10 filmes esquecidos pelos Óscares | Cavaleiro de Copas

Um poema sobre o movimento humano, um orgasmo fotográfico e uma experiência audiovisual transcendente, Cavaleiro de Copas é imperdível.

 


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Em termos narrativos ou textuais, Cavaleiro de Copas de Terrence Malick é uma perfeita catástrofe. No seu retrato da vida hedonista, mas profundamente vazia, de um argumentista perdido entre os prazeres levianos da Los Angeles contemporânea, o filme é uma montanha incomensurável de clichés cansados e quase ofensivos no seu simplismo. As personagens femininas são tão mal esboçadas que a sua própria inclusão no filme parece um ato de misoginia e a filosofia de vida defendida pela tese final da obra, é uma reciclagem de temas antigos do cineasta e noções de vida urbana perfeitamente retrógradas que são aqui apresentados do modo menos subtil que é possível conceber.

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Só que dificilmente haverá algo mais estúpido do que fazer uma apreciação crítica de um filme assinado por Terrence Malick exclusivamente focada em questões textuais. Na verdade, a mera existência de uma dimensão narrativa em Cavaleiro de Copas é o seu mais imperdoável defeito pois, se excisarmos essa componente e toda a carga psicológica e arcos de personagem a ela associados, ficamos com um filme que é, na sua essência, uma experiência puramente audiovisual, um poema sobre o movimento de corpos humanos através do mundo, urbano e natural. Se formos sinceros, na forma de um poema cinematográfico, Cavaleiro de Copas é muito provavelmente o melhor filme do ano.

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Malfadado seja o dia em que Malick decidiu que este filme precisava de se centrar à volta desse entediante argumentista a atravessar uma crise de meia-idade e a refletir na sua relação com seis mulheres diferentes. Tais ideias já eram cansativos clichés há 50 anos, mas enfim… Voltando aquela afirmação sobre a qualidade monumental da obra, Cavaleiro de Copas contém, no seu interior atafulhado, um filme experimental espetacular. Um filme em que Malick e o seu diretor de fotografia Emmanuel Lubezki se deixam inebriar pela sua própria criatividade e constroem um hino cinematográfico ao poder do movimento filmado e manipulação de perspetiva.

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Para alguém que aprecie o pode puramente estético da sétima arte, testemunhar estes génios em ação é algo quase orgástico a aproximar-se do êxtase divino. Ver Cavaleiro de Copas é como ser atirado para uma galeria de arte que desafia as leis da física e nos transporta para dentro de visões urbanas onde o olhar voa pelo espaço sem se preocupar com noções tradicionais de composição. Uma viagem de carro através da noite de Los Angeles, por exemplo, tem a capacidade para se tornar numa espécie de avalanche sensorial em que tentamos assimilar toda a beleza que os dois cineastas nos atiram à cara. Algo especialmente difícil quando consideramos a sua habilidade para tornar as mais banais paisagens em verdadeiras alucinações fantasiosas de aço, vidro e alcatrão banhadas pela luz de um sol nunca antes capturado desta maneira no cinema.

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Se formos honestos, temos de admitir que existem alguns elementos a celebrar para além da fotografia. A cenografia de Jack Fisk encontra maneiras de manipular ambientes reais com suficiente subtileza que, alguns pormenores aqui e ali alteram por completo um espaço sem desafiar a sua verosimilidade. Os figurinos, por sua vez, traduzem as ideias bolorentas do guião em elegantes códigos visuais. A montagem, escusado será dizer, é perfeitamente genial mesmo quando subjugada às restrições tirânicas do esqueleto narrativo. Até alguns atores, nomeadamente Cate Blanchett, Brian Dennehy e Imogen Poots, conseguem encontrar alguma humanidade nos seus papéis, recusando-se a serem reduzidos a simples fantoches vivos nas mãos ensandecidas do mestre Malick.

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Mas, como será óbvio, no final, é a fotografia que realmente interessa e é um crime, de proporções hediondas, o modo como todas as associações de prémios se esqueceram da existência deste filme. Nos últimos anos, Emmanuel Lubezki venceu três Óscares por Gravidade, Birdman e The Revenant mas o seu trabalho nessas obras em nada se compara ao génio demonstrado no Cavaleiro de Copas. Enfim, não são só os atores que são reconhecidos pelos seus trabalhos menos inspirados com o tão adorado homenzinho doirado mais cobiçado de Hollywood.

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Se te interessas por boa fotografia em cinema, recomendamos também o trabalho solarengo de Robbie Ryan em American Honey, a Los Angeles tornada giallo obsceno que Natasha Baier filmou para The Neon Demon, os excessos coloridos de Vittorio Storaro em Café Society e a poesia austera de Diego garcia em Cemitério de Esplendor. Tal como Lubezki, todos eles foram ignorados pela Academia.

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