Com a águia "Penas Brancas", depois de ganhar o Festival da Águia-Real ©Frank Riedinger

“A Caçadora com Águia”, em análise

Esta é a história de Aisholpan Nurgaiv, a primeira rapariga a competir no Festival da Águia-Real de Ölgii na Mongólia… e a primeira a vencê-lo. Queres saber como é que ela se tornou uma caçadora com águia?

Através do relato pessoal de Aisholpan vais ficar a conhecer o percurso desta rapariga que, tendo por base a sua enorme paixão pelas águias, desenvolveu a técnica ensinada pelo pai e conseguiu ultrapassar as barreiras culturais que estabeleciam que a caça com águia era exclusivamente masculina.

Um aspeto fundamental que tens que considerar são as línguas inerentes ao livro e os processos de tradução que exigiu. A tradutora Helena de Gubernais desta primeira edição publicada pela Casa das Letras em Portugal, resume a questão numa nota já no final do livro dizendo que este é “um testemunho, contado na primeira pessoa, de uma adolescente nascida na Mongólia, recolhido em cazaque, a língua dos seus pais naturais do Cazaquistão, através de um tradutor-intérprete que assegurou a ponte linguística transmitindo-o em inglês à autora norte-americana”.

Lê Também:   A Caçadora com Águia | Passatempo MHD

Cazaque-inglês-português… Durante a leitura sentimos que algo se perdeu entre os relatos originais de Aisholpan para a jornalista Liz Welch, através de um tradutor. Adivinhamos também que muitos dos seus sentimentos mais íntimos – sobretudo quando minimizaram as suas intenções e a tentaram excluir- não tenham sido completamente partilhados, seja pela diferença de idade, por auto-censura ou até para tentar corresponder às expetativas criadas em seu redor.

O que importa é que esse caminho de dificuldades foi suplantado, as frustrações foram processadas e o impacto do seu sucesso abriu mais um precedente para outras raparigas conseguirem fazer o mesmo. Sobretudo, significou um empoderamento feminino que continua a ser necessário propagar.

A Caçadora com Águia
Aisholpan fala sobre como se tornou uma caçadora com águia ©Asher Svidensky

No prólogo, a protagonista conta como está prestes a assistir ao documentário “The Eagle Huntress” que o realizador britânico Otto Bell fez sobre ela e sobre o seu amor à caça com águia. A obra estreou em Portugal em junho de 2017 e reporta todos os passos de Aisholpan, na altura com 13 anos, para se tornar na primeira caçadora de águias das 12 gerações da sua família.

Através de uma cinematografia aérea espantosa e filmagens reais da vivência familiar o filme captura a sua jornada pessoal enquanto trata temas universais como o papel da mulher, o mundo natural e a modernidade. Acabou por ser reconhecido como melhor documentário no Hamptons International Film Festival, esteve no top 5  do National Board of Review e ganhou o prémio do público em quatro festivais de cinema.

Eu sou apenas, Aisholpan. Uma irmã, filha, estudante e melhor amiga. (…) Uma rapariga que só queria fazer aquilo que os rapazes sempre puderam fazer na minha cultura. Dentro de mim sabia que podia fazê-lo melhor do que a maior parte deles- rapazes ou raparigas.”

Como complemento ou para completar a visão do documentário, neste livro Aisholpan conta a história da sua família e do seu povo. Fala sobre o seu estilo de vida nómada e sobre as recordações que tem dos seus primeiros anos de vida. Partilha também situações pessoais, como quando disse aos pais que queria ser caçadora com águia, as reações das colegas na escola, ou até o que sentiu durante o concurso que acabou por ganhar.

Ficamos também a par de episódios fundamentais na sua vida, como a chegada do fotógrafo Asher quando ela tinha 12 anos, em outubro de 2012, que por sua vez mostrou as fotos de Aisholpan ao realizador Otto Bell, despoletando o documentário. Ou o exigente processo de treino da sua águia, a vitória no festival, a fama e as mudanças que daí resultaram.

O meu povo diz que eu sou a ´haste nova´. Mas eu acho que sou uma entre muitas.”

Para quem gosta de se deliciar com os extras dos livros, este traz alguns que vale a pena descobrir. Logo depois do índice há um mapa a preto e branco da Mongólia, com um retrato de Aisholpan e da sua amada águia “White Feathers”; a meio do livro podemos ver algumas fotos não só dela, como da sua família; no final, em “Mais Leituras” são partilhadas fontes adicionais sobre o tema da caça com águias, a Mongólia, a cultura Cazaque e até sobre a Falcoaria em Portugal; e um interessante glossário Cazaque para suporte à leitura.

Num todo trata-se de uma história muito genuína sobre um percurso de vida singular, numa escrita documental e autêntica. Os que viram o documentário vão ficar satisfeito por adicionar novas camadas à história que conhecem. E os que começam por ler este livro vão ficar curiosos por descobrir as paisagens e as pessoas reais do documentário.

TRAILER | RELEMBRA O DOCUMENTÁRIO “THE EAGLE HUNTRESS”

O que mais te desperta a curiosidade neste livro de Aisholpan?

"A Caçadora com Águia", em análise
A Caçadora com Águia

Book Title: A Caçadora com Águia

Book Description: História marcante de determinação – de uma rapariga que desafiou as expectativas e alcançou aquilo que outros pensavam impossível. Na cultura cazaque, a caça com águia é um rito de passagem masculino. Historicamente, os pais ensinam aos seus filhos como caçar. Aisholpan foi a primeira mulher da sua família a fazê-lo. Com o apoio do pai, ela capturou e treinou a sua própria águia-real, e participou no Festival de Águias de Ölgii, tendo sido a primeira rapariga a competir neste festival, e a primeira a ganhá-lo. A inspiradora história de Aisholpan é ao mesmo tempo única e universal; é um testemunho sobre sobrevivência, emancipação, e o impacto positivo do triunfo pessoal. Neste livro, Aisholpan Nurgaiv, o tema do premiado documentário A Caçadora e a Águia (The Eagle Huntress), conta a sua história pela primeira vez, falando diretamente com a jornalista e escritora Liz Welch.

Book Author: Aisholpan Nurgaiv, com Liz Welch

Publisher - Orgnization: Casa das Letras

Publisher Logo: casa das letras logotipo

  • S. Nogueira - 65
65

A Caçadora com Águia

Um livro simples na sua estrutura, mas que relata a complexidade de emoções e intenções necessárias para prevalecer e concretizar os objetivos. Acompanhamos a evolução individual de Aisholpan através das suas conquistas, mas também a sua gradual abertura para um mundo muito mais alargado e tão diferente do que ela conhece. Uma leitura que nos proporciona acesso privilegiado ao universo singular da sociedade cazaque.

Pros

  • Tom simples, pessoal e genuíno
  • Partilha dos usos e costumes de um povo nómada
  • Uma história positiva na luta pela igualdade de género

Cons

  • A voz própria de Aisholpan dilui-se nos processos de tradução
Sending
User Review
0 (0 votes)
Comments Rating 0 (0 reviews)

Leave a Reply

Sending