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MANK, em análise

“Mank”, o novo filme de David Fincher sobre o argumentista de “Citizen Kane”, chegou à Netflix e há tanto de bom, como de mais ou menos.

Quando “Mank” começa, há um conjunto de pormenores que nos fazem perceber de forma imediata que Fincher escolheu um caminho diferente do habitual no que toca ao seu estilo fílmico. Uma pequena nota introdutória, contextualiza de forma breve o cenário geral do qual nasceu “Citizen Kane” e do negro, damos fade in num plano de um céu coberto de nuvens, entra a música, entra o título e estamos no filme, mas mais importante que isso, estamos também, de volta aos anos 40. Desde a maneira como os créditos escorrem pelo ecrã, até ao tipo de letra escolhido, todas as escolhas foram feitas para replicar um filme antigo. Os créditos continuam, mas a cena muda, agora, acompanhamos um carro que acelera por estradas desérticas e é aqui que a brilhante fotografia de Erik Messerschmidt se começa a fazer notar, as nuvens de pó à passagem do carro, premonizam as densas nuvens de fumo sempre presentes ao longo do filme, que dão à luz toda uma nova dimensão de presença.

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Quando os diálogos entram, reparamos que há algo característico relativamente ao som do filme, uma rápida pesquisa, diz-nos que o mesmo foi gravado em mono, replicando mais uma vez as tecnicalidades dos filmes antigos. É importante que se note estes paralelismos, pois Fincher decidiu introduzir no seu filme todo um conjunto de características, tanto técnicas como conceptuais, que são reminiscentes do original, “Citizen Kane”. Estes paralelismos, encontram-se na montagem, no cenário, na estrutura e no próprio guião. Note-se, por exemplo, a enorme quantidade de luzes espalhadas pelos diversos cenários e a maneira como estas são usadas para as transições, as mesmas são escurecidas, numa espécie de fade out natural, que permite destacar por breves momentos um personagem, depois de o cenário e personagens envolventes estarem já no negro, onde esta escolha difere do original, é na existência de diversos flares, que estão presentes ao longo de todo o filme e que contribuem, não só para a beleza estética do mesmo, como também para a criação de um ambiente onírico.

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Tom Burke interpreta de forma robusta, Orson Welles | © Netflix

No final de “Citizen Kane”, ao ser questionado sobre o que descobrira sobre Kane, Jerry Thompson compara a sua investigação a um puzzle impossível de montar, em “Mank”, alguém se refere ao guião de Mankiewicz como “uma confusão de cenas faladas” e não poderia estar mais perto da verdade, porque “Citizen Kane”, é, no fundo do seu ser, um conjunto de cenas que saltam entre o passado e o presente fílmico. Em mais um paralelismo pouco subtil, “Mank”, segue o mesmo caminho. Ao longo do filme vamos cortando entre cenas que acontecem durante a escrita do guião e cenas que nos mostram acontecimentos relevantes do passado de Mankiewicz e que contribuíram, de uma forma ou de outra, para o produto final que foi o guião de “Citizen Kane”. Com uma estrutura povoada de analepses que não seguem uma ordem cronológica, poder-se-ia pensar que a narrativa é propícia a alguma confusão, no entanto, tal como em “Citizen Kane”, este não é o caso, pois todos os segmentos dirigem a história para um destino, e à chegada, os pontos estão todos nos i’s.

A Banda sonora do filme é novamente composta por Trent Reznor & Atticus Ross, que compuseram a música dos últimos filmes de Fincher. Desta vez, os dois músicos trocaram os sintetizadores por instrumentos de época, numa tentativa de autenticar o período retratado e de inserir a banda sonora no estilo da banda sonora de “Citizen Kane”. Em boa verdade este não é um dos melhores trabalhos dos compositores, mas não deixa de ser interessante ouvir as influências de tempos antigos, conjuntas com as características habituais das composições de Reznor e Ross e mesmo com algumas faltas, há aqui muito de bom para se ouvir.

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Amanda Seyfried como Marion Davies, numa excelente interpretação | © Netflix

“Mank” é um filme que merece ser visto, no qual a beleza se encontra nos pequenos detalhes que nos transportam para os tempos dourados do cinema, seja a música, o som, a fotografia, os créditos, ou os pequenos sinais que vão aparecendo no canto do ecrã e que replicam os sinais colocados nos filmes antigos que informavam o projeccionista da aproximação da troca de bobine. Muitas das cenas têm um ritmo frenético, com a câmara e os personagens em constante movimento, passando uma ideia clara do ritmo de vida acelerado que se vivia nos estúdios. Os actores fazem aqui um belíssimo trabalho pegando nas características das suas personagens e tornando-as credíveis, desde os mais subtis traços de personalidade, aos mais óbvios tiques corporais ou de voz. Um ponto a favor , é o contexto económico, político e social que o filme apresenta. Retratando um período em que Hollywood era gerido pelo dinheiro e por ideais políticos, e a América atravessava um grave período de crise económica, “Mank” mostra-nos como estes factores influenciaram “Citizen Kane”, do ponto de vista da personalidade tumultuosa de Mankiewicz e da sua perspectiva e relações com aqueles que faziam parte da sua vida professional e social.

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Onde este filme peca, é na capacidade de sobressair no meio de tantos outros. Chegado o fim, sente-se que se viu uma história interessante, sobre um personagem interessante, mas não há grande coisa que diferencie o filme de outras obras sobre o tema. Os diversos paralelismos técnicos e conceptuais com “Citizen Kane”, servem aqui, assume-se, como uma homenagem, mas importa referir que neste tipo de filmes, no que toca a homenagens, entra-se em terreno perigoso, pois é difícil traçar a linha que divide uma homenagem de uma cópia, em “Mank”, essa linha não é ultrapassada, mas fica muito perto do limite e se no início todos os paralelismos são divertidos, a partir de um certo ponto tornam-se apenas num regalo para a vista.

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Gary Oldman num desempenho brilhante como Herman J. Mankiewicz | © Netflix

No fim, “Mank” não é um mau filme, mas também não é muito bom, é bom, só e apenas. Há aqui muito que apreciar para os fãs de “Citizen Kane”, para os fãs de guionismo, para os fãs de Orson Welles e para os fãs de cinema, para os demais, talvez não seja bem assim, mas isso é lá com eles.

“Mank” está disponível na Netflix. O que achaste do filme?

 

  • Duarte Gameiro - 73
  • Virgílio Jesus - 70
72

CONCLUSÃO:

Mank é um bom filme, com uma história bem contada, num estilo interessante, mas que infelizmente não sobressai no meio dos seus iguais.

O MELHOR: De um ponto de vista técnico e conceptual, somos transportados para o período do filme e o próprio apresenta uma boa máscara de “filme antigo”.

A prestação dos actores

A música de Trent Reznor & Atticus Ross

As temáticas abordadas

Os diálogos

O PIOR: Falta de algo que distinga o filme de outros projectos biográficos sobre o tema.

A falta de fluidez da montagem

O uso exagerado de referências a “Citizen Kane”

DG

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