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Opinião | ‘Allen v. Farrow’: Um Negócio de Família

’Allen vs. Farrow’, de Amy Ziering e Kirby Dick e da jornalista Amy Herdy, a série documental da HBO, é considerada um profunda e explosiva investigação, mas não traz praticamente nada de novo, a não ser as já conhecidas, disputas familiares e muita ‘lavagem de roupa suja’.

Já vi a todos os quatro episódio da série ‘Allen v. Farrow, de Amy Ziering e Kirby Dick (‘On The Record’, ‘The Hunting Ground’ e ‘The Invisible War’) realizadores de alguns dos documentários mais incisivos da década sobre agressão sexual e as culturas que permitem e incentivam essa prática. O documentário que teve a colaboração da jornalista  de investigação Amy Herdy, foi para mim uma profunda desilusão, apesar do tom ao estilo thriller, porque o que é dito não anda muito longe do que já foi publicado até nas revistas de gossip portuguesas. Parece-me, efectivamente ‘uma tremenda lavagem de roupa-suja de uma família da ‘upper class nova-iorquina’, usando as palavras de um post do meu amigo João Salvado (realizador e jornalista), à mistura com os traumas da velha e problemática ‘aristocracia falida de Hollywood’ — Mia é filha do realizador John Farrow e de Maureen O’Hara.

VÊ TRAILER DE ‘ALLEN V. FARROW’

É condenável qualquer caso de abuso sexual, mas esta questão familiar de ‘Allen vs. Farrow’ que se arrasta há quase duas décadas, parece-me que mete muito dinheiro em jogo, muita dor-de-corno, traições conjugais, e sobretudo muitos desequilíbrios emocionais e disfunções familiares, dos protagonistas. Parece vir ao de cima, o que se chama o lado mais negro de Hollywood: uma explosiva combinação de talentos, vaidades, com muito álcool e drogas à mistura e ainda de abusos sexuais, entre maridos e mulheres, pais e filhos (as), enfim muita hipocrisia. A própria Mia Farrow disse ela própria, não foi imune a casos de abuso sexual e violência, de um pai profundamente alcoólico, que levou à separação do casal Farrow-O’Hara.

Dylan Farrow
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Para aquilo que é considerado uma profunda e explosiva investigação, ‘Allen v. Farrow’, não traz praticamente nada de novo do que já sabíamos, mesmo incluindo os telefonemas, entre Allen e Farrow, gravados traiçoeiramente pelos dois, — um ao outro —, a comovente entrevista de Dylan Farrow já adulta, agora advogada, escritora e mãe de filho; ou as tais imagens gravadas por Mia, quando aos sete anos a filha lhe diz que o pai, lhe pôs o dedo nas ‘partes íntimas’, em troca de uma viagem a Paris para participar num filme dele. Quem numa situação destas se lembraria, antes de fazer qualquer outra coisa, pegar logo numa câmara e gravar um depoimento de uma criança vítima de uma agressão sexual pelo pai? Certo é, que quem já passou por complicadas situações de divórcio e separações com filhos, sabe que há uma certa tendência, para os progenitores colocarem, as crianças um contra ou outro. As crianças tornam-se, massa de manobra, pelos pais. E esta situação era muito particular, porque Mia Farrow foi trocada pela própria filha Soon-Yi. 

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Mia Farrow
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Em ‘Allen vs. Farrow’, sente-se a falta sobretudo do contraditório, — jornalisticamente falando, este documentário deveria se intitular, antes ‘Farrow v. Allen’, porque só estamos a ver uma perspectiva. Só faz sentido fazer um documentário de investigação, se ouvirmos igualmente os dois lados envolvidos! Há efectivamente muita manipulação e escolhas muito precisas de testemunhos (a cantora Carly Simon, amiga da família, o provedor Frank Maco, familiares, amigos, investigadores, especialistas) que nos procuram levar sempre para uma determinada direcção, óbvia e acusatória, como aliás também já acontecia (e senti o mesmo), no documentário ‘Leaving Neverland’, sobre Michael Jackson, também da HBO. Não basta dizer que do lado de Woody Allen, ninguém quiz prestar qualquer depoimento, de um caso que parecia encerrado juridicamente há 20 anos e que só veio a lume novamente na onda do #MeToo e de certo modo por vontade explícita, dos Farrow. Não meto as mãos no lume por ninguém, muito menos pelo Woody Allen — que obviamente continuarei a separar a obra do homem — mas também é conhecido, o profundamente instável percurso sentimental — da traumática genética já falei — da Mia Farrow: casou-se aos 21 anos com Frank Sinatra que tinha 50, — aliás com a mesma idade que aparentemente a filha Soon-Yi Previn, se envolveu com Woody Allen; para não falar das rocambolescas histórias com a família de André Previn, — entretanto falecido e que nunca se quis meter nesta disputa — que lhe deu guarida, e Mia Farrow acabou mesmo por ‘roubar’, o marido da sua amiga de infância Dory. Enfim, quem não têm telhados de vidro? Também não tiro o mérito a Mia Farrow, que com as suas inseguranças e contradições, conseguiu alimentar algumas das melhores personagens, em alguns dos mais brilhantes filmes — mantenho o meu fraquinho pela Diane Keaton — e um dos melhores momentos da carreira do Woody Allen, até precisamente ‘Maridos e Mulheres’ (1992). Há contudo que fazer uma reflexão, relativamente a tudo o que é exposto, em ‘Allen v. Farrow’? Qual é o objectivo desta série?

Allen v. Farrow
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Descobrir a verdade ou colocar-nos de um lado ou de outro de toda esta questão familiar? O que pretendem os Farrow, é que se faça uma retratação ou uma denúncia do acto que foi cometido?  A própria produção do documentário leva-nos ainda a ter mais dúvidas, até porque está muita gente a ganhar dinheiro, expondo e explorando, sentimentos, questões de paternidade, abuso sexual, incesto? Também é visível que a carreira e os rendimentos de Mia Farrow e da sua filha mais próxima Dylan, já tiveram melhores dias, — missões humanitárias não chegam para ganhar a vida — ao contrário de Woody Allen, que tem uma carreira cheia de sucessos e dinheiro. Mais estranha é a posição do famoso e premiado jornalista Ronan Farrow, — que segundo as palavras de Mia pode bem ser filho de Frank Sinatra, ‘o amor da sua vida’, com quem continuou a relacionar-se enquanto andava — nunca foram casados ou viveram na mesma casa — com Allen. A verdade é que o esfuziante rapaz Ronan é a ‘cara chapada’ do Sinatra, apesar de ser o único filho biológico de Allen.

Allen v. Farrow
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Na altura dos factos da acusação de abuso da irmã Dylan, Ronan era praticamente um bebé. Confuso não é? Quem tiver mais curiosidade em relação ao tema e quiser reflectir num contraditório, recomendo a leitura de ‘A Propósito de Nada’, o livro autobiográfico de Woody Allen; e ainda ‘A Son Speaks Out’, de Moses Farrow  — o filho dissidente — e o artigo ‘Momma Mia’, de Maurren Orth, publicado na Vanity Fair de 23 de outubro de 2013, ambos disponíveis na net. A realidade às vezes é bem mais interessante que a ficção, mas não é o caso desta série documental ‘Allen v. Farrow’: é pura exploração do óbvio e pura hipocrisia! Porém, remeto para uma simples declaração de Cate Blanchett, — que já trabalhou com Woody Allen, como aliás tantas outras estrelas da actualidade  — no final do documentário, quando lhe perguntam sobre o caso, responde: ‘Isso é um assunto de família, deixem ser eles a resolverem!’

JVM

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