"Blinded by the Light - O Poder da Música" | © NOS Audiovisuais

Blinded by the Light – O Poder da Música, em análise

Blinded by the Light – O Poder da Música” conta a história de um adolescente inglês de origem paquistanesa que é inspirado pelas canções de Bruce Springsteen e decide ir contra a vontade do pai e seguir uma carreira como escritor.

O mundo é cinzento. Estás sozinho. Estás sozinho num mundo cinzento e ninguém te parece compreender. Talvez seja só uma impressão tua, talvez seja algo que passa com a idade, mas, de momento, sentes uma barreira invisível entre ti e os demais. Não consegues comunicar, não consegues fazer-te entender, fazer-te ouvir, mas é isso que mais queres, o teu desejo mais desesperado. Então ouves, ou vês, algo. Algo que te reconhece, que te reflete. Talvez o reflexo seja mínimo, mas, para ti, nesse momento, é suficiente para te sentires visto, para sentires um dissipar dessa nuvem de solidão e sentires alguma cor a ser injetada no mundo cinzento.

Descrever o momento em que um jovem encontra uma obra de arte, um filme, uma música, um livro, que lhe diz algo é um tanto ou quanto difícil. Há experiências que desafiam os limites da linguagem, em parte pela sua inefável universalidade. Afinal, haverá alguém que, na sua juventude, não teve esta experiência? Haverá alguém que, um dia, não se tenha deparado com um pedaço de cultura que o impactou e instantaneamente conquistou o coração? “Blinded by the Light – O Poder da Música” propõe-se a capturar esse instante e a prolongá-lo por quase duas horas de cinema agressivamente otimista, pronto a desenhar um sorriso na cara dos seus espectadores.

blinded by the light critica
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O filme, levemente adaptado da autobiografia do jornalista Sarfraz Manzoor, conta a história de um rapaz de origem paquistanesa a viver na Inglaterra de 1987, no auge do regime conservador de Margaret Thatcher. Tal como muitos filhos de imigrantes, Javed Khan sente uma grande barreira entra a sua geração e a dos pais, que ainda carregam consigo muitos dos valores do seu país de origem e uma mentalidade presa a políticas de respeitabilidade. Javed quer ser escritor e vê-se a si mesmo como um inglês, enquanto os pais, e, em certa medida, as irmãs, reclamam para si uma identidade paquistanesa, sempre separada do resto da sociedade local e sua cultura.

“Blinded by the Light” pode parecer um típico bildungsroman sobre um adolescente em rebelião, mas os argumentistas do filme sabem como circum-navegar os clichés associados ao género. Existe uma especificidade cultural que não permite que a narrativa caia em binários morais corrosivos ou impróprias demonizações. Os pais de Javed jamais são os vilões da sua história, especialmente quando, na rua, desfilam procissões de nazis que sentem que as suas crenças odiosas são validadas por aqueles que governam a Nação. Por muito que Javed se queira separar da identidade paquistanesa, ele também não quer ser como os miúdos ingleses que aterrorizam imigrantes e se vestem com a bandeira britânica como se esta fosse uma suástica.

Preso entre dois mundos que parecem igualmente inapropriados para a sua pessoa, Javed encontra na música de Bruce Springsteen um inesperado bálsamo para a alma. As semelhanças entre este miúdo de origem paquistanesa a viver em Luton e o cantor da Nova Jérsia, podem não ser muitas, mas Javed reconhece-se a si mesmo nas letras do “Boss”. Num gesto de excessivo dramatismo visual, a realizadora Gurinder Chadha visualiza o impacto que as músicas têm no protagonista ao fazer as letras de Springsteen aparecerem desenhadas no ar, projetadas sobre os edifícios de Luton e a rodopiar em volta da cabeça de Javed. Trata-se de uma solução meio desajeitada e a transbordar de sentimentalismo, mas parece ser exatamente o que o filme exige.

O crítico americano David Ehrlich inventou o termo “nice core” para identificar uma corrente de filmes que rejeitam cinismos e ironias típicas da cultura atual em prol de uma celebração de bondade e empatia. São, na sua maioria, desprovidos de antagonistas e que, apesar de não negarem a feiura do mundo, tentam obliterá-la com otimismo ao invés de gritos de revolta e raiva. “Paddington 2”, “Mamma Mia! Here We Go Aggain”, “O Regresso de Mary Poppins” e até “Shazam!” enquadram-se perfeitamente nesta corrente e assim também acontece com “Blinded by the Light”. Até os devaneios mais estapafúrdios do filme parecem justificados e perfeitamente coerentes quando vistos através deste prisma de otimismo cinematográfico.

Com isso dito, é necessária muita habilidade para não fazer cair tal experiência em híper sinceridade num poço de patetice insuportavelmente sacarina. “Blinded by the Light” caminha esta precária corda bamba tonal sem nunca se desequilibrar, em parte porque Chadha demonstra uma fantástica habilidade para esticar a atitude bonacheirona do filme até aos seus limites, sem os ultrapassar. Há sempre um pé bem assente na realidade asquerosa de uma nação virulentamente racista e quando o guião se aventura por algumas passagens mais perfuntórias com uma professora inspiradora, os atores estão lá para salvar “Blinded by the Light”.

Viveik Kalra e Kulvinder Ghir como Javed e seu pai são de particular destaque. Kalra é um triunfo de carisma e expressividade aberta que consegue fazer até conferir emoção genuína às cenas mais absurdas. Se a cena em que as letras de Springsteen se materializam funciona, é porque Kalra está no centro de todo o aparato a ancorar o dramatismo cinematográfico na realidade humana de um adolescente com as hormonas aos saltos e as emoções à flor da pele. Ghir, pelo seu lado, segue o velho truque de interpretar comédia como tragédia e tragédia como comédia, concebendo um retrato de um pai que quer o melhor para o filho apesar de não o conseguir compreender. Sob a direção de Chadha, ele tanto nos faz rir como chorar.

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“Blinded by the Light – O Poder da Música” não vale pela sua subtileza (praticamente inexistente) ou pela sofisticação da sua técnica cinematográfica. Esta é uma máquina de empatia e de criação de sorrisos bem oleada, um filme que nos força a sentir algo positivo, mesmo que, pelo meio, não nos poupe a visões hediondas de injustiça social e dolorosos conflitos familiares. Fãs de Springsteen que temam que o filme não lhe faz justiça não se têm de preocupar que as suas letras se percam entre sentimentalismo de calibre industrial. Afinal, Sarfraz Manzoor teve mão no argumento e neste mundo haverá poucas pessoas que adorem e respeitem de tal modo a música do “Boss”. Graças a ele, a um elenco notável e a realização de Chadha, “Blinded by the Light” realmente mostra-nos o poder da música ou, pelo menos, o poder de alguém se ver a si mesmo refletido na cultura popular e, por momentos, acreditar que algures existe uma terra prometida, onde os seus sonhos são possíveis.

Blinded by the Light - O Poder da Música, em análise
Blinded By The Light - O Poder da Música

Movie title: Blinded by the Light

Date published: 29 de August de 2019

Director(s): Gurinder Chadha

Actor(s): Viveik Kalra, Kulvinder Ghir, Meera Ganatra, Aaron Phagura, Dean-Charles Chapman, Nikita Mehta, Nell Williams, Tara Divina, Rob Brydon, Frankie Fox, Hayley Atwell, Sally Phillips

Genre: Drama , Comédia, Música, 2019, 118 min

  • Cláudio Alves - 72
  • Filipa Machado - 70
  • Daniel Rodrigues - 68
70

CONCLUSÃO:

“Blinded by the Light” é uma homenagem extremosa às canções de Bruce Springsteen e ao impacto que a arte pode ter na vida de alguém. Um elenco notável e um argumento a rebentar de sinceridade fazem deste risonho filme um sucesso sentimental.

O MELHOR: A dinâmica, dolorosa e comovente, entre pai e filho.

O PIOR: Há algumas personagens que são terrivelmente subdesenvolvidas, traindo o solarengo humanismo que permeia o resto do projeto. Um amigo Sikh e a irmã mais velha de Javed são exemplos bem notórios disto.

CA

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