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74ª Berlinale | O Urso de Ouro foi para Dahomey, de Mati Diop

“Dahomey” da realizadora franco-senegalesa Mati Diop foi o filme vencedor do Urso de Ouro da 74ª Berlinale. É um ano em que os programadores cessantes, não têm grandes motivos para se orgulharem da qualidade da Competição Principal e os prémios ou os Ursos, talvez reflitam isso mesmo. 

De qualquer modo, não constitui uma grande surpresa que “Dahomey”, da realizadora franco-senegalesa Mati Diop (“Atlantique”), fosse o vencedor do Urso de Ouro 2024, dada não só a composição do júri presidido pela atriz de origem quénio-mexicana Lupita Nyong’o, quer da sempre componente política da Berlinale, ao longo das suas 74 edições. De qualquer modo, em termos de qualidade, esta não é uma edição que os programadores cessantes Mariëtte Rissenbeek e Carlo Chatrian se possam orgulhar e de facto a distribuição dos prémios reflete isso mesmo. Quanto a “Dahomey”, trata-se de um híbrido entre o documentário observacional e a reconstituição de uma situação com atores-estudantes, sobre as “feridas” da colonização francesa da África.

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O filme conta a história de artefactos reais roubados pelas tropas coloniais francesas em 1892, que foram enviados de volta em 2021 para o que hoje é a República do Benin. Aliás, uma questão que também tem sido colocada em Portugal em relação às nossas antigas colónias. “Dahomey”, segue em primeiro lugar a operação de devolução, realizada em Novembro de 2021, dos 26 tesouros reais do Reino do Daomé, que estavam depositados no Museu do Quai Branly (ou Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas), em Paris, e que regressam à atual República do Benin. Começa longe da pompa e grandeza daquele reino rico e guerreiro, nas caves do Museu parisiense onde câmaras CCTV olham para corredores vazios, com paredes nuas e sem janelas. É aqui que vários desses artefactos, começam a ser embalados e prontos para transporte, incluindo uma estátua de madeira do Rei Gezo, que governou o Daomé em meados de 1800 e cuja pose parece a saudação do movimento Black Power.

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Os artefatos reais foram roubados pelas tropas coloniais francesas em 1892.© Les Films du Bal – Fanta Sy

Todo o cuidado é pouco para não danificar a peça. Depois surgem momentos mais observacionais, como um desfile que saúda a chegada dos artefactos que retornam ao país ou os comentários de curador beninense que cataloga a carga. Porém o mais interessante é quando o filme questiona até que ponto faz sentido, devolver esse património do passado, a um país que de qualquer maneira, teve de avançar e desenvolver-se na sua ausência? E isto é feito, através de um acirrado debate entre os estudantes africanos da Universidade de Abomey-Calavi, uma das maiores universidades públicas do país africano.

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É esta secção final do filme, esta discussão em estilo de debate universitário realizada num grande salão que foi claramente, encenada por Diop, mas que se desenrola com uma impressionante autenticidade, dando-nos a conhecer muitas das visões contrastantes, sobre as questões que esse ato aparentemente insignificante, mas crucial, de restituição traz à tona, para as teorias neo-colonialistas e como soam como ecos modernos do politicamente correto de reparação dos danos aos povos vitimas do colonialismo europeu, neste caso em África. Há uma possibilidade deste filme utilizar esta oportunidade, para se transformar numa simples ferramenta promocional, procurando encorajar as potências pós-coloniais a embarcarem em programas de reparação maiores e mais completos em relação aos novos países.




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Porém “Dahomey” é muito mais do que esse filme de propaganda, proporcionando antes demais, uma maior ambivalência sobre se será possível, uma reparação real e justa ou apenas uma espécie de ideia ou de construção lírica e utópica, sobre como seria se assim fosse possível depois de muitos anos reparar os danos aos países colonizados. Quanto ao restantes prémios foram também verdadeiros tiros ao lado: Grande Prémio do Júri, atribuído a “Traveler’s Needs”, um filme banal do realizador coreano Hong Sangsoo com um drama alegre protagonizado por Isabelle Huppert como uma mulher que se torna professora de francês, para duas mulheres coreanas depois de se ver sem dinheiro ou meios de sustento na Coreia do Sul; o Prémio do Júri foi para o disparatado “L’Empire”, do francês Bruno Dumont, protagonizado entre outros por Anamaria Vartolomei e Fabrice Luchini, um filme localizado numa vila de pescadores na Costa Opal, no norte da França, que conta a história de uma criança única e peculiar que desencadeia uma guerra secreta entre forças extraterrestres do bem e do mal. Um gozo intelectual à saga Guerra das Estrelas.

74ª Berlinale
Tabela de Estrelas da Competição da 74ª Berlinale. Emcolaboração com Cinema Sétima Arte

O Prémio de Melhor Realizador foi para o dominicano Nelson Carlo De Los Santos Arias com o filme experimental “Pepe”, a história de um jovem hipopótamo morto na selva colombiana que regressa como um fantasma atormentado e atormentador. Quanto aos Prémios de Interpretação: o de Interpretação Principal foi para Sebastian Stan em “A Different Man”, um filme do norte-americano Aaron Schimberg, num papel interessante — mas longe de ser o melhor entre os filmes da Competição — de um ator com neurofibromatose, que passa por uma transformação física inicial graças a um tratamento radical, apenas para descobrir que a vida não se vai tornar, por isso, necessariamente mais fácil no seu futuro pessoal e profissional; a Secundária foi para a atriz britânica Emily Watson em “Small Things Like These”, de Tim Mielants, o filme de abertura da Berlinale 74, protagonizado por Cilliam Murphy, e com a experiente atriz no papel de uma prepotente e dura Madre Superiora de um convento da repressiva e obscura Irmandade das Lavanderias Madalena da Irlanda, nos anos 80 do século passado.

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VÊ TRAILER DE “THE DEVIL’S BATH”

O Urso de Prata de Melhor Argumento foi efetivamente para uma dos melhores filmes da Competição Internacional: o filme alemão “Sterben” (“Dying”), de Matthias Glasner sobre uma família que vive bastante afastada, na distância e nos afetos: o filho é interpretado pelo fabuloso Lars Eidinger, no papel de um maestro que trabalha numa composição chamada ‘Dying’, enquanto sua irmã é alcoólatra. Quando a morte lhes aparece à porta, os membros desta família parecem então, encontrarem-se novamente.

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Para terminar os Ursos de Prata da Competição Internacional, o Prémio de Melhor Contribuição Artística foi atribuído ao diretor de fotografia Martin Gschlacht, pelo seu trabalho no filme austríaco “Des Teufels Bad” (“The Devil’s Bath”), de Veronika Franz & Severin Fiala, um drama histórico de terror ou um thriller psicológico, que dá voz às camponesas que eram invisíveis e inaudíveis na Alta Áustria de 1750 e que retrata a sua dura vida quotidiana, definida por dogmas religiosos e tabus cujo impacto ainda hoje é sentido.

JVM

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