas infelizmente Pat não deixou testamento, o par não era casado e os bens estavam no nome da falecida. Tal cria um imbróglio legal lamentável (desfavorável, muito desfavorável para um casal queer). Mas o que o filme nos diz, de forma muito clara, é que a disputa não é apenas motivada pela tirania heteronormativa da família de Pat.
Pois a vida excelente de Angie e Pat não tem equivalente na vida dos familiares sobreviventes de Pat, do seu irmão aos seus sobrinhos, todos eles a lidar com uma crise de sobre-população muito grave em Hong Kong e a viver, com as suas crianças, em condições impróprias.
Um argumento de Ray Yeung onde as ideias precisavam de respirar
O trajeto que fazemos com Angie é um de profunda mágoa, dúvida, incerteza – e a nossa empatia pela protagonista é avassaladora.
É apenas lamentável que este filme tão emocionalmente apto seja também tão transparente. Nenhuma destas situações é transmitida de forma minimamente subtil. O texto diz-nos minuto após minuto o que pensa Angie, o que a sua comunidade de apoio tem a dizer, e o que vai também na mente da família de Pat, e de todo e qualquer interveniente da obra. O que significa tudo isto no âmbito do contexto sócio-económico e a forma como Angie tenta medir os seus atos em honra da memória da sua amada.
No final, ambicionamos maior subtileza, é verdade; mas a emoção nunca se esvazia e saudamos esta história de amor queer centrada na partilha de uma vida, na chegada à terceira idade e nos cruéis obstáculos que o mundo está sempre disposto a apresentar. Ponderamos também uma vivência onde todos tenham verdadeira igualdade de direitos civis, um mundo que ainda parece uma utopia no aqui e agora.
Trailer | All Shall Be Well competiu no Queer Lisboa ’24
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All Shall Be Well, a Crítica
Movie title: All Shall Be Well
Movie description: Angie e Pat são um casal. Moram juntas em Hong Kong há mais de quatro décadas. Após a morte inesperada de Pat, Angie fica à mercê da família da sua companheira, enquanto luta para manter a sua dignidade e a casa que as duas compartilharam por mais de trinta anos.
Date published: 2 de October de 2024
Country: Hong Kong
Duration: 93'
Author: Ray Yeung
Director(s): Ray Yeung
Actor(s): Patra AU Ga Man, Maggie LI Lin Lin, Tai Bo
Genre: Drama, Queer
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Maggie Silva - 73
Conclusão
“All Shall Be Well” é um filme contido, tenro, regrado, ancorado numa prestação central muito poderosa por parte de Patra AU Ga Man. O que lhe falta em subtileza compensa em emotividade, defesa dos direitos humanos plenos e, consequentemente, em intenções bem nobres.