"Dear Future Children" | © FEST

FEST ’21 | Dear Future Children, em análise

Dear Future Children” segue três jovens ativistas num panorama contemporâneo onde a revolta vibra nos corações da juventude. O realizador Franz Böhm apresentou o filme em competição pelo Lince de Ouro. Infelizmente, esta foi a única longa-metragem documental que não ganhou um único prémio neste FEST 2021.

Dividindo as suas atenções entre três indivíduos, três continentes, e três causas distintas, “Dear Future Chidren” tenta retratar a luta das gerações mais novas por um mundo melhor. Na sua primeira longa-metragem, Franz Böhm, com somente 21 anos, mostra enorme ambição, mas o seu engenho cinematográfico não está totalmente à altura do desafio. Contando histórias em paralelo, há uma clara vontade de capturar um momento histórico. Contudo, as interligações dos muitos fios ideológicos são difíceis de apurar num discurso que vibra pela convicção e sofre uma forte falta de nuance.

Em Hong Kong, Pepper luta pela democracia sem nunca mostrar a cara descoberta à câmara. Uma máscara tapa-lhe sempre metade do rosto, mesmo em tempos pré-COVID. Também seu nome real nos é recusado, havendo sempre uma paranoia a reverberar pelas suas passagens. Mesmo nessa confidencialidade, ela convida-nos a ver a ingenuidade e a coragem dos seus companheiros nas manifestações pró-democracia em Hong Kong, reivindicando a independência governamental da região face à opressão do governo de Pequim.

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Resguardando-se com guarda-chuvas contra o gás lançado pelas autoridades, Pepper e seus colegas, também eles anónimos, fazem da cidade um campo de batalha. Em salas secretas e escuras, ases das tecnologias criam redes de informação para ajudar os aliados a fugir à violência policial e muito se fala em revolução. De igual forma se fala numa falta de esperança consumptiva, uma fé quebrada para com as gerações mais velhas que vêm, indiferentes, enquanto os jovens lutam pelo futuro que lhes está a ser roubado todos os dias.

A luz de Pepper vai esmorecendo à medida que a história se desenrola, sua esperança perdida entre a escuridão das forças autoritárias da China. Gradualmente, vamos percebendo que, para esta revolucionária, a revolução fracassou. Depois de tudo o que fizeram, nada mudou para melhor. O anonimato revela-se uma necessidade pois, atualmente, Pepper vive como refugiada fora da terra natal. Essa revelação é uma das notas mais amargas de “Dear Future Children”, uma revelação de derrota que contraria o modelo inspirador do documentário e lhe dá complexidade.

No Chile, as especificidades da causa são diferentes, mas a ideia base é a mesma. Injustiças sociopolíticas têm-se vindo a intensificar ao longo dos anos, o fantasma de Pinochet mantendo mão firme sobre a legislação contemporânea. Quando os preços dos transportes sobrem para quantias inconcebíveis e a água continua a ser privatizada de forma sistemática, os trabalhadores menos abastados vêm-se forçados a contra-atacar. No meio de tudo isto, os mais jovens são os guerreiros mais ferrenhos. De novo sentimos o desespero de quem vê o seu futuro a escapar, como se tentassem agarrar fumo.

Rayen é a heroína desta secção sul-americana de “Dear Future Children” e, apesar da convicção, falta dinâmica à sua palavra. Algumas das narrações off-screen, sempre em inglês, pecam pela articulação artificial. Sentimos que ela lê guiões escritos por outras pessoas ao invés de expressar sua mesma perspetiva. No entanto, cada composição que realça seu olhar diz mais do que mil palavras poderiam. Há fúria e há bravura, mas também há o medo de quem teme o fracasso mais do que teme a morte. Falta contextualização à história que vibra na imagética e pouco mais.

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Por fim, “Dear Future Children” retrata a luta de Hilda no Uganda. Se as narrativas do Chile e Hong Kong pareciam rimar na sua luta contra as cicatrizes tirânicas do passado, o terceiro elemento do filme foca-se na catástrofe climática que se abate sobre as nossas cabeças. Também em gesto diferenciador, a história de Hilda não se resume à luta nas ruas da sua nação, transcendendo a insularidade das fronteiras e lançando-se no palco mundial. A causa dela não se refere só ao futuro do Uganda, mas sim o futuro de todo o mundo. Indo mais além, ela é a única pessoa no filme que termina a fita com alguma esperança viva em sua alma.

Além do mais, é nesta vertente africana que o documentário melhor contextualiza os esforços da ativista, não cedendo ao anonimato necessário de Pepper ou à abstração chilena. Em alguns dos momentos mais comoventes, testemunhamos quanto Hilda pondera os sacrifícios da família, quanto ela tem de refletir sobre o que está a abdicar em nome do ativismo. Mais do que contar sua história individual, esta jovem apresenta-nos à comunidade e convida a partilhar seu amor. Há um otimismo necessário na sua perspetiva que só faz com que a força revolucionária seja mais sentida, seus gritos reverberando pela audiência.

Fugindo à estrutura de capítulos, Böhm vai saltando entre estas três mulheres e pouco faz para sugerir aquilo que as liga além da idade, o género e, de forma geral, o ativismo enquanto vocação. Verdade seja dita, a fita funcionaria melhor se fosse três longas ao invés de uma só. Hilda, em particular, merece um filme só dela e a história de Pepper beneficiaria muito se a câmara seguisse os outros companheiros de que ela fala. Mesmo nesta forma incerta, as fragilidades de “Dear Future Children” não derrotam os ideias luminosos que o realizador quer promover. Nesse sentido, o documentário fracassa enquanto cinema coerente, mas ganha pela força moral. É um exercício simples, mas inegavelmente poderoso.

Dear Future Children, em análise
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Movie title: Dear Future Children

Date published: 18 de October de 2021

Director(s): Franz Böhm

Genre: Documentário, 2021, 89 min

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO:

Sintetizando três vertentes de indignação política, “Dear Future Children2 pinta o retrato épico de uma geração em luta ferrenha por um futuro melhor. Entre Hong Kong, o Chile e o Uganda, o documentário divide as atenções e não consegue articular seus argumentos com muita astúcia. Vale mais pela força das suas heroínas que pelo engenho cinematográfico.

O MELHOR: A história de Hilda e o foco dado às intersecções da vida privada e do ativismo ecológico. Só percebendo os sacrifícios dos heróis nos apercebemos da plenitude do seu heroísmo.

O PIOR: As narrações perfuntórias, todas elas em inglês.

CA

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