Easy

11ª Festa do Cinema Italiano | Easy, em análise

Easy” é uma comédia negra que estreou, no ano passado, no Festival de Locarno, estando agora em competição na 11ª edição da Festa do Cinema Italiano.

Isidoro, que dá pelo nome de Easy, tem 35 anos e vive com a mãe. Em tempos, ele foi uma estrela prometedora no circuito das corridas automobilísticas em Itália, mas esse passado já não é nada mais que uma dolorosa lembrança pois, quando começou a engordar, Easy perdeu toda a carreira desportiva. Atualmente, a dor dessa perda é uma das muitas infelicidades que o terão colocado num estado de depressão, mergulhando-o também numa profunda apatia. Para ser bem franco e um pouco indelicado, Easy parece um zombie obeso e com uma barba farfalhuda que nada mais faz do que olhar vitreamente para os seus supostos entes queridos e recusar-se a fazer o que quer que seja pela sua vida.

A história propriamente dita de “Easy”, a primeira longa-metragem narrativa de Andrea Magnani, começa quando o nosso protagonista apático é forçado a sair do seu estado de apatia estagnada. O catalisador para tal evento é Nico, seu irmão mais velho, que visita a casa da mãe aquando do seu aniversário. A celebração é um tanto ou quanto caricata, com a matriarca a tentar impedir o seu filho mais novo de comer o bolo e a dar ao primogénito um colete com o número 1 tricotado no tronco. Num pormenor de imensa crueldade, mesmo que a numeração seja somente um indicativo da ordem do seu nascimento, Easy veste uma peça semelhante com um 2.

easy critica festa do cinema italiano
“(…)montra para os talentos de Magnani enquanto construtor de imagens e ritmos cómicos.”

Independentemente de tais sobremesas conflituosas ou insultos tricotados, Nico aproveita a visita para explicar a Easy que precisa da sua ajuda. O homem mais velho é um empreiteiro e um dos seus trabalhadores morreu num acidente inesperado nas obras. Sendo o falecido ucraniano, há necessidade de transportar o corpo até ao seu país de origem, para o entregar à família, por muito remota que seja a sua localização. É essa a missão de Easy que, longe de se por atrás do volante para competir em corridas arriscadas, tem agora de lutar contra a sua depressão à medida que cruza a Europa de Leste com um caixão nas traseiras do carro.

Ao longo do caminho, como não podia deixar de ser, Easy encontra uma série de personagens coloridas e envereda por uma coleção de situações insólitas. A certa altura ele até desce um rio traiçoeiro montado em cima do caixão flutuante e esse nem é o mais estranho percalço que se manifesta na sua odisseia. Enfim, esta é a clássica viagem do herói, subvertida pelo protagonista deliberadamente anti-heróico com que Magnani agracia os seus fiéis espectadores. Esta é, afinal, uma comédia negra, por muito que ocasionalmente possa parecer um road movie aventuroso mesclado com um sério estudo de personagem.

Não que “Easy” não se inclua também nesses subgéneros e categorizações, mas é o impulso cómico que marca toda a construção do filme. Ou melhor, é a modulação de um estilo cómico, lentamente resvalando para algo mais sério e melancólico que orienta a formalidade de “Easy”, que é uma fabulosa montra para os talentos de Magnani enquanto construtor de imagens e ritmos cómicos. O seu uso de composições rigidamente simétricas e montagem que salienta as reações secas das personagens é de particular destaque. Não há melhor exemplo disso que a refeição familiar e a discussão passivo-agressiva acerca do bolo de aniversário de Nico.

No entanto, quando a viagem de Easy mais se emaranha pelas terras ucranianas, mais o estilo do filme se vai alterando. As composições simétricas persistem e a sua rigidez contrastada com as paisagens deprimentes e cinzentas desse país da Europa de Leste são, de algum modo, ainda mais soturnamente cómicas que as imagens de Itália. Mas nessa miséria risonha aparecem também sugestões de grandiosidade e fantasia, como se, na sua odisseia, Easy se estivesse a afastar da realidade e na direção de uma dimensão mais fantástica. Uma cantina industrial, por exemplo, é banhada numa luz âmbar e filmada em composições que exacerbam as suas dimensões monumentais, dando a impressão de que Easy de repente se encontra em alguma caverna ancestral onde o pesadelo e o sonho se podem tornar palpáveis. Conjugando-se esta componente fantasmagórica com a forma como o filme vai definindo a personagem do morto ao mesmo tempo que define a redenção de Easy, resulta num filme que parece quase assombrado por aparições espectrais invisíveis.

easy critica festa do cinema italiano
“(…)um filme que parece quase assombrado por aparições espectrais invisíveis.”

Por muito humilde e simples que a história de “Easy” possa ser, o facto é que a inteligência formalista de Mangani nunca seria suficiente para dar valor ao filme ou tornar o seu jogo tonal em algo coerente. Esse desafio cai sobre os ombros de Nicola Nocella, um comediante italiano que aqui demonstra não só os seus dotes como herói tragicómico como a sua capacidade para construir um delicado arco de personagem. Os outros intérpretes do filme não lhe ficam muito atrás, mas há algo de magnético na expressão cabisbaixa de Nocella, na sua postura resignada e constante ar de depressão personificada. No seu trabalho, a viagem de Easy torna-se numa realidade tão comovente como cómica e não nos referimos à sua aventura com o caixão, mas sim à sua redenção pessoal e luta interior contra os seus próprios impulsos mais malignos e venenosa apatia.

 

Easy, em análise
easy critica festa do cinema italiano

Movie title: Easy

Date published: 12 de April de 2018

Director(s): Andrea Magnani

Actor(s): Nicola Nocella, Libero De Rienzo, Barbara Bouchet, Ostap Stupka, Veronika Shostak, Katheryna Kosenko

Genre: Comédia, 2017, 91 min

  • Cláudio Alves - 70
70

CONCLUSÃO

“Easy” é uma odisseia europeia com um herói muito improvável que, não obstante os seus problemas psicológicos, é forçado a acordar para a vida de modo a honrar o legado de um homem morto que nunca conheceu em vida.

O MELHOR:
A prestação de Nicola Nocella.

O PIOR: O filme é bastante repetitivo em termos estruturais e, por muito brilhante que seja a sua construção da personagem que é Easy, a apatia do herói acaba por resultar num filme inicialmente seco e sem grande energia.

CA

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