Madrugada | © Family Film Project

Family Film Project | Entrevista a Né Barros

O Porto volta a receber mais uma edição do Family Film Project e a sua diretora, Né Barros, contou à MHD todas as novidades deste ano.

Estamos habituados, cada vez mais, a assistir a grandes festivais de cinema que exibem produções dispendiosas com elencos de luxo e muitas vezes nos esquecemos que a gravação de um filme está ao alcance de todos nós, bastando apenas a existência de uma câmara de filmar, nem que seja do telemóvel. Os chamados ‘filmes caseiros’ fazem parte da nossa vida desde sempre e possuem, por vezes, conteúdos bastante relevantes e importantes para a construção da nossa identidade. Não importa se fazemos a gravação de um evento importante, como a visita a um país novo, ou se apenas gravamos o dia-a-dia da nossa avó, estas filmagens são essenciais para a preservação da memória e do espaço íntimo de cada um. Através do arquivo destas imagens, é-nos possível aceder a uma enriquecedora forma de conhecer a etnografia de uma região maior ou de um lugar particular. O problema é que, muitas vezes, esta forma de fazer cinema fica abafada pela indústria mainstream o que acaba por diminuir o espaço de partilha destes conteúdos. Com o objetivo máximo de preservar e arquivar estas memórias tão importantes para a identidade de um povo, foi criado, em 2012, o Family Film Project – Festival Internacional de Cinema de Arquivo, Memória e Etnografia.

Com um notável sucesso ao longo dos anos, o Festival regressa este mês à Cidade do Porto para celebrar a sua 11ª edição. Para melhor ficarmos a conhecer as novidades deste ano, a MHD esteve à conversa com Né Barros, a diretora deste projeto!

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Family Film Project
© Family Film Project

MHD: Para quem não conhece o Family Film Project, o que é que nos pode contar sobre este festival? 

Né Barros: O Family Film Project é um festival internacional de cinema que vai na sua 11ª edição, e que teve como ponto de partida a pesquisa de trabalhos que pudessem questionar e ajudar-nos a entender e a pensar melhor o que é o ‘Arquivo’, a ‘Memória’ e a ‘Etnografia’. Portanto, digamos que o festival foi concebido para se concentrar nestas três dimensões e, a partir daqui, criar uma estrutura que pudesse gerar diferentes acessos a este tipo de questões. Fazendo conviver simultaneamente aquilo que podem ser considerados os home movies, o found footage, o documentário mais etnográfico e produções amadoras com produções profissionais. Ou seja, independentemente da origem, desde que o objeto se foque nestas questões da imagem, da produção da imagem e do espaço da intimidade e que problematize esse espaço da intimidade e do olhar subjetivo, interessava-nos criar uma espécie de uma grande mostra em tom de festival para poder partilhar com o público. 

Nós decidimos realizar uma estrutura para o Festival, que se mantém praticamente todos os anos e que é constituída por uma secção competitiva. Esta secção competitiva parte de um open call internacional, sendo que nesta 11ª edição, vamos ter 21 países representados e cinco filmes nacionais. Esta secção competitiva divide-se numa secção que nós lhe chamamos ‘Vidas e Lugares’, que é um conjunto de filmes que nos permite aceder a modos de vida e a sua relação com os espaços e com os lugares. Depois, temos uma secção que é o ‘Arquivo e a Memória’, que normalmente é mesmo de filmes que usam material de arquivo, o chamado found footage, e que reinterpretam este material. E temos também uma secção que é mais de ‘Ficção e Animação’ que tem, portanto, pontos de partida sobre questões da família, no sentido mais abrangente do termo.

Soy Nino
Soy Niño | © Family Film Project

Para além desta secção competitiva, temos um espaço reservado a realizadores convidados e temos um foco muito importante sobre um determinado artista. Este ano vai ser sobre a Catarina Alves Costa, precisamente pela sua relação e pelo seu duplo olhar como realizadora e como antropóloga. Portanto, vão haver várias sessões em torno da obra dela. Interessou-nos mais os filmes da primeira fase do seu trabalho, mas depois também vai ser completado com a masterclass da Catarina e mais uma conversa com Humberto Martins que irá dirigir e ajudar-nos a aprofundar o trabalho da Catarina Alves Costa. Para além do foco do artista convidado, temos também outros artistas convidados, como a Núria Giménez, que é uma realizadora que é convidada para fazer uma masterclass e também para apresentar o seu trabalho. Temos também uma mostra de filmes experimentais e uma masterclass que irá ocorrer no sábado, portanto, no último dia do Festival, dirigida por Peter Freund, e também será interessante perceber como é que o material de arquivo pode ser trabalhado de uma forma mais subjetiva, mais abstrata, não tão ligado ao lado da mensagem ou do informativo. Temos também uma secção dedicada aos mais jovens e que será dirigida pela Tânia Dinis, uma artista que tem convivido e colaborado com o festival de diferentes formas. Para além desta oficina que ela vai fazer com as crianças, também terá um filme em competição.

Temos ainda um ciclo de performances que chamamos private collections e é parte de um desafio que nós fazemos a alguns artistas convidados para trabalharem eles próprios este espaço de intimidade do seu espaço pessoal, da Memória e do arquivo, mas através da performance. Nesta secção vamos ter o Sérgio Leitão, a Bibi Dória, o Paulo Pinto e a Ece Canly, que serão os artistas convidados para esta parte performativa. Por fim, uma última referência muito importante é o filme-concerto, intitulado “Heróis do Mar”, que parte da reconstrução de um filme que foi o primeiro filme nacional dedicado à pesca do bacalhau e que terá a Comunidade e a Orquestra Gafanhense para poder apresentar este filme-concerto no Coliseu. Portanto, também será um momento bastante importante.

Heróis do Mar
Heróis do Mar | © Family Film Project

MHD: Na edição anterior, o Family Film Project homenageou um cineasta sueco, este ano será a Catarina Alves Costa… Como é que é feita a escolha da pessoa homenageada?

Né Barros: No fundo, sendo o nosso Festival dirigido a um determinado tipo de temática, interessa-nos convidar realizadores que possam ajudar a compreender o que é que é este trabalho sobre o espaço da intimidade e o espaço familiar, como é que a família se altera e se transforma e se ficciona através do olhar destes artistas e como é que eles problematizam a memória. Portanto, o território é configurado e é mais dirigido para estes temas e depois nós vamos tentar pesquisar e investigar autores que nos possam ajudar a pensar isto e também que sejam interessantes partilhá-los e divulgá-los junto do público. Tanto temos artistas nacionais, como podemos ir buscar figuras internacionais, umas mais conhecidas que outras, desde grandes vedetas e grandes nomes que possam estar na historia do cinema como aconteceu logo na primeira edição, com o Jonas Mekas, mas também com o Östlund, que, por exemplo, ainda agora foi premiado em Cannes. Portanto, podem ser figuras maiores, em termos internacionais de reconhecimento, mas para nós, o importante mesmo é a obra que eles produzem e de que forma é que essa obra nos vai ajudar a pensar as imagens deste ponto de vista e principalmente num momento onde somos inundados por imagens. Aliás, há um filme na competição que ele próprio parte desta ideia do vlogging, que é uma espécie de blogue, mas feito com vídeo, precisamente como forma de questionar o que é que nós queremos fazer com estas imagens todas de registo do nosso quotidiano. E, portanto, também é interessante pensarmos em conjunto sobre estas questões. 

Catarina Costa
Catarina Alves Costa | © Family Film Project

MHD: Estamos aqui a falar que na edição passada tivemos um cineasta sueco, porque na verdade, o Festival nunca parou, apesar da pandemia…

Né Barros: Exatamente! Tivemos sorte de não termos que fazer o Festival via streaming, por exemplo. A única coisa que se passou é que o ano passado, ainda com resquícios da pandemia, tivemos algumas sessões das masteclasses com público via videoconferência, mas os convidados estiveram sempre presentes apesar dessa distância. E o Festival pôde-se realizar, na sua maioria, presidencial. Foi mesmo conseguir escapar entre as ‘gotas da chuva’. Mas conseguimos realizá-lo. Passado pouco tempo, fechou tudo outra vez. 

MHD: Esta é uma pergunta com uma resposta um bocado óbvia, mas como é poder voltar a ter um festival em pleno, sem quaisquer restrições, e poder voltar a ter o contacto com o público? 

Né Barros: É bastante gratificante poder estar de novo em contato mais direto com o público, com esta comunicação mais de sangue, de calor, mais imediata e menos mediada da imagem. As coisas fluem, de facto, de outra forma estando ao vivo. Até porque nós, como mantemos dentro do próprio Festival, um lado performativo, a presença aqui é fundamental. Na parte dos filmes, partilharmos a mesma sala de cinema é diferente do que estarmos a ver filmes através de um ecrã. 

MHD: Para terminar, existe algum destaque que queira tornar mais relevante ou alguma novidade desta nova edição que queira destacar? 

Né Barros: Eu não destacaria, neste caso, nenhum evento em particular, sendo que todos eles me tocam de uma forma especial. Ao termos uma secção performativa, que temos desde as performances até um filme-concerto, o foco na artista convidada e, uma mostra de cinema experimental, portanto, se calhar diria que estes três eventos devem ser assinalados, mas claro que toda a sessão competitiva é um bom momento para as pessoas se sentarem e usufruírem de muitas propostas diferentes, que, digamos, fazem parte de circuitos alternativos e que são momentos únicos para poderem desfrutar deste tipo de filmes

Family Film Project
© Family Film Project

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