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28º Curtas de Vila do Conde 2020 | Diferente e (Muito) Especial!

Os prémios da 28ª edição do Curtas Vila do Conde foram anunciados ao final desta tarde de sol de outono no Teatro Municipal. O filme ‘Noite Turva’ de Diogo Salgado foi o vencedor-surpresa da Competição Nacional. O belo e exótico ‘The Unseen River’ do vietnamita Pham Ngoc Lân foi o vencedor do Grande Prémio da Competição Internacional.

Numa edição especial do Curtas de Vila do Conde, marcada obviamente pelas limitações sanitárias, e que terminou infelizmente com uma polémica no ar, embora não directamente ligada ao festival, que pode por em risco a produção de cinema nacional: as novas directivas europeias e contestação da Plataforma do Cinema, que exige a demissão do Secretário de Estado, por causa da definição de uma futura Estratégia do Governo para o audiovisual ter sido entregue a consultores estrangeiros. De qualquer modo, foi uma dia feliz e mais uma missão cumprida para o Curtas’20, já que a cerimónia de encerramento e a sua difícil realização adiada para este mês de outubro, fica como mais uma afirmação de que a vida, o cinema e os festivais têm de continuar para além da pandemia. Começando pela Competição Nacional, tradicionalmente a mais importante e reveladora de novos valores, efectivamente e compreende-se — já se tinha visto no IndieLisboa 2020 — não foi uma selecção particularmente grandiosa, de grandes revelações ou descobertas. E esse aspecto veio a reflectir-se também nos prémios em geral nas competições principais.

Curtas Vila do Conde
‘Nha Mila’, da jovem realizadora Denis Fernandes. ©O Som e a Fúria

Na Competição Nacional, o Prémio para o Melhor Filme foi surpreendentemente para Noite Turva, do jovem Diogo Salgado, que se estreia no festival Curtas, com uma ficção de 14 minutos, ‘em que o realizador abre espaço para o espectador ampliar os seus anseios na forma como o filme lentamente desvenda o drama’. Dois rapazes correm num campo numa espécie de jogo de apanhada, quando um deles se esconde. Para se vingar, um dos miúdos resolve ir embora e esconder a bicicleta do outro, e o único meio que o permitiria regressar a casa. Na verdade, trata-se de um elaborado e minucioso trabalho de som e imagem (a fotografia é deslumbrante ao nível dos reflexos na água por exemplo) nocturnos, (faz lembrar a técnica da ‘noite americana) à volta de uma pequena história ou desenvolvimento sobre a infância feliz e à solta, com um enorme sentido visual de puro formalismo, mas muito frágil na sua narrativa. Contudo, na Competição Nacional, foram distinguidos mais três filmes: o Prémio de Melhor Realizador foi merecidamente para Armour’, um documentário de produção luso-canadiana, de Sandro Aguilar, um realizador que é dir-se-ia que nasceu no ‘Curtas’ há 20 anos. Trata-se quase de uma viagem familiar do realizador durante uma sua residência artística no Canadá e o filme reflecte a sua vivência e a estranheza da paisagem fria, quase sempre noturna das cidades da América do Norte. Estas imagens cruzam-se com a tragédia de Hector, um tipo que nunca vemos, mas que o realizador descreve através de legendas e localizações, que tem o pai doente e quase a morrer, que a namorada o trocou por um tipo mais velho e levou-lhe o filho de onze anos. Finalmente ‘Nha Mila’, um filme estreado no Festival de Locarno 2020, da jovem realizadora Denise Fernandes, que foi a escolha do  júri do festival — presidido aliás pelo cineasta brasileiro João Paulo Miranda Maria (‘Casa de Antiguidades’, da Selecção de Cannes 2020 e, terá análise crítica aqui em breve) — para filme candidato aos Prémios Europeus de Cinema. Este filme recria uma excelente e bem urdida situação das memórias da imigração cabo-verdiana, com uma personagem feminina que tem qualquer coisa (talvez o olhar melancólico) de ‘Vitalina Varela’, de Pedro Costa. Depois de catorze anos ausente num outro país, Salomé viaja para Cabo Verde, para visitar o seu irmão que está muito doente. Faz escala no aeroporto de Lisboa, onde Águeda a empregada da limpeza das WC, a reconhece como Mila, sua velha amiga de infância. Águeda convida-a a passar as horas de escala em sua casa, com as mulheres da sua família. O Prémio do Público foi para ‘O Nosso Reino’, de Luís Costa, uma curta feita a partir da obra homónima de Valter Hugo Mãe, onde mais uma vez tal como no filme vencedor (‘Noite Turva’), é marcado por um extraordinário trabalho visual, que se apaga na fragilidade da narrativa central. Num reino maravilhoso, onde o Diabo supostamente não existe, uma criança vagueia por uma aldeia construída a pedra granítica. Quando chega a casa só encontra a morte e o silêncio dos adultos. Sente-se só, mas só chora vagueando sozinho. Estranhamente, de fora dos prémios ficaram filmes bem mais interessantes que os vencedores e que à partida eram favoritos como: o thriller ‘Um Fio de Baba Escarlate’, de Carlos Conceição (‘Serpentário’) que é quase uma longa-metragem (59’), um filme inspirado no giallos italianos, também na linha do seu anterior ‘Coelho Mau’ (2017), e que desta vez conta a irónica e divertida história da vida pacata de um serial killer de Lisboa, que se altera quando um incidente insólito o transforma subitamente numa estrela das redes sociais; ou então ‘Catavento’, de João Rosas, o terceiro episódio da vida de Nicolau (Francisco Melo), que o realizador já filmara nas anteriores curtas ‘Entrecampos’ (2012) e ‘Maria do Mar’ (2015). Há uma certa essência revivalista da nouvelle vague nesta deliciosa história de Nicolau, um jovem que terminou o ensino secundário mas que está à deriva num oceano de escolhas e possibilidades para o seu futuro. Além de melómano e curioso, é um romântico que se apaixona por cada rapariga com que se cruza.

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‘Armour’, de Sandro Aguilar, ganhou o Melhor Realizador | ©O Som e a Fúria

O Grande Prémio do Curtas 2020 foi atribuído a ‘The Unseen River’, [O Rio Invisível] do realizador vietnamita Pham Ngoc Lân. Depois de ‘Blessed Land’ (2019), também exibido em competição no Curtas, Pham Ngoc Lân, um jovem realizador formado em arquitetura e urbanismo, regressa novamente com um olhar crítico sobre o seu país, explorando as relações metafóricas entre tempo, sonho e rio, num filme de ficção, de 23 minutos. São várias histórias contadas ao longo de um rio: uma idosa viaja rio acima até uma central hidroelétrica para encontrar um homem que foi seu amante uma vez por uma noite há 30 anos; um rapaz que não consegue dormir viaja rio abaixo até um templo à procura de encontrar um monge que lhe cure a sua insónia.

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‘Casa de Antiguidades’, do presidente do júri João Paulo Miranda Maria. | ©Be Bossa Entertainment

Na Competição Internacional foram ainda entregues outros galardões: Prémio Ficção a ‘Dustin’, de Naïla Guiguet, de França: passa-se num armazém abandonado, onde uma multidão dança em uníssono um techno que invade o espaço. No centro está Dustin, personagem transgénero, e o seu grupo de amigos. À medida que a noite avança, a histeria coletiva transforma-se em doce melancolia e a euforia em necessidade de ternura; o Prémio Documentário a ‘Hidden’, uma produção franco-iraniana de Jafar Panahi — realizador distinguido em Cannes, Berlim e Veneza, a quem o regime iraniano impôs restrições de movimentos, por duas décadas — que ele próprio parte para um encontro com uma rapariga da qual lhe chegam notícias que possui uma belíssima voz, mas que por causa de restrições familiares e religiosas mantém-se reclusa em casa e esconde o seu talento. Panahi filma essa rapariga – ou melhor, a sua voz – e o resultado é verdadeiramente surpreendente. O Prémio Animação foi para ‘Elo’, da luso-francesa, Alexandra Ramires, (‘Agua Mole’ de 2017, em parceria com Laura Gonçalves) numa ‘viagem melancólica e poética sobre o medo e a descoberta: certa noite, o encontro entre um homem com uma cabeça pequena num corpo grande e uma mulher com uma cabeça grande num corpo pequeno ajuda-os a vencer os medos e a aceitar os seus ‘defeitos’ como sensibilidades singulares’. O Prémio do Público foi atribuído à animação ‘Physique de la Tristesse’, de Theodore Ushev, um filme baseado no romance do escritor Georgi Gospodinov, o filme conta a história de um homem que recorda as suas memórias de infância na Bulgária, a participação na guerra e a melancolia de uma idade adulta passada no Canadá, enquanto luta para entender o significado e o propósito da sua vida. Destaque ainda para a competição Take One, dedicada a filmes produzidos em escolas de cinema, que na edição deste ano teve como vencedor ‘I Don’t Like 5PM’, de Francisco Dias, da Escola das Artes – Universidade Católica Portuguesa, enquanto que o Prémio para Melhor Realizador foi para Lucas Tavares da UBI Cinema – Universidade da Beira Interior. Na Competição Curtinhas, que engloba filmes dedicados a um público infanto-juvenil, o prémio foi atribuído a ‘To: Gerard’, do norte-americano Taylor Meacham, enquanto o Prémio My Generation, destinado à faixa etária entre os 14 aos 18 anos, foi arrecadado por ‘I Julia’, de Arvin Kananian, da Suécia. Na vertente dos vídeos musicais, ‘Batida Ikoquwe – Vaivai’, de Pedro Coquenão e Manuel Lino, arrecadou o prémio, enquanto que ‘South’, de Morgan Quaintance, do Reino Unido, venceu na categoria do Prémio Experimental.

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O Grande Prémio do Curtas 2020 foi atribuído a ‘The Unseen River’, [O Rio Invisível] do realizador vietnamita Pham Ngoc Lân. | ©Curtas Vila do Conde

Esta 28ª edição do Festival Curtas de Vila do Conde, que arrancou a 3 de outubro e terminou hoje dia 11, teve 48 filmes em estreia nacional, na seleção oficial para a competição internacional e experimental, apesar de todas as condicionantes teve uma representação elevada de público e de profissionais nacionais, teve uma organização mais uma vez impecável e super-segura dentro das limitações sanitárias, e sobretudo tem já tem a sua próxima edição marcada para as datas habituais 10 a 18 de julho de 2021, com o regresso do cinema e das curtas-metragens às salas, com ou sem Covid-19.

JVM

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