Cinema Europeu? Sim, por favor | A Família Bélier
Je n’m’enfuis, pas je vole…
…Comprenez bien, je vole.
Envolvida num ambiente agrícola, mora a família Bélier. Os Bélier (de carneiro, mesmo) vivem numa quinta com vacas e cabras e dedicam-se à produção maioritária de leite e queijos, que nos entram pelos olhos e dão vontade de interromper o processo de maturação. Gigi, Rodolphe e Quentin (pais e irmão mais novo) são surdos, e Paula é a única da família que nasceu com audição, o que desde sempre lhe cedeu o cargo de intérprete pessoal e elo de ligação no funcionamento da quinta.
Quando Paula descobre o potencial da sua voz e novos objetivos a perseguir, surge a oportunidade de participar num concurso em Paris, na Radio France, que, se vencer, lhe dará acesso a uma das melhores escolas de música do país. Entre o trabalho no campo, o apoio à família, o seu pai a anunciar que irá concorrer para as eleições municipais e as confusões comuns de adolescentes, Paula vê-se no meio de uma embrulhada que decide romper, seguindo o sonho que encontrou: cantar.
Num filme em que o som é tão importante como a imagem e a expressão ganha moldes que só poderiam ser atingidos com o elenco de luxo, é explorada a condição da surdez de uma forma comovente e entusiasta. Ao mesmo tempo que aborda as dificuldades de comunicação e os olhares reprovadores, percebemos que é possível encarar todas as situações a sorrir e ser maior, aceitando-o e reivindicando, todos os dias, os mesmos direitos e deveres.
A melodia é cuidada na representação, ao ponto de a atriz que interpreta Paula, Louane Emera, ter sido semifinalista na segunda temporada do The Voice: la plus belle voix. Mas, apesar de ser um filme musical, não o define como género. A música encaixa-se na narrativa e flui ao seu lado como uma corrente serena, recorrendo a ícones como Michel Sardot. Não somos inundados com flashmobs aleatórios e ficamos (verdadeiramente) felizes por isso. Porque não é pela inclusão natural que deixa de ser o foco central. A música faz parte da ação e rende-nos mesmo em momentos estáticos, onde apenas nos resta o silêncio de uma sala ou as vibrações de um peito.
A Família Bèlier é um filme principalmente familiar, sobre as ligações inquebráveis e o síndrome de não querermos largar quem amamos. No entanto, é também sobre o risco. Sobre a vontade de ser melhor e a possibilidade de o fazer, apesar de todas as consequências. É um filme sobre coragem, sobre deixar voar e aceitar o voo de quem é próximo de nós. O amor infinito. As batalhas, o medo. O passo em frente.
A película de Eric Lartigau mostra-nos as ferramentas para fazer bom cinema – e, desengane-se, não passa por naves espaciais ou tiros estridentes no ar. Prende-se no planeta terra e nas histórias complexas que nele residem. Verdadeiras e humanas – com as quais nos podemos identificar.
A música, a chama, a paixão… É este o nosso combustível. Saímos da sala de cinema a cantarolar e mais completos ainda, lembrados de que a vida é mais divertida e menos desesperante en chantant.