Emma Stone, agora oficialmente musa a tempo inteiro. Atsushi Nishijima/Focus Features © 2025 All Rights Reserved.

Bugonia – Análise

O novo filme de Yorgos Lanthimos “Bugonia” transforma a paranoia política americana num apicultor enlouquecido e uma CEO extraterrestre. Trump, pesticidas, conspirações e Emma Stone. Seja bem-vindo ao colapso planetário com humor grego e sangue americano. Estreia esta semana nas salas de cinema, com antestreia no Tribeca Festival Lisboa 2025.

Há quem diga que Yorgos Lanthimos faz filmes sobre o absurdo. Errado: Lanthimos filma o que sobra depois de o absurdo se tornar quotidiano. E em 2025, com Donald Trump outra vez na Casa Branca e a realidade a parecer escrita por um argumentista de segunda, “Bugonia” não podia chegar em melhor (ou pior) hora.

Pub

Depois de “Pobres Criaturas” — aquele filme em que Emma Stone renascia entre pastéis de nata e filosofia pós-feminista em Lisboa — o realizador grego vira-se agora para os EUA e mergulha no pântano da política, da desinformação e da histeria social. O resultado? Uma espécie de “O Silêncio dos Inocentes” realizado por Buñuel num comício trumpista.

Abelhas, alienígenas e a América em colapso

Emma Stone
Emma Stone uma CEO-extraterrestre.©Medeia Filmes/Divulgação

A premissa de “Bugonia” é deliciosamente ridícula, o que em Lanthimos é elogio: Teddy (Jesse Plemons, magnífico) é um apicultor com tendências conspiratórias que acredita que o colapso das suas abelhas é o prenúncio do colapso da humanidade. A culpa, claro, é de Michelle (Emma Stone), CEO da farmacêutica Auxolith, que ele está convencido ser uma alienígena infiltrada da galáxia de Andrómeda. Teddy rapta Michelle e acorrenta-a à cave da sua casa em ruínas na Geórgia.

A partir daí, o filme transforma-se num duelo delirante entre o fanatismo paranóico e o discurso corporativo iluminado. Um homem que acredita em demónios e uma mulher que fala em diversidade e “diálogo” enquanto fabrica pesticidas. No meio, um país inteiro em colapso moral, a enlouquecer entre fake news e talk shows. Lanthimos filma tudo isto com o seu humor glacial e perverso. A violência é coreografada como teatro, o sangue escorre como ironia. A América surge como uma colmeia intoxicada, onde cada abelha acredita ser a rainha e ninguém quer saber do mel.

Um thriller político travestido de comédia de horror

“Bugonia” é um híbrido difícil de classificar, o que é dizer que é puro Lanthimos. Parte de um remake do cult coreano “Save the Green Planet!” (2003), mas o cineasta grego transforma o material numa fábula cruel sobre o poder, a fé e a desinformação. Há ecos de “A Lagosta” e “Dogtooth”: o confinamento, a linguagem distorcida, o controlo disfarçado de amor. Mas aqui o tom é mais febril, quase apocalíptico. O humor negro dá lugar a uma sátira política que parece escrita durante uma overdose de Twitter.

Pub

A fotografia do filme — filmada com luz saturada e sombras densas — alterna entre o grotesco suburbano e o delírio cósmico. As cenas em que Emma Stone tenta convencer o seu raptor de que não é um alienígena são puro Lanthimos: entre o riso e o pavor, entre o absurdo e o reconhecimento. Porque, no fundo, todos acreditamos em algo irracional — basta ligar as notícias.

Lê Também:
Emma Stone (Poor Things) volta a fazer história com o novo projeto de Yorgos Lanthimos

O amor nos tempos do colapso

No cinema de Lanthimos, as personagens raramente se libertam. Aqui, a prisão é a própria América: uma cave onde a razão se dissolveu em slogans e hashtags. Teddy, o conspirador, acredita que está a salvar o planeta; Michelle, a CEO, acredita que está a curá-lo. Nenhum percebe que ambos são sintomas da mesma doença. A certa altura, Michelle diz: “a colmeia precisa de ordem”. Teddy responde: “a ordem matou as abelhas”.

Pub

É o diálogo que resume todo o “Bugonia”: um impasse moral e ideológico que reflete a bipolaridade dos EUA  e, por extensão, do mundo. O final (sem estragar demasiado) valida a conspiração. Sim, ela é mesmo uma alienígena. Sim, Teddy tinha razão. Mas quando a verdade é tão absurda quanto a mentira, o que é que ainda significa “ter razão”? Lanthimos não procura coerência, procura vertigem. E consegue-a.

Emma Stone, rainha das abelhas

Bugonia
Emma Stone, musa reincidente de Lanthimos. © Medeia Filmes/Divulgação

Emma Stone, musa reincidente de Lanthimos, entrega em “Bugonia” mais uma performance magnética: uma CEO que oscila entre o humanismo hipócrita e o pânico puro, entre o poder e a rendição. Jesse Plemons, por seu lado, é uma revelação lanthimiana, a sua serenidade psicótica é de uma precisão assustadora.

Pub

A química entre ambos é o motor do filme: uma espécie de duelo erótico entre fé e ciência, ideologia e empatia. Lanthimos transforma esta relação de cativeiro num espelho do nosso tempo: estamos todos acorrentados àquilo em que acreditamos, mesmo que nos mate.

A farsa perfeita para um tempo imperfeito

“Bugonia” não é um filme fácil nem “bonito” no sentido convencional. É grotesco, cínico, hilariante, profundamente político e essencial. Um retrato de uma civilização em colapso que ainda acredita ser uma democracia saudável. Há momentos em que parece que Lanthimos está a rir-se de nós, e está. Mas o riso é o antídoto para o desespero.

Pub

O cineasta grego mais perverso do cinema continua a ser o cronista mais lúcido do absurdo contemporâneo. Quando as abelhas morrem, o mundo segue o mesmo caminho. E se Lanthimos tiver razão, a humanidade já está há muito tempo sem colmeia.

Lê Também:
Emma Stone (Poor Things) volta a fazer história com o novo projeto de Yorgos Lanthimos

JVM

Pub
Bugonia — Análise
  • José Vieira Mendes - 70

Conclusão:

“Bugonia” é uma comédia negra sobre o colapso da razão em plena América trumpista, um delírio apocalíptico onde abelhas, alienígenas e CEOs se confundem num mesmo enxame de loucura coletiva. Lanthimos transforma o absurdo político num espelho cruel do nosso tempo, entre o riso e o horror. No meio da paranoia, sobra uma verdade desconfortável: já ninguém distingue conspiração de realidade.

Pub
Overall
70
Sending
User Review
( votes)

Pros

O melhor: a ironia corrosiva de Yorgos Lanthimos, a química imprevisível entre Jesse Plemons e Emma Stone e a mistura perfeita entre sátira política e terror psicológico, num cinema que ri, morde e deixa marca.

Pub

Cons

O pior: a densidade simbólica pode afastar quem espera coerência narrativa; há momentos em que o grotesco se sobrepõe à emoção e o sarcasmo ameaça transformar-se em tique. Mas talvez seja essa, afinal, a condição humana em 2025: rir para não desintegrar.


About The Author


Leave a Reply