Better Days, em análise | Melhor Filme Internacional
“Better Days” é uma acutilante história sobre bullying levado a violentos extremos. O filme é o representante de Hong Kong na corrida para o Óscar de Melhor Filme Internacional. A obra está entre os cinco nomeados da categoria.
O modo como uma história começa tem incomensurável importância. No caso de “Better Days” isso é especialmente verdade. Tudo tem início na sala de aula como tantos dos traumas retratados no filme têm, quando uma professora pergunta à turma qual a diferença entre “used to be” e “was”. Estamos numa escola de Hong Kong dos nossos dias, numa aula de inglês cuja pedagoga explica que, apesar do significado das expressões ser tecnicamente idêntico, tonalmente existe uma importante distinção. “Used to be” sugere uma perda, a melancolia de algo que já não existe.
“This used to be our playground” diz a professora, dizendo uma frase que, para ela, saberá certamente a mentira. Esta mulher, Chen Nian, não tem nenhuma melancolia nostálgica sobre os seus dias no recreio escolar. “Better Days”, adaptado de um romance para jovens adultos de Jiuyue Xi, centra-se na tortuosa juventude da protagonista. No secundário, Chen Nian foi vítima de monstruoso bullying pela parte dos seus colegas, uma realidade infeliz e muito comum no panorama académico de Hong Kong. De facto, a memória traumática que nos transporta da professora adulta para a estudante juvenil é o suicídio de uma amiga.
Essa jovem matou-se em pleno quotidiano escolar, um espetáculo sangrento que só emociona Chen Nian enquanto os outros colegas estão mais preocupados em documentar o horror com seus telemóveis. Para a nossa protagonista, há ainda uma vertente mais sinistra ao acontecimento. Não só ela se confronta com a dor do luto como se apercebe que, com sua amiga a sete palmos de terra, ela mesma é a próxima vítima dos colegas. Assim ela teme e assim acontece, cada nova humilhação mais violenta que aquela que a antecedeu.
Em pouco tempo, a situação torna-se intolerável e não há ninguém que a auxilie, nem autoridades escolares, nem a polícia, nem família. Ninguém. Muito disso se deve a questões culturais, muito é consequência de hierarquias socioeconómicas que o filme sugere sem nunca examinar a fundo. Mais importante para os cineastas é o desabrochar do romance enquanto salvação do inferno escolar. Certa noite, Chen Nian cruza-se com Xiao Bei, um jovem criminoso que é, de certa forma, tão maltratado pelos seus pares quanto a estudante.
Duas almas perdidas, eles forjam uma união de dor e mágoa, apoiando-se um ao outro neste mundo cruel que todos partilhamos. Há um certo trago de melodrama nestes desenvolvimentos narrativos, mas isso é balançado por um forte ímpeto de sinceridade emocional. Se “Better Days” é exagerado, fá-lo porque se identifica com as personagens e concebe todo seu cosmos audiovisual em torno dessas figuras. Por outras palavras, este é o tipo de história que um adolescente deprimido contaria sobre a sua experiência. Os extremos de violência e o arrebatador romance fazem todos parte dessa abordagem.
No que se refere à forma da fita, isso manifesta-se em grande expressividade fotográfica e sonora, montagem acutilante e composições que puxam a lágrima. Quando chove, em “Better Days”, as nuvens choram como divas numa ópera, os céus precipitando-se sobre a cidade em cortinas de água tão cristalina que parece polvilhar brilhantes sobre a imagem. Na mesma lógica, o advento da violência é desenhado com apaixonante emoção. Sangue e nódoas negras são mais um elemento da pintura romântica, elementos de desavergonhada manipulação sentimental. Noutras circunstâncias, isto seria demais, mas o exagero é parte essencial de “Better Days”.
Tal maximalismo necessita de uma poderosa âncora que ampare tudo com genuína humanidade. No caso de “Better Days”, essa âncora são os protagonistas, interpretados por Zhou Dongyu e Jackson Yee. Nos papéis de Chen e Xiao, estes atores dão tudo o que têm, modulando a miséria e a paixão com surpreendente elegância e até alguma contenção. A sua disciplina é formidável e combate muitas das fragilidades da obra, sublinhando a sinceridade do conto mesmo quando as reviravoltas chegam a píncaros tão dramáticos quanto absurdos. Não admira que a parelha tenha ganho tanto prémio dentro do circuito asiático. Zhou Dongyu até conquistou o Galo Doirado, o Óscar do cinema chinês, para Melhor Atriz. Foi uma honra merecida.
Better Days, em análise
Movie title: Better Days
Date published: 23 de March de 2021
Director(s): Derek Tsang
Actor(s): Zhou Dongyu, Jackson Yee, Fang Yin, Ye Zhou, Yue Wu, Jue Huang, Yifan Zhang, Yao Zhang, Xinyi Zhang, Runnan Zhao,
Genre: Crime , Drama, Família, 2019, 135 min
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Cláudio Alves - 65
CONCLUSÃO:
Entre colegas psicóticos e histórias de amor idiossincráticas, a vida da jovem Chen Nian dá origem a um robusto melodrama juvenil. “Better Days” não tem uma pinga de subtileza, mas isso parece estar em sintonia com as personagens principais, jovens atormentados cujas emoções estão sempre ao rubro.
O MELHOR: A prestação sentida de Zhou Dongyu.
O PIOR: O exagero da trama excede-se ocasionalmente. Uma morte perto do clímax é particularmente forçada, mais um ímpeto mecânico para o enredo que um desenvolvimento orgânico das personagens. Isso e as personagens policiais são totalmente supérfluas.
CA
