"O Estranho Mundo de Jack" | © Disney

Cinema Natalício | O Estranho Mundo de Jack (1993)

“O Estranho Mundo de Jack,” também conhecido como “The Nightmare Before Christmas,” tem vindo a tornar-se num clássico da época festiva desde a sua estreia em 1993. Realizado por Henry Selick e produzido por Tim Burton, este projeto conjuga o macabro e o encantador, casando Halloween com o Natal e dando-nos um musical estonteante pelo caminho. Danny Elfman, rockeiro virado compositor, tem aqui a sua máxima obra-prima, tendo composto a banda-sonora instrumental, as canções, e até interpretado a personagem principal durante a cantoria – o eterno Jack Skellington. Perante a sua loucura, seu entretenimento horrorífico e beleza estética, não admira que este filme seja tão amado.

Antes de se tornar num realizador reconhecido à escala mundial, Tim Burton era um humilde animador a trabalhar para a Disney durante uma época bastante difícil da sua História. Foi durante esse período, em 1982, que Burton primeiro escreveu um poema sobre uma personagem por si imaginada. Jack Skellington seria o rei do Halloween numa dimensão diferente onde cada festa tem um mundo a si dedicado. Nos epítetos do desespero, sentindo-se obsolescente e deprimido, Jack descobre um desses outros mundos festivos. Da Cidade do Halloween para o Reino do Natal, o homem-esqueleto apaixona-se pelo que vê e decide replicar o esplendor e virar as costas aos deveres do seu domínio monstruoso. Tudo corre mal, como não podia deixar de ser.

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Este aspirante a Pai Natal foi logo desenhado por Burton em jeito de ilustração ao poema. De facto, muitas das personagens que aparecem no filme são materializações desses primeiros rabiscos. Contudo, dizer que “O Estranho Mundo de Jack” é da autoria exclusiva de Tim Burton é mentira. Depois de ganhar notoriedade com uma série de filmes em live-action no fim dos anos 80, o cineasta reencontrou-se com os antigos patrões e teve luz verde para transformar aquela ideia antiga numa produção em stop-motion. Contudo, além de servir como produtor e fonte da ideia inicial, Burton pouco se envolveu nas filmagens.

Quem teve a maior responsabilidade foi Henry Selick, um grande animador que viria a ter o seu merecido momento ao sol com vários títulos da Laika. Os dois homens haviam sido colegas enquanto animadores juniores e o fruto da sua colaboração veio a redefinir o modo como os dois faziam cinema. Isso vê-se bem nos projetos cartoonescos que Tim Burton fez mais tarde, já sem a ajuda do colega, e nos projetos a solo de Selick também. Muita da equipa presente nos bastidores deste clássico também se repetiu nesses filmes futuros, dando a impressão que “O Estranho Mundo de Jack” foi a semente que fez germinar uma inteira floresta de animação macabra, terror para meninos com aprumo estilístico e veia Expressionista.

Quer dizer que, em retrospetiva, algum do arrojo da obra se perde, sendo que o que era novidade, original e fundamentalmente singular em 1993 já não o é em 2022. Isso significa que o filme é menos impressionante? Claro que não. Fora da consideração crítica, a popularidade da fita tem somente crescido, tornando-se num autêntico objeto de culto. Também isso fez de Jack Skellington um ícone que muito se expande além do legado de Burton e Selick. De facto, algumas das limitações técnicas resolvidas em trabalhos sucessivos dão um certo charme ao “Estranho Mundo de Jack,” como que reforçando a sua tradicional. Ocasionalmente, lá vemos marcas de dedos nas figuras, uma certa rigidez no movimento ou a textura da ferramenta usada para a escultura.

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Não há a ilusão de vida independente do artifício cénico, mas isso não é nenhum problema. Sentir o esforço das mãos criadoras, o impacto físico dos artistas perante a sua obra é algo que enaltece o coração e salienta o amor com que o filme foi concebido. Também sublinha o génio do engenho, quanto o filme é um milagre de imaginação tornada realidade por um verdadeiro batalhão de cineastas inspirados. Quiçá as cenografias de Ralph Eggleston e Deane Taylor sejam o seu melhor aspeto entre muitos triunfos. Veja-se o Expressionismo Gótico da terra onde o Halloween tudo rege, a inocência de um Natal colorido em contraste direto com seu gémeo lúgubre, e a mundanidade extremada do mundo humano.

Entre estas escolhas gerais, espaços individuais saltam à vista, quer sejam o romance de um cemitério à luz da Lua ou a alucinação violenta do Papão e suas teatralidades a brilhar no escuro. Ou talvez sejam os efeitos especiais que merecem maior aclamação. Afinal, o que seria esse monstro no lar fluorescente sem a ajuda dos feitiços engendrados por técnicos criativos, capazes de gerar magia no registo limitado do stop-motion? Esses feitos mereceram nomeação para o Óscar. O feito é tão raro para cinema de animação que podemos logo aí ver quão assombrosos os truques aqui empregues são. Nem a Academia de Hollywood com os seus gostos conservadores podia negar o deslumbramento em cena.

Mas o que seria o filme sem a música? Com menos de 80 minutos de duração, a história do “Estranho Mundo de Jack” passa a correr, forçando personagens a experienciar grandes arcos narrativos num abrir e fechar de olhos. Tal radicalismo emocional seria ilegível sem o advento da canção. O mecanismo musical é como abreviação dramatúrgica, especialmente quando Danny Elfman é o homem encarregue de fazer tudo funcionar. Sem ele, o barroquismo estilhaçado da narrativa jamais teria o impacto que tem e a personagem de Jack não faria sentido algum. Basta um solilóquio cantado pelo próprio compositor para que a fragilidade textual se torne numa característica positiva.

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No fim, a história é somente uma desculpa para a pirotecnia emocional e espetacularidade do foro audiovisual. Sente-se o fado das figuras no coração, mas o que fica na mente é o circo de maravilhas e pesadelos. Com isso dito, como ficamos? Qual é afinal o melhor elemento cinematográfico? Bem, no jeito usual da obra-prima feita em clássico, “O Estranho Mundo de Jack” resiste ao impulso crítico para fragmentar o cinema em partes independentes. Toda criação tem seu propósito, como roldanas num relógio suíço, uma máquina perfeita em que todas as partes agem em concordância coletiva. Este é o tipo de cinema que nos faz amar a sétima arte.

“O Estranho Mundo de Jack” está disponível no Disney+. Também podes alugar ou comprar o filme através da Apple iTunes, Google Play e Rakuten TV.

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