Seleção Oficial 2025 reflete um mundo em transformação — e Portugal marca presença com cinco filmes | Diário do Festival de Cannes 2025 (Dia 1)
A 78ª edição do Festival de Cinema de Cannes 2025, que começa hoje e continua até 24 de maio, destaca-se por ter uma seleção de filmes, marcada pela diversidade geográfica e sobretudo pelo forte compromisso artístico dos cineastas contemporâneos de todo o mundo. Portugal marca uma presença bastante significativa este ano, com cinco filmes selecionados, entre eles três curtas e duas longas-metragens.
A 78.ª edição do Festival de Cannes 2025 promete refletir a vitalidade atual do cinema global. Em conferência de imprensa, o director-geral Thierry Frémaux revelou que o comité de seleção visionou quase 3.000 longas-metragens provenientes de 156 países. “Todos querem fazer cinema”, afirmou, destacando o renascimento da arte cinematográfica após o abalo da pandemia. Com 2.909 inscrições, o evento reafirma a sua diversidade geográfica e temática. Entre os filmes selecionados, há obras oriundas do Egipto, Brasil, Ucrânia e várias regiões da Ásia. Para Frémaux, estas propostas revelam “um mundo desafiante, mas também um mundo por construir”, sublinhando a responsabilidade dos realizadores em representar a realidade de forma crítica e criativa.
VÊ TRAILER DE “THE PHOENICIAN SCHEME”
Um festival de autor e estrelas
Apesar da forte presença norte-americana, o Festival de Cannes 2025 mantém o seu compromisso com o cinema de autor. Em competição estão novos filmes de nomes consagrados como Richard Linklater (“Nouvelle Vague”), Kelly Reichardt (“The Mastermind”), Ari Aster (“Eddington”) e Wes Anderson (“The Phoenician Scheme”), entre outros quase espera venham a surpreender-nos. Fora de competição, será exibido com já foi anunciado há algum tempo “Missão: Impossível – O Ajuste de Contas Final”, de Christopher McQuarrie, que faz regressar Tom Cruise, em grande acção à Croisette. Jodie Foster marca igualmente presença, protagonizando “Vie Privée”, da cineasta francesa Rebecca Zlotowski, nos filmes exibidos mas não candidatos à Palma de Ouro. Esses serão avaliados por um júri presidido pela musa francesa Juliette Binoche. Quanto aos filmes em geral, “ainda é cinema de autor”, que prevalece reforçou Frémaux, destacando a importância das plataformas de streaming na descoberta de novas gerações de realizadores e argumentistas.
Cultura e política: uma seleção com consciência
Num contexto geopolítico tenso, Frémaux tem sido igualmente bastante claro em relação a esta questão: “Cannes não é político. São os artistas que, ao serem políticos, tornam o festival político com eles.” O Festival de Cannes 2025 apresenta um conjunto de obras que questionam o presente e apontam caminhos alternativos. “O cinema não é apenas sobre amor — é também sobre luta”, afirmou, indicando que a seleção deste ano oferece uma visão crítica e inspiradora do mundo contemporâneo.
Filme de abertura: juventude, raízes e canções francesas
“Partir Un Jour”, de Amélie Bonnin, será o filme de abertura. Esta primeira longa-metragem da realizadora e argumentista francesa mistura ambientes urbanos e rurais, evocando temas como juventude, identidade e pertença, ao som de músicas emblemáticas da cultura francesa. A competição principal conta atualmente com 22 filmes, pois mais estreias foram anunciadas nestes últimos dias. “Cannes é mais do que a competição — é uma seleção global de 60 filmes”, explicou Frémaux.
O poder do festival: estreias que moldam carreiras
O sucesso de “A Substância”, da francesa Coralie Fargeat, exibido em competição em 2024, é também um bom exemplo do impacto do festival na industria cinematográfica mundial. Frémaux acredita que a edição de 2025 poderá revelar obras com igual potencial, como aconteceu também com “Tudo o Que Imaginamos Como Luz”, da realizadora indiana Payal Kapadia ou da animação estoniana “Flow”, o ano passado, que acabou por ganhar o Oscar na sua categoria. “Este é o jogo do cinema. Nunca se sabe o que vem a seguir — e é isso que o torna fascinante.”, conclui o director artístico do Festival de Cannes, que completa este ano cerca de 25 anos nos destinos da programação do maior festival de cinema do mundo.
Cinco filmes portugueses em destaque em Cannes 2025
Portugal marca presença significativa este ano, com cinco filmes selecionados, entre eles três curtas e duas longas-metragens:
Curtas em Competição: Inês Nunes e Gabriel Abrantes
“A Solidão dos Lagartos”, de Inês Nunes, é uma co-produção luso-espanhola que aborda o Algarve enquanto espaço de confronto entre o real e o artificial, numa paisagem moldada pelo turismo. A curta retrata um spa rodeado de salinas onde personagens diversas se cruzam, num ambiente de transformação e introspeção. Por seu lado, “Arguments in Favor of Love”, de Gabriel Abrantes, reforça a presença do realizador português no circuito internacional, prometendo mais uma obra visualmente marcante e conceptualmente provocadora e sobretudo uma história de amor íntima e pessoal, interpretada por dois ‘fantasminhas’.
Selecção Escolas de Cinema
Quanto ao Cinema de Escolas, a jovem Laura Anahory vai estar na secção La Cinef com “O Pássaro de Dentro”, uma curta de animação que representa a Escola das Artes da Universidade Católica do Porto. O filme explora, através da animação, a relação entre corpo e mente, — é na verdade um ensaio animado sobre a prevenção à depressão e suicídio — sendo descrito, pela sua autora, como um exercício de liberdade narrativa e formal. Mas na verdade, é muito mais do que isso. Esta secção já revelou nomes como Jessica Hausner e Asif Kapadia.
As longas metragens nacionais
Quanto às longas-metragens duas presenças fortes que decerta maneira renovam geracionalmente a participação portuguesa no Festival de Cannes 2025: Pedro Pinho e Pedro Cabeleira. “O Riso e a Faca”, de Pedro Pinho, integra a secção Un Certain Regard, sucedendo ao premiado “A Fábrica de Nada”, apresentado em 2022 na Quinzena dos Cineastas. Porém, desta vez com a história de um jovem engenheiro ambiental cooperante na Guiné-Bissau, que além de descobrir outro mundo, vai descobrir-se a si próprio. Por sua vez “Entroncamento”, de Pedro Cabeleira, será exibido na secção ACID, dedicada ao cinema independente e experimental e conta uma história algo fragmentada de um grupo de jovens, dos seus conflitos e do submundo da pequena cidade do centro de Portugal onde se cruzam comboios e gentes de vários pontos do pais e de várias culturas. Com uma seleção eclética e politicamente consciente, o Festival de Cannes 2025 voltará certamente a reafirma-se como uma montra global para o cinema de autor. E Portugal, com cinco obras distintas, ocupa um lugar de destaque nesta celebração da sétima arte.
JVM