"Blackbird - A Despedida" | © NOS Audiovisuais

Blackbird – A Despedida, em análise

Blackbird – A Despedida” é o remake americano de um drama dinamarquês sobre uma família a confrontar a morte iminente da sua matriarca. Susan Sarandon, Kate Winslet e Mia Wasikowska encabeçam um elenco de luxo.

 Desde que nascemos que estamos a morrer. A vida é um cronómetro, só que, para alguns, a contagem é mais curta que outras. Para alguns, é mais tortuosa que para outros. Há quem precise de parar o cronómetro. Em “Blackbird – A Despedida”, Lily, a matriarca de uma família americana tem cancro terminal e decidiu por fim à vida antes que a doença lhe roube a paz, o corpo e a mente. Seu marido, Paul, é um médico e juntamente com ele todo um plano de eutanásia foi elaborado. Na alvorada do fim, organiza-se um fim-de-semana familiar para se dizerem todos os adeuses.

Todas as reuniões familiares neste tipo de drama resultam em confusão, mas a premissa de “Blackbird” proporciona ainda mais que ressentimentos, dúvidas e sentimentos negros venham ao de cima. As principais fontes dessas tormentas emocionais, contudo, não são nem Lily nem o seu marido. São as filhas adultas do casal, mulheres que se distanciaram da família em tempos passados e agora sufocam com palavras nunca ditas presas na garganta. Jennifer, a mais velha, tem o espírito fermentado em cóleras antigas e um desejo desesperado por encontrar normalidade na situação atual. Anna, por seu lado, tenta compreender a mãe e enterrar bem fundo a dor que tudo lhe está a causar.

blackbird a despedida critica
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A estrutura do texto divide o drama em capítulos bem delineados de caos social dentro da esfera doméstica. O primeiro ato é um de convívio e introdução, uma chance para o espetador observar as dinâmicas interpessoais deste clã complicado. Rapidamente reparamos que Jennifer está a tentar culpar alguém, a tentar encontrar ordem, a recriminar a irmã mais nova por tudo e por nada. Até a ideia de dar um presente risonho à mãe, um motivo de divertimento mórbido para a senhora enferma, a tira do sério. Os dados estão lançados para o caos que se segue, num segundo ato em que segredos e mentiras são discutidas de soslaio, em conversas sussurradas e às escondidas dos demais.

Como numa peça de Agatha Christie tudo culmina num grande circo de revelações e monólogos vociferes. Ou será? Num dos elementos que adotou do filme dinamarquês original, “Blackbird – A Despedida” sabe quando pegar numa agulha e furar o balão crescente. Não revelaremos mais para evitar o spoiler, mas há mais maturidade, mais contenção, neste melodrama do que aquilo que algumas das suas passagens mais desajeitadas podem sugerir. Isso tanto beneficia como prejudica o filme. Para levantar temas tão pesados, o filme pouco faz para os explorar, preferindo ancorar tudo no triângulo de animosidades que se estabelece entre Lily e suas filhas.

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O realizador Roger Michell tem olho para ordenar atores no espaço e filmar cenas de refeição que oscilam entre humor nervoso e a tensões invisíveis. Contudo, há pouco rigor no seu jeito formalista, algo que se manifesta tanto ao nível visual como sónico e rítmico. Cenas arrastam-se quando deviam passar a correr, emoções fortes borbulham sem que a câmara reflita sua força. O pior de tudo é quiçá o anonimato frustrante do espaço. Tanto detalhe é dado a algumas personagens, mas, visualmente, elas ou são arquétipos ou esboços que vivem dentro de um catálogo IKEA, sem personalidade, sem vida. O que tudo isto cria é um ambiente cénico onde o ator tudo domina. Se o elenco vinga, o filme triunfa, se vacila, cai tudo por água abaixo.

Nesta medida, “Blackbird – A Despedida” é aquele irritante exemplo do filme que contém tanto de bom como de mau, vivendo no equilíbrio incerto da quase-mediocridade com rasgos de génio. Simplificando a linguagem, queremos com isto dizer que alguns intérpretes se saem bem no lavoro, mas outros são derrotados pela fraca mão do realizador e a comedida natureza do guião. Kate Winslet, potencialmente a tentar compensar as fragilidades contextuais, interpreta Jennifer com toda uma sinfonia de tiques e trejeitos imperiosos. É impossível desviar o olhar dela quando está em cena, mas isso ocorre pelas razões erradas. Mia Wasikowska como a jovem Anna é mais interessante, mantendo uma ambivalência constante ao longo da fita.

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Contudo, são as duas mulheres mais velhas do elenco que realmente elevam o exercício fílmico e nos fazem recomendar “Blackbird” a todo o cinéfilo interessado em drama humano bem atuado. Como a figura no olho do furacão, Susan Sarandon negoceia bem as muitas contradições de Lily. Seu humor e sua tragédia, sua certeza e ternura, rispidez e compaixão, comungam num miasma de humanidade em crise. Ela aprofunda o texto e realmente confronta a dor desta mulher que aceita a morte como uma necessidade. Num papel mais pequeno, Lindsay Duncan é estupenda, tecendo tapeçarias de comédia inesperada no fundo de cenas. Entre as duas, estas titãs do grande ecrã concebem um retrato de amizade resiliente e insuflam o seu filme com um sopro de vida. Aplaudimos os seus esforços. Bravíssimas!

Blackbird - A Despedida, em análise
blackbird

Movie title: Blackbird

Date published: 1 de June de 2021

Director(s): Roger Michell

Actor(s): Susan Sarandon, Kate Winslet, Mia Wasikowska, Sam Neill, Lindsay Duncan, Anson Boon, Rainn Wilson, Bex Taylor-Klaus

Genre: Drama, 2019, 97 min

  • Cláudio Alves - 55
55

CONCLUSÃO:

“Blackbird – A Despedida” relega um conceito interessante a um grupo de estupendos atores a padecer de pouca direção. Alguns resolvem o problema do texto americanizado do original dinamarquês, e outros são derrotados pelo desafio. O resultado é um filme instável, que brilha sempre que a ação se subjuga à presença matriarcal de Susan Sarandon no papel principal.

O MELHOR: O trabalho de Susan Sarandon no papel principal.

O PIOR: A displicência formal de todo o exercício, o puxar do tom para o melodrama descabido perto do final e a caracterização saturnina de Kate Winslet.

CA

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