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“All We Imagine as Light”: Para um mundo melhor em Bombaim

A realizadora indiana Payal Kapadia regressou a Cannes, desta vez na Competição Oficial, com “All We Imagine as Light”, uma obra híbrida e deslumbrante, que examina os corações das mulheres do seu país e seus desejos por outro mundo melhor, na cidade de Bombaim da actualidade.

Três anos depois “Toute une nuit sans savoir”, em 2021, que ganhou o Œil d’Or para Melhor Documentário no Festival de Cannes no mesmo ano, a realizadora indiana Payal Kapadia está de volta à Croisette, desta vez, à Competição Oficial, com a sua primeira longa-metragem de ficção, “All we imagine as light”, um dos mais belos filmes desta Cannes 77.

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É também um grande acontecimento cinematográfico, já que se trata do primeiro filme indiano a estrear na Competição Oficial em 30 anos: o último foi “Destinée” (“Swaham”), de Shaji N. Karun, em 1994, uma obra falada em malaio.

Desta vez, Payal Kapadia realizou um filme marcadamente social, cheio de esperança que, num contexto da sociedade indiana, que continua a ser além patriarcal e muito estratificada, dá voz a três mulheres de gerações e origens sociais diferentes.

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All We Imagine as Light cannes
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All We Imagine as Light, o regresso da Índia ao Festival de Cannes

Prabha (Kani Kusruti) vai escondendo a sua inquietação interior entregando-se de alma e coração ao seu trabalho de enfermeira num grande hospital de Bombaim, embora o seu ar de preocupação não engane ninguém. A sua vida fica de pernas para o ar quando recebe um presente do marido, que não vê há anos e que está emigrado na Alemanha.

Entretanto, Anu (Divya Prabha), a sua jovem e despreocupada colega de quarto, procura em vão um lugar na cidade para partilhar alguma privacidade com o seu amante. Acompanhadas por uma amiga, a velha e dedicada cozinheira do hospital Parvaty (Chhaya Kadam), as mulheres viajam para a aldeia costeira de Ratnagiri. Ali, a beira do mar e uma floresta tropical tornam-se num espaço de liberdade, onde os desejos das três podem finalmente manifestar-se à vontade.

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O dia a dia profissional, da mais experiente Prabha (Kani Kusruti) e da mais jovem Anu (Divya Prabha), no hospital é incrivelmente tenso, ao ponto de conhecerem perfeitamente as maletas e as curas rápidas para todos os corpos humanos, que por lá aparecem. Mas nas suas vidas privadas, é preciso descobrir o que lhes vai lá dentro.

A mais velha das duas vai dando conta dos seus tormentos, mantendo-os em segredo e envolvendo-se no trabalho: o marido, emigrou para a Alemanha, não lhe telefona há mais de um ano e apenas sinalizou que está vivo enviando uma panela de arroz novinha em folha; além disso vai resistindo com reserva às investidas românticas de um colega médico.

A mais nova desafia as convenções sociais e religiosas, ao namorar o muçulmano Shiaz (Hridhu Haroon) — o conflito entre hindus e muçulmanos tem gerado muita violência na Índia —  um idílio rico em complicações práticas, sobretudo em encontrarem um sítio para se amarem à vontade.

A velha cozinheira Parvati (Chhaya Kadam), é uma viúva que luta contra um despedimento sem justa causa, que decide então convidar as duas enfermeiras, para irem à sua aldeia natal, localizada à beira-mar.

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Neste fascinante “All We Imagine as Light”, a cineasta indiana Payal Kapadia, mistura poesia e realismo num território da ficção, dando voz a quem não a tem no seu país. Neste caso a estas três mulheres incríveis. O filme habilmente construído é um turbilhão de sentimentos frustrados e de busca de liberdade, que mergulha seus personagens principais no centro e no vasto círculo de Bombaim (ou Mombay), a extensa metrópole de cerca de 21 milhões de habitantes, a ‘cidade dos desejos’.

Personagens, vidas, memórias e frustrações, imergem num filme banhado dessa atmosfera muito particular e dessa incapacidade de mudar as coisas, típica da sociedade e da cultura indiana — a palavra hindi “Kal” significa hoje e amanhã, portanto a filosofia das pessoas à a da aceitação, mesmo que isso implica a maior das misérias.

Além disso, as barreiras são mais que muitas nesse país e sobretudo para as mulheres: a estratificação em castas, a religião, casamentos combinados, uma emigração que separa maridos das mulheres e depois promotores imobiliários do futuro, que arrasam os bairros pobres inteiros, como rolos compressores, para construírem prédios de apartamentos para ricos e arranha-céus para modernos escritórios para as empresas da era digital.

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Concebido com uma cativante mistura de documentário hiper-realista conjugada com a romântica e melodramática estética da tradição dos clássicos do cinema indiano, “All We Imagine as Light”, é um filme que começa logo a brilhar nos seus primeiros dois terços, urbanos e noturnos da cidade de Bombaim.

Payal Kapadia demonstra aqui a sua excelente habilidade para ir buscar múltiplos pormenores, pequenos e dispersos da vida quotidiana da grande metrópole, sempre num registo muito pessoal, feminino e sensível. Uma maravilha de filme!

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All We Imagine as Light, em análise

Movie title: All We Imagine as Light

Movie description: Em Bombaim, a rotina diária da enfermeira Prabha é perturbada quando esta recebe um presente inesperado do ex-marido, emigrado na Alemanha. A sua colega de quarto mais jovem, Anu, tenta em vão encontrar um lugar na cidade para ter intimidade com o namorado. Uma viagem a uma cidade litoral, com a velha cozinheira do hospital, onde trabalha e que foi despedida, permite que as duas mulheres, encontrem um espaço para que seus desejos se manifestem.

Country: França, Índia, Países Baixos, Luxemburgo, Itália

Director(s): Payal Kapadia

Actor(s): Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam

Genre: Drama

  • José Vieira Mendes - 80
80

Prós e Contras

O melhor: É um filme sensorial e surpreendente devido à sua deslumbrante e brutal sinceridade, além de ser uma bela carta de amor escrita no feminino à cidade de Bombaim.

O pior: A transição do quotidiano nocturno de Bombaim para a luz, por mais agradável que seja, soa um bocadinho artificial, tudo isto associado a um final um pouco confuso.

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