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Festivais de Cinema | Não vamos ver estrelas na Croisette!

Os organizadores dos maiores festivais de cinema, ainda não tomaram uma decisão quanto à realização ou não, dos seus respectivos eventos. As questões sanitárias estão à frente, portanto o que vai acontecer com Cannes, Locarno, Veneza e outros?

A maioria dos organizadores dos maiores festivais de cinema do mundo, permanecem numa profunda indecisão e preocupação quanto à viabilidade dos respectivos eventos, mesmo quando se anunciam uma abertura gradual das medidas de confinamento, por causa do Covid-19. Depois do discurso de ontem do Presidente Macron, imediatamente um dos maiores eventos franceses, o Festival de Avignon (teatro e dança) atirou a toalha ao chão, e cancelou a sua edição. Agora tudo indica que na próxima quinta, 16 de Abril — quando estava marcada a conferência de imprensa para anunciar a Selecção Oficial — seja o Festival de Cannes a optar também pelo cancelamento, porque os organizadores não prevêem outra alternativa. Este ano acho que não vamos ver estrelas na Croisette!

Festivais de cinema
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Cannes: online está fora de questão

O Festival de Cannes 2020, tinha teoricamente, sido adiado de maio, como é habitual, para o final de junho e o início de julho, ainda sem datas fixas. Contudo toda a nova temporada de festivais 2020 — Cannes, Locarno, Veneza, Toronto e outros— parece irremediavelmente perdida. Em declarações recentes de Thierry Frémaux, director-artístico do Festival de Cannes, foram de uma enorme preocupação e ao mesmo tempo de afirmação, quanto ao verdadeiro conceito dos grandes eventos cinematográficos: ‘Os cineastas fazem questão de exibir os seus filmes num grande ecrã’. E o Festival  de Cannes, quer continuar a preservar essa experiência de exibi-los em grande ecrã, partilhando-os com muita gente e não apenas num iPhone’. Frémaux, já tinha dito que se o Festival de Cannes não se puder realizar presencialmente por razões sanitárias, que não haveria outra alternativa. O Festival de Veneza, continua marcado para (2-12) setembro e, mantêm diplomáticas reservas quanto a sua realização, até porque o evento veneziano tem tudo a ganhar se Cannes for cancelado: ‘A situação é muito complicada, mas é muito cedo para prever qualquer cenário, embora a ideia de um adiamento esteja em cima da mesa’, disse Alberto Barbera, director-artístico da Mostra de Veneza ao ‘Le Monde’. ‘Veremos isso com mais clareza, em maio. Enquanto isso, vamos (tele) trabalhando e esperando, porque também se trata de uma questão da nossa sobrevivência?’. Uma decisão arriscada já que Itália e a região de Veneza foi uma das mais abaladas com a pandemia.

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Thierry Frémaux, director-artístico do Festival de Cannes. | ©José Vieira Mendes

Os filmes são para ver nas salas

Thierry Frémaux, foi também primeiro a ser peremptório, quanto às alternativas, em declarações no mesmo artigo, publicado há dias no diário francês de referência: ‘No caso de cancelamento, uma conversão para o digital não está prevista, porque os produtores e cineastas-autores provavelmente não aceitariam. Um festival como Cannes é precisamente um evento onde as pessoas se encontram fisicamente numa sala, juntando artistas, profissionais e críticos. O Torneio de Wimbledon [a competição de ténis, também cancelada recentemente] não pode ser disputada partida por partida, em quadras particulares’. E em outras declarações à Variety, Frémaux colocou mesmo a tónica em relação aos filmes: ‘Os novos filmes de Wes Anderson ou de Paul Verhoeven, serem vistos em computador? Projectar ‘Top Gun 2’ ou ‘Soul’ (a nova animação da Pixar) em outro lugar senão, numa sala de cinema? Esses filmes adiaram as suas estreias para serem exibidos num grande ecrã. Porquê mostrá-los num dispositivo digital? Se todos os festivais forem cancelados, teremos que pensar numa maneira de exibir os filmes, para não desperdiçar um ano. Acho que uma alternativa precária e improvisada, não seja a melhor solução para a realização de festivais como Cannes ou Veneza. Para Cannes, sua alma, sua história, seu impacto, é um modelo que não poderia funcionar, concluiu Frémaux, que organiza também o Festival Lumière, em Lyon, a sua cidade natal. Há muito, que o director artístico é um defensor acérrimo da experiência coletiva e de que o melhor local para ver um filme é a sala de cinema. A equipa de programadores de Cannes, continua a visionar filmes com potencial para as suas secções, e até estenderam a data para envios e inscrições. Vamos aguardar mais uns dias.

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O Festival de Veneza mantém reservas para setembro. | ©José Vieira Mendes

Os indecisos, cancelados e alternativas on-line

Diante dos contínuos bloqueios por causa da pandemia do coronavírus, existem contudo outros festivais que têm procurado encontrar outras soluções, para evitar o cancelamento, como é o caso de Tribeca (Nova Iorque, EUA) ou HotDocs (Ontário, Canadá), que depois de marcarem adiamentos vão optar em principio por edições on-line. Efectivamente têm-se registado um crescimento do streaming no mercado dos espectadores de cinema, nesta fase de confinamento. Por isso, a alternativa digital  parece lógica também alguns festivais. O Visions du Réel (Nyon, Suíça), que começa oficialmente na próxima sexta, um festival dedicado ao documentário, —  estão lá ‘Amor Fati’, de Cláudia Varejão, na competição internacional de longas metragens e ‘Would you Rather’, de Laura Marques, na d curtas e médias — optou pelas projecções on-line, mas com muitas limitações de exibição, provavelmente impostas ou por realizadores ou pelos distribuidores internacionais. A sua directora artística, Emilie Bujès, justificou ao ‘Le Monde’, a razão desta opção: ‘Considerando a angústia que tomou conta do meio e congestionamento, no momento do desconfinamento, para muitos filmes à espera para entrar em festivais ou serem lançados, optamos por fazer a nossa parte, mostrando esses filmes a todo custo. Estamos aproveitando este momento como um desafio e uma oportunidade para alcançar mais pessoas em todo o mundo, que é bom tanto para filmes, como  para o mercado’. Falta portanto fazer um balanço final, para ver depois como correu a experiência.

TRAILER DO ‘VISIONS DU RÉEL’

Ficam lá para o outono

No Reino Unido, o Sheffield Doc/Fest, pela primeira vez dirigido pela portuguesa Cíntia Gil (ex-DocLisboa), anunciou na semana passada que em junho organizaria via digital, os seus pitching forums: MeetMarket e Alternate Realities Talent Market, com esperança ainda de realizar o festival em vários finais de semana, lá para o outono. Talvez o maior festival de cinema de animação do mundo, o Annecy Animation Film Festival, em França, que se realizaria de 15 a 20 de junho e que comemoraria, o seu 60º aniversário, foi cancelado por causa da pandemia. O festival que esperava receber por exemplo, Wes Anderson — depois da antestreia do seu novo filme no Festival de Cannes — entre os seus convidados, que habitualmente atrai mais de 12.000 participantes da industria mundial da animação e muito público. O diretor artístico Marcel Jean e seus colegas Mickaël Marin e Dominque Puthod, anunciaram em comunicado: ‘Esperávamos poder oferecer um aniversário excepcional, que estava em preparação, mesmo apesar das restrições do confinamento. Mas dada a situação internacional somos forçados a agir com lucidez e responsabilidade’. Em vez do festival, esperam oferecer alguns conteúdos on-line exclusivos que serão anunciados a 15 de abril, como aliás estão também a fazer vários festivais e outras entidades públicas e privadas. Annecy já anunciou as suas novas datas, entre 14 e 19 de junho de 2021.

Será que nos vemos lá para agosto/setembro?

O Conselho Executivo do Festival de Locarno, presidido por Marco Solari, segundo o seu site, reuniu-se remotamente a 9 de abril, e examinou os possíveis cenários no futuro próximo, ao mesmo tempo que vai trabalhando com seus parceiros para identificar a solução mais adequada ao contexto atual. No entanto, permanece a indecisão, considerando ainda que algumas opções, vão ser apresentadas ao Governo cantonal, durante este mês de abril, como se pode ler na página oficial do Festival, que tem como ‘principal objetivo tornar Locarno um local de encontro e descoberta’, com filmes autorais e projecções ao ar-livre, dirigidas a profissionais e ao público e que tem uma média de cerca de 150.000 espectadores por edição. A sua actual directora-artística, a francesa Lili Hinstin, — depois da partida para a Berlinale dia dupla Carlo Chatrian, (diretor artístico), e Marietta Rissenbeek, (diretora-executiva), que conseguiram no limite realizar o seu festival — diz que tem falado com muitos profissionais e permanece a indecisão: ‘Estou a considerar várias hipóteses, que ainda não foram submetidas ao Conselho de Administração. Estamos numa fase de imaginação. A transição completa para o digital, não me parece a melhor solução para o nosso festival, que defende a materialidade das salas e o poder sensorial dos ambientes em geral’. Para terminar, há poucos dias também os organizadores do Festival de Toronto, (Canadá), alertavam em carta tornada pública que não há certezas neste momento, se no início de setembro ‘a gente voltará a juntar-se?’. As habituais datas de setembro, de uma das grandes festas de cinema da temporada, realizada do outro lado do Atlântico, e talvez a mais democrática, está sem datas no site. O Festival de Toronto é um mostra não-competitiva de filmes, que se apoia não só na crítica especializada, mas também num grande movimento de cinéfilos e uma multidão de fans em volta das grandes estrelas, que vão todos os anos, participar na abertura extra-oficial da grande temporada dos prémios da indústria de cinema norte-americana, que culmina com os Óscares de Hollywood. Entretanto aguardemos por notícias nos próximos dias em que as medidas restritivas parece que vão ser aliviadas. 

José Vieira Mendes

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