Classic Fever | Laranja Mecânica (1971)
O pesadelo frio e distópico de Stanley Kubrick que se fez sátira demoníaca num futuro que não chega (mas vai chegando).
O QUE É QUE VOU RELEMBRAR HOJE?
“Laranja Mecânica” (1971), de Stanley Kubrick e protagonizado por Malcolm McDowell, Patrick Magee, Michael Bates e Warren Clarke.
MAS AFINAL DO QUE É QUE TRATA?
Pontapear, agredir, roubar, dançar sapateado, violar. Desordeiro de chapéu de côco, Alex tem uma maneira muito sua de se divertir. E fá-lo à custa da desgraça dos outros. O trajeto de Alex, desde punk amoral a respeitável cidadão, após uma lavagem ao cérebro, forma o arco dramático da visão futurista e de choque que Stanley Kubrick tem do romance de Anthony Burgess. Imagens inesquecíveis , surpreendentes contrastes musicais, a fascinante linguagem usada por Alex e pelos seus parceiros.
PORQUE É QUE NÃO POSSO PERDER?
As aventuras de um homem cujos principais interesses são a violação, ultra-violência e Beethoven. O filme onde um instrutor de Yoga é assassinado por um pénis de cerâmica gigante. A ovelha negra que obrigou o realizador a cortá-la da circulação até à sua morte por ameaças familiares e imitações perigosas na sociedade da vida real. A obra onde o choque é a personagem principal.
“Laranja Mecânica” mantém-se na história como a segunda e última película com rating X nomeada para o Óscar de Melhor Filme – o primeiro foi “O Cowboy da Meia-Noite” em 1969, mas viu a sua classificação subir para R-rated na década seguinte. Mas esta é uma façanha à margem de láureos materiais.
Stanley Kubrick fez filmes brilhantes, mas, acima de tudo, perigosos. Filmes que ousaram como outros não o fizeram, filmes que não se limitaram a tocar feridas abertas mas também a macerá-las com ferros ferventes. Mas filmes perigosos são, por vezes, geniais – este certamente foi.
Passado num futuro hipotético, é uma violenta crítica mascarada à sociedade britânica dos anos 50 e 60 – não é apenas o grupo de Alex que suja as ruas do mundo; o mundo em si já é um lugar nojento, uma sarjeta putrefacta sem esperança nem redenção. A violência e agressividade cruéis não são gratuitas, adornando um quadro completo e assustador com salpicos de medo e borrões de temor.
“Laranja Mecânica” é uma poesia visual, irónica, esquizofrenica e alucinante do princípio ao fim, desafiando mesmo as mentes mais invulgares. A náusea acompanha-nos e perdura, mas aquilo a que assistimos é muito mais poderoso do que o nojo de uma realidade tão imunda. O mundo só se perderá pelas nossas mãos e não por outras. E se continuamos caminhando para uma existência que nem animal pode chamar-se… a perdição será muito possivelmente o destino.
Kubrick explorou o mistério da conduta humana usando as emoções e a acção física de formas não convencionais, obrigando-nos a manter a rédea intelectual bem curta e controlada. Mas nem sempre é fácil. Esta é uma das mais bizarras e desorientadoras experiências que o cinema nos ofereceu. Talvez o Mundo dos anos 70 não estivesse preparado para receber um filme como o génio de Stanley Kubrick ousou lançar. Pelo menos, pensamos que nem sequer o mundo do séc. XXI estará.
UMA FRASE PARA A POSTERIDADE
“I was cured, all right!”
PARA FICAR NO OLHO E NO OUVIDO (DA MENTE)