O Caso Villa Caprice, em análise

‘O Caso Villa Caprice’, de Bernard Stora é um daqueles thrillers à moda antiga, vindos de França, que nos oferece uma interessante visão da corrupção política e das elites empresariais. É sobretudo um enorme ‘duelo’, entre dois grandes actores franceses: Niels Arestrup e Patrick Bruel.

O tema central de ‘O Caso Villa Caprice’ foi trazido ao realizador Bernard Stora pelo jornalista-escritor Pascale Robert-Diard, com quem já havia colaborado no telefilme La dernière campagne (2012). Aliás a sua especialidade é dirigir sobretudo obras audiovisuais para televisão. Por sua vez, Robert-Diard é além de escritor, um colunista jurídico da imprensa e inspirou-se no suicídio do grande advogado Olivier Metzner  — cujo o corpo foi encontrado a boiar nas águas do golfo de Morbihan, na Bretanha, em 2013 — para questionar, o que poderia levar um homem tão poderoso a acabar com a sua vida. Por curiosidade, ‘O Caso Villa Caprice’ é filmado em parte no município de Hauts-de-Seines (Île-de-France) e depois no cenário idílico de uma belíssima casa que existe mesmo na realidade com outro nome, em Ramatuelle, perto de Saint-Tropez na Côte d’Azur, não muito longe onde se realiza o Festival de Cannes. No entanto, Bernard Stora não queria produzir um trabalho realista, que se aproximasse em demasia de um documentário de investigação, neste seu regresso ao cinema. Os dois realizador e argumentista, decidiram portanto, afastarem-se da história real de Metzner, para construirem um argumento completamente original e com personagens inventadas, mas baseadas na realidade.

VÊ TRAILER DE ‘O CASO DE VILLA CAPRICE’

Luc Germon (Niels Arestrup) é um veterano e conceituado advogado, que se dá ao luxo de recusar a maioria dos casos complicados e nas altas esferas do poder. Quando é contactado por Gilles Fontaine (Patrick Bruel), um dos mais importantes (e ricos) empresários franceses, fica curioso com esta aproximação. Fontaine é acusado de ter comprado Villa Caprice, uma luxuosa propriedade situada na Côte d’Azur, em circunstâncias suspeitas e precisa de alguém que o ajude a enfrentar as acusações de uma denúncia ao Ministério Público. Germon aceita defendê-lo, mas com algumas reservas. Porém a relação entre estes dois homens poderosos, a princípio vagamente amistosa e estritamente profissional, depressa se transforma em algo profundamente hostil e complicada. Afinal quem detém o poder: o advogado ou quem lhe paga? Além disso parece que por trás do caso que os reuniu, está outro, ainda mais obscuro.

Villa Caprice
O filme é um duelo entre dois grandes actores franceses: Niels Arestrup e Patrick Bruel ©Filmes4You

Conhecemos assim, um grande advogado de negócios interpretado por Niels Arestrup — de facto um pouco à imagem de Olivier Metzner — e seu novo cliente, um ‘empresário corruptor’, interpretado por Patrick Bruel. Este último é acusado de ter adquirido uma sumptuosa villa por um preço irrisório fixado pelo autarca, que está em poder e que é na verdade um dos seus ‘amigos’ mais próximos. Só que se zangou com a mulher legítima e esta ‘bufa’ tudo. Logo de inicio Bernard Stora começa por estabelecer dois carácteres — aliás no fundo bastante semelhantes — e uma posição dominante e desafiadora, entre os dois protagonistas: ambos facilmente instáveis,  comportando-se ora como seres condescendentes, ora tornando-se bastante desagradáveis ​​com os que os cercam; sejam os seus assessores e funcionários, os empregados domésticos, ou mesmo os seus familiares mais próximos. Verificamos também que estes personagens odiosos, são terrivelmente marcados pela solidão do poder. A grande chave e qualidade deste filme, está em primeiro lugar na dificuldade em sentirmos empatia por esses dois indivíduos das elites, que se aproveitam de sua posição dominante para esmagar os outros sem qualquer tipo de pudor; depois temos o grande talento dos dois atores principais, Niels Arestrup e Patrick Bruel, que conseguem encarnar esses dois homens desdenhosos e ambíguos, sem que os consigamos odiar completamente. Pior ainda, os dois actores às vezes até conseguem dar aos seus personagens, uma dimensão humana e frágil que – sem os redimir completamente – lhes dá uma necessária profundidade e uma espécie de gigantes de pés-de-barro. ‘O Caso Villa Caprice’  torna-se assim também uma verdadeiro ‘duelo’ de personalidades, para descobrir qual deles domina o outro, ao mesmo tempo que nos vamos apercebendo das jogadas e das motivações materialistas do empresário, um  manipulador nato e um elegante malandro, interpretado por Bruel. Fontaine parece que procura acima de tudo vingar-se socialmente, da sua rápida ascensão social, sem perceber que essa sua louca ambição leva-o directamente a uma terrível solidão.

Villa Caprice
Niels Arestrup, está excelente  na sua interpretação, ao expressar toda a ambiguidade do seu carácter. ©Filmes4You

Num papel aparentemente mais ponderado está o advogado interpretado por Arestrup: ele é excelente a expressar toda a ambiguidade do seu carácter, (e sexualidade também), com a ajuda de alguns dos seus olhares, nem sempre muito frontais e evasivos. O retrato desse homem — talvez ainda mais marcado pela extrema solidão, do que o outro — chega às vezes a meter dó, principalmente quando é confrontado pelo seu velho e demente pai (uma extraordinária interpretação de Michel Bouquet, actor que faleceu há pouco mais de um mês, com 96 anos), que lhe diz na cara aquilo que ele não quer ouvir. No personagem de Germon (Arestrup) vamos encontrar igualmente, essa ideia de uma certa vingança social que, no entanto, não leva necessariamente à felicidade, como vamos ver na cena final. Apresentado em cartaz como ‘a justiça tem um preço. Qual o seu?’ e logo com um grande sentido de oportunidade, este ‘O Caso de Villa Caprice’, mergulha-nos nos círculos empresariais, nos sinistros conluios de interesses e facilítismos, entre políticos, grandes empresários e advogados, e por isso torna-se numa objectiva crónica sobre, esse mundo do dinheiro sujo e da corrupção. Contudo, mesmo querendo fugir à pura investigação jornalística, esperava-se uma ironia mais mordaz e sobretudo um ponto de vista mais aguçado e arriscado no que diz respeito a este tema que está na ordem do dia. É apenas uma pequena visão de um microcosmos local e que pouca influência no cidadão comum: um pequeno caso de suborno e braqueamento de capitais. Finalmente, temos que esperar os últimos dez minutos para que o filme revele completamente o seu jogo de verdades e enganos, o que é bastante complicado e um pouco confuso, apesar de um imprevisível final. É sem dúvida um pouco tarde e muito pouco, para tocar o coração do espectador, com esta obra cinematográfica, que às vezes carece de um ritmo e que se apoia em fortes molas dramáticas das séries de televisão e das telenovelas. De fato, o argumento é acima de tudo uma boa oportunidade para retratar dois homens, que na verdade no fundo, são diferentes mas iguais,  que até se poderiam tornar amigos, se a sua posição não os impedisse.

Villa Caprice
Arestrup e Bruel,  conseguem encarnar na perfeição esses dois homens desdenhosos e ambíguos. ©Filmes4You

Dotado de razoáveis meios de produção, mas com uma componente mais televisiva mais marcada, ‘O Caso de Villa Caprice’ é um filme interessante, um daqueles ‘thrillers franceses à moda antiga’, com personagens ambíguos, como os  vários  interpretados por Jean-Paul Belmondo (‘O Homem do Rio’) ou Alain Delon (‘A Piscina’), mas carece, portanto, de ter uma mordida mais implacável sobre esse lado negro — ao estilo de um perfeito film noir, que os outros tinham — do mundo das elites; e sobretudo falta-lhe ser uma proposta plenamente satisfatória e consistente, que possa levar um espectador a sair de casa para ir ao cinema. É um daqueles filmes que se veria perfeitamente numa das plataformas de streaming, porque é simpático e vê-se bem. No entanto, destaca-se sem dúvida a excelência de todo o elenco: Irène Jacob, perfeita como uma mulher desesperada, para sair daquele buraco, que parece ser apenas mais um objeto de decoração da Villa Caprice; o já referido e grande Michel Bouquet — façamo-lhes aqui uma pequena homenagem póstuma — como um velho amargurado, apesar da demência e dos cuidados do filho. Finalmente, Laurent Stocker, no papel de um juiz de instrução credível e consistente nos seus interrogatórios. É efectivamente o elenco que carrega esta história que recicla a eterna ideia de que dinheiro (e o luxo) não compram a felicidade. Tal como é e correndo o risco de me repetir, ‘O Caso de Villa Caprice’ é sobretudo uma oportunidade para assistir a um extraordinário duelo de dois grandes atores Niels Arestrup e Patrick Bruel, que sustentam este filme que não é de todo essencial, mas que se vêm bem por puro entretenimento, numa destas noites de calor e insónia. 

JVM

O Caso de Villa Caprice, em análise
Villa Caprice

Movie title: Villa Caprice

Movie description: Gilles Fontaine (Patrick Bruel), um dos mais poderosos empresários da França, é suspeito de ter adquirido em condições duvidosas ‘Villa Caprice’, uma magnífica propriedade na Côte d'Azur. Para defendê-lo vai escolher um famoso e temido advogado, Luc Germon (Niels Arestrup). Em princípio aliados, logo se estabelece uma relação de rivalidade entre os dois homens, que leva a um desfecho algo imprevisível.

Date published: 10 de June de 2022

Country: França, 202o

Duration: 103 minutos

Director(s): Bernard Stora

Actor(s): Niels Arestrup, Patrick Bruel, Irène Jacob, Michel Bouquet

Genre: Drama, Thriller

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  • José Vieira Mendes - 60
60

CONCLUSÃO

Assente sobretudo num duelo de dois atores de sucesso, Niels Arestrup e Patrick Bruel, ‘O Caso de Villa Caprice’, do realizador francês Bernard Stora é uma obra agradável de acompanhar, mas efectivamente não nos oferece uma visão completa e marcante do mundo dos conluios entre as elites empresarias e políticas e da corrupção. É uma produção quase televisiva salva sobretudo pelo trabalho notável dos dois grandes atores e do elenco em geral. É um filme para ver brilhar Arestrup e Bruel e também admirar alguns dos mais belos e idílicos cenários da Cotê d’Azur, sobretudo a casa.

Pros

Vale pelo notável ‘duelo’ de interpretações dos dois protagonistas e do elenco em geral, que salvam um filme meramente agradável e que fica muito aquém das expectativas do tema proposto

Cons

São efectivamente os actores que seguram este thriller político, com uma estética e um formato televisivo, que se veria perfeitamente, sem sair de casa numa plataforma de streaming.

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