Beef, primeira temporada em análise
A primeira e potencialmente única temporada de “Beef”, a nova série limitada da Netflix, chegou à plataforma a 6 de abril de 2023. Apelidada por vários críticos como uma das melhores de sempre no gigante de streaming, quais serão os fatores que tornam “Rixa”, da afamada A24, uma produção de qualidade?
Algures entre os reinos da comédia negra, do drama existencialista e insinuando-se também no drama familiar e no thriller, “Beef” é uma série com mudanças tonais dramáticas e que, ainda assim, consegue sempre ser perfeitamente coesa e deliciosa. Uma narrativa simples e um ponto de partida sem grandes pretensões levam-nos por uma viagem inesperada e que, à medida que avança ao longo de dez episódios, se vai tornando cada vez mais vertiginosa.
“Beef” é igualmente forte em todos os seus momentos, é forte quando mantém os seus protagonistas afastados, funcionando como dois lados distantes de um gigante íman que ameaça colidir, e é também forte quando, por fim, os aproxima. Algures entre o ódio e a apatia, entre a compreensão e o ressentimento, “Beef” é capaz de retratar as emoções mais extremas a partir das mais pequenas das altercações. No fim de contas, mostra-nos, de forma irreverente e invulgar, o que é ser humano na sociedade contemporânea em que vivemos.
Ancorado por dois episódios finais particularmente repletos de emoções fortes, “Rixa” é um verdadeiro “slow burner”, com sensações extremas num crescendo imperdível. Tudo começa com uma (aparentemente) inocente discussão de trânsito entre dois totais desconhecidos, habitantes de uma Los Angeles marcada por disparidades sócio-económicas. Ambos de origem asiática, ela, Amy Lau ( Ali Wong), de origem chinesa, e ele, Danny Cho (Steven Yeun), filho de pais coreanos. Amy e Danny nunca se cruzaram antes, vêm de extratos sociais bem distintos, mas partilham uma batalha – frustrações do dia-a-dia e um esforço imenso para construir um futuro mais risonho.
Uma breve e insignificante discussão num parque de estacionamento, motivado por uma buzinadela por parte de Amy, é o mote para uma rixa de proporções épicas, a qual, no fundo, tem muito pouco a ver com trânsito e muito mais a ver com expectativas frustradas e letargia quotidiana. Amy e Danny, a partir de um pequeno incidente no trânsito, marcam-se, um ao outro, como botes expiatórios para todas as suas frustrações.
E eis que, uma e outra vez, Amy, uma empreendedora com uma vida aparentemente idílica e Danny, um empreiteiro com um negócio mal parado e o sonho de trazer os pais de volta para os EUA, escolhem o caminho mais difícil e mais conflituoso. Depois da sua breve rixa no trânsito, “Beef” vai assumindo, cada vez mais, um ponto sem retorno, à medida que Danny e Amy se vão imiscuindo na vida um do outro, arrastando tudo e todos, nomeadamente as suas famílias, para este confronto tresloucado.
“Beef” escolhe nunca assumir um formato de previsibilidade, ao oscilar sempre de tom. Ora é uma comédia negra surreal, ora é um drama familiar verdadeiramente comovente. No seu âmago, é um inteligentíssimo estudo de personagens, capaz de traçar na perfeição a vida de dois sujeitos, a qual se entrelaça de uma forma inesperada e irreversível. Durante muito tempo, não sabemos bem como é que “Rixa” vai terminar. Algo é certo: queremos estar por perto e descobrir.
Extremamente ‘bingeable’, a série encontra-se a rebentar de talento pelas costuras. Mostra que Ali Wong é muito mais do que uma ‘simples’ comediante de stand-up e recorda-nos de que Steven Yeun, ator nomeado ao Óscar pelo drama “Minari”, é um verdadeiro camaleão da 7ª arte e mais além. Estas duas personagens centrais são suportadas por muitas outras caras asiáticas memoráveis, algumas delas recém-chegadas à cena. E embora seja um marco de representatividade, “Beef” nunca se faz sentir como uma história forçosamente asiática. As personagens ocupam os seus legítimos lugares, ocupando o seu espaço e as suas culturas, sem pedir licença.
Do ponto de vista cinematográfico, este revela-se como um esforço notável. Marcado pelos seus planos ousados, banda-sonora disruptiva, cenas inesperadas e cores variadas, “Beef” deslumbra-nos com os seus títulos de episódios sugestivos e as suas aberturas dramáticas. Um épico moderno, um estudo de personagens, uma reflexão sobre o vazio e azedume da sociedade do aqui e agora, uma irónica caricatura da cena artística contemporânea, “Beef” é tudo isto e muito mais.
BEEF – TRAILER | JÁ EM EXIBIÇÃO NA NETFLIX
Beef, em análise
Name: Beef
Description: "Rixa" segue o rescaldo de uma discussão de trânsito entre dois desconhecidos. Danny Cho (Steven Yeun), um empreiteiro nas lonas e zangado com o mundo, enfrenta Amy Lau (Ali Wong), uma empreendedora por mérito próprio com uma vida idílica. Nesta série de comédia negra profundamente comovente, a intensidade do conflito entre os dois arrasa-lhes as vidas e as relações pessoais.
Author: Maggie SIlva
-
Maggie Silva - 90
CONCLUSÃO
De Lee Sung Jin, “Rixa” é um épico moderno, um conto de advertência e uma visão algo cética acerca do absurdo que é viver no mundo contemporâneo. Entre sonhos gorados e expectativas por cumprir, “Beef” sabe fazer-nos torcer pelas suas personagens centrais, mesmo quando estas se recusam a optar pela atitude mais nobre, uma e outra vez.
Pros
As interpretações perfeitas e multifacetadas de Steven Yeun e Ali Wong e, evidentemente, a química entre os dois atores.
As situações improváveis e perfeitamente desenvolvidas, de forma a tornar todos os tons da história concordantes.
A acídica sátira ao quotidiano.
O excelente, senão perfeito, episódio final.
Cons
Poderíamos argumentar que o ritmo demora algo a descolar, mas e daí, esta escalada é essencial para o climax emocional da narrativa.
