Entrevista: Como ganhar uma campanha eleitoral?

 

Fala-se muito de política – particularmente numa altura em que saímos de umas eleições legislativas e estamos a caminho das presidenciais em janeiro de 2016. Portanto não podia ser mais oportuna esta estreia em Portugal do filme ‘Profissionais da Crise’, de David Gordon Green, um filme sobre os profissionais da comunicação, que estão por detrás das vitórias (e também das derrotas), nas campanhas eleitorais. A MHD falou com um destes profissionais portugueses, Rodrigo Moita de Deus, sobre o filme e sobre o seu trabalho, já pleno período de pré-campanha eleitoral para as presidenciais.

 

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P.: No filme os responsáveis pelo marketing político chama-se ‘Profissionais da Crise’. Em Portugal já ouvi chamarem-lhe estrategas de campanha, consultores de imagem, porque não estão propriamente a fazer uma gestão de crise. No fundo qual é a diferença e qual o nome mais adequado para estes profissionais da comunicação?

R.: Temos sempre esse problema de tradução com os filmes. O original é “our brand is crisis”. E remete para a estratégia desenhada pelos consultores para o candidato. Em vez de “promoverem” o candidato, promovem a crise do país. Mas respondendo à pergunta, utilizamos o termo consultores de comunicação.

 

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P.:O filme parte de pressuposto de um candidato à presidência, muito em baixo nas sondagens, que contrata uma equipa de especialistas e acaba por ter êxito nas eleições. Acha que isso seria possível numa democracia como a nossa ou apenas  em países que depreciativamente chama-mos uma ‘república das bananas’?

R.: Portugal é um dos países com maior fidelização eleitoral e onde as oscilações em campanha raramente passam os 8%. Mas Portugal é mais exceção que regra. Em países como a Inglaterra ou Estados Unidos podemos ter mais do que isso.

 

P.: De qualquer modo e sabendo que o segredo é a alma do negócio, como é que se consegue isto? Sempre fui um pouco céptico em relação a estas coisa do marketing político, mas nas última eleições em Portugal vi de certo modo as intenções de voto mudarem em cerca de 6 meses. O que aconteceu?

R.: Costumo dizer que as eleições decidem-se antes das campanhas. E que o ideal é termos 4 anos de campanha em vez de 4 semanas. E quando tudo corre bem estas alterações de sentido de voto dão-se quando o eleitorado é confrontado com a necessidade de escolher (daí os seis meses).

 

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P.:Os especialistas portugueses são tão agressivos como no filme ‘Profissionais da Crise’? Usam-se todos os meios para alcançar os fins ou existe uma certa ética? Impera a lógica do vale tudo? Afinal de contas estamos a comunicar e acima de tudo está o interesse das pessoas e dos cidadãos?

R.: Em Portugal, as campanhas pela negativa nunca deram grande resultado. Pelo contrário. Nesse sentido temos um país único. E onde o escrutínio é imenso. Mas a questão da agressividade não é um problema dos profissionais ou da profissão. A política tem sempre paixão. Às vezes demasiada. Como o futebol.

 

P.:Na verdade estes profissionais da comunicação não tem ideologia, certo? Não são de esquerda nem de direita? Não serão um pouco como os treinadores de futebol?

R.: Pelo contrário. Antes de serem consultores políticos quase todos estiveram ligados à política de alguma maneira. E por isso profundamente politizados. Uns podem optar por trabalhar só com um partido outros podem tomar a opção de trabalhar com todos.

 

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P.:Falando um pouco da história das campanhas políticas em Portugal sabia que foi a esquerda (creio que Mário Soares, na primeira candidatura à PR) a usar uns consultores americanos?

R.: Faz sentido. Vivíamos o tempo em que o Partido Socialista era um obstáculo para um triunfo Comunista. 

 

P.: Agora porque está na moda usar sobretudo os consultores brasileiros? Você é uma excepção suponho?

R.: Há mais exceções e não diria que é uma moda. O recurso a profissionais de outros países é saudável. Como também há alguns portugueses a trabalhar no Brasil. A grande diferença é que o “mercado” brasileiro é bastante maior. Mais eleições, mais candidatos, mais eleitores e orçamentos muito maiores. Muito maiores. E por isso muito mais experiência. Em Portugal temos os partidos que são, por si só, grandes escolas de campanha política com os seus próprios recursos.

 

P.:Voltando ao filme a dada altura e quase no final a Jane diz para o miúdo boliviano: se os votos fossem importantes eles (os políticos), acabavam com isso. Na realidade é isto que os políticos e os consultores pensam? Acha que é mesmo possível condicionar (manipular) o eleitorado? Já não é o povo quem mais ordena?

R.: Se é possível condicionar e manipular? É. Claro. Como em qualquer outra coisa na vida. E, no entanto, a história ensina-nos que esses atalhos têm sempre um custo elevadíssimo a médio longo prazo. É olhar para o caso concreto da Bolívia e do que se passou depois daquelas eleições. 

 

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P.:Há uma coisa que no filme me parece que foi de alguma forma esquecida, talvez porque isso não tenha tanta força em países como a Bolívia: as redes sociais e a internet. Hoje é sem dúvida muito importante numa campanha política? Em que medida?

R.: Cada vez mais importante. As redes sociais e o online são cada vez mais fonte de informação dos cidadãos e instrumento na formação da sua opinião e de escrutínio da ação política. Acresce que por ser absolutamente bidirecional é ainda mais eficaz que qualquer outro media. Mas isto não significa que o nosso grupo de amigos no facebook possa servir de amostra do país. Não serve.

 

P.:Aqui há uns anos, creio que 1998, um diretor de uma estação televisiva fez umas declarações muito polémicas: ‘Uma estação que tem 50% de share vende tudo, até o Presidente da República! Vende aos bocados: um bocado de Presidente da República para aqui, outro bocado para acoli, outro bocado para acolá, vende tudo! Vende sabonetes!’  Estas declarações foram do Emidio Rangel, então director-geral da SIC no documentário ‘Esta Televisão é a Vossa’, da Mariana Otero para o canal ARTE e emitido também pela SIC. Lembra-se? O Rangel estava a fazer ‘futurologia’ ou isto já não era uma novidade?Sei que está a trabalhar com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, concorda com esta afirmação?

R.: Esse soundbite ficará para a história. E até parece que isso – vender um político como se fosse um sabonete – é possível. E, no entanto, ninguém olha para a composição de um sabonete. E um político é escrutinado. Diariamente. E quando está em funções, cada palavra, cada gesto, cada decisão que toma, é escrutinada em direto e ao vivo. As eleições não se ganham nas campanhas. Perdem-se nas campanhas.

 

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