© Festival de Veneza

Festival de Veneza 2019 | A olhar o mundo

O Festival de Veneza 2019 começa na próxima quarta (28) no Lido, e na competição estão alguns dos maiores expoentes do ‘cinema do mundo’: Roman Polanski, James Gray, Steven Soderbergh, Todd Phillips, Atom Egoyan, Hirokazu Kore-eda, Pablo Larraín….e o português Tiago Guedes.

Não é certamente um dos anos mais fortes da competição da Mostra Internazionale d’Arte Cinematografica de Veneza, que dificilmente pode levar um dos seus Leões à corrida aos Óscares de Hollywood. Contudo o júri presidido pela cineasta argentina Lucrecia Martel, — e ainda por Piers Handling (Canadá), historiadora e critica, Mary Harron (Canadá), realizadora, Stacy Martin (Reino Unido), actriz, Rodrigo Prieto (México), director de fotografia, Tsukamoto Shinya (Japão), realizador, Paolo Virzì (Itália), realizador — vai ter certamente uma tarefa bastante difícil para avaliar uma competição plena de novidades e sobretudo com uma cada vez maior presença de filmes produzidos pelas plataformas digitais como a Netflix e Amazon, que o Festival de Veneza tem aceitado sem polémicas na sua competição e secções paralelas. Alberto Barbera, o diretor da Mostra, continua a não se importar muito onde os filmes são produzidos e como serão distribuídos, conseguindo entretanto grandes trunfos e sucessos para o Festival de Veneza como por exemplo ‘Roma’, de Alfonso Cuarón, Leão de Ouro 2019, para não ir mais longe a edições anteriores. Antes da abordagem aos competidores mais fortes, em primeiro lugar é importante destacar a presença dos dois filmes portugueses. Sobretudo de ‘A Herdade’, de Tiago Guedes, na competição mais importante, um filme produzido por Paulo Branco, além da curta ‘Cães que ladram aos pássaros’, de Leonor Teles na secção Horizontes.

Festival de Veneza 2019
‘Joker’, de Todd Philips, um spin off de Batman | © Warner Bros.

No entanto, a competir com Tiago Guedes, em Veneza estará um naipe muito prestigiado de cineastas do mundo, começando por destacar a selecção de filmes norte-americanos, que não é efectivamente tão forte como em anos anteriores. A verdade é que ultimamente a indústria de cinema norte-americana tem utilizado a Mostra de Veneza, como a grande plataforma de lançamento dos filmes para os Óscares. Perdeu-se para já um dos mais aguardados e um potencial candidato aos Leões e consequentemente à corrida para os prémios de  Hollywood: The Irishman’, de Martin Scorsese, — envolvido já numa guerra entre a Netflix e os distribuidores convencionais — e que regressaria com a dupla Robert De Niro e Al Pacino, rejuvenescidos digitalmente para contar mais uma saga familiar ao estilo ‘Era Uma Vez na América’ de Sergio Leone. Não vai estar pronto a tempo nem para Veneza 76, nem para o Festival de Toronto. Consta que abrirá o Festival de Nova Iorque, a 27 de Setembro. No entanto, haverá outros ‘filmes americanos’, de grande peso como ‘Joker’, de Todd Phillips, numa nova recriação do famoso génio do mal do universo Batman,— antes interpretado pelo malogrado Heath Ledger — protagonizado agora pelo, à primeira vista improvável para o papel, Joaquin Phoenix. Este filme que tem por base a DC Comics é também improvavelmente dirigido pelo realizador de ‘A Ressaca’ e das suas cómicas e algo escatológicas sequelas. Um verdadeiro tiro no escuro que pode constituir uma das grandes surpresas na competição. Nas palavras de Barbera ‘que tanto pode ser um spin-off de Batman como uma prequela de ‘O Cavaleiro das Trevas’, mais negro ainda, ou nada disso, já que é um grande filme sobre as contradições das grandes metrópoles contemporâneas’. O filme foi produzido pela Warner, que aceitou submetê-lo  — algo cada vez mais raro vindo de uma major norte-americana — a concurso num festival de cinema europeu. Temos também um regresso aos grandes ecrãs dos festivais, de James Gray com ‘Ad Astra’ e, com Brad Pitt  no papel de um astronauta, numa épica viagem espacial através do Sistema Solar à procura do pai e dos fundamentos existenciais e científicos da Humanidade. Afinal Steven Soderbergh, não se aposentou e regressa com mais uma produção da Netflix, intitulada ‘The Laundromat’, um thriller protagonizado por Meryl Streep, que aborda a história dos jornalistas que revelaram o caso dos Panama Papers. Este ano, além do filme de Soderbergh, igualmente pela mão da Netflix, vai estar na competição ‘Marriage Story’, de Noah Baumbach, sobre um casal e a sua separação, com o natural conflito entre pais, filhos e os muitos complexos de culpa; e, fora de competição, ‘The King’, de David Michôd, sobre a história do jovem rei inglês Henrique V, — tema também da peça de Shakespeare — protagonizado pela jovem revelação Timothée Chalamet (‘Chamam-me Pelo Teu Nome’). Da Amazon, a outra plataforma de streaming, também fora da competição, vai estar ‘Seberg’, de Benedict Andrews, um biopic com Kristen Stewart a interpretar a musa de Jean-Luc Godard, Jean de primeiro nome e a mítica atriz de ‘O Acossado’ (A bout de souffle). Das Américas, mas do Canadá, vai ser apresentado ‘Guest of Honour’, de Atom Egoyan, sobre um pai e uma filha, jovem professora de música do ensino médio, que tentam desvendar as suas complicada histórias que entrelaçam segredos familiares. E mais do sul vem ‘Ema’, do consagrado realizador chileno Pablo Larraín, que trás um drama familiar e um ‘retrato incendiário de uma mulher’, que deve ser assim entendido literal e metaforicamente, como afirmou Alberto Barbera na apresentação do programa.

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‘La Verité’ o novo filme do japonês Hirokazu Kore-eda na sessão de abertura. | © France 3

‘La Verité’ o novo filme do japonês Hirokazu Kore-eda, (vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes 2018 com ‘Uma Família de Pequenos Ladrões’), além de ser o filme de abertura da Mostra 76, a 28 de Agosto, é uma obra produzida na Europa. Vai ser exibido na competição, tornando-se o primeiro filme do cineasta oriental que não é rodado em japonês (os diálogos são em inglês e em francês). Trata-se de um drama familiar, filmado em Paris com um elenco internacional de prestígio: Catherine Deneuve (a mãe) e Juliette Binoche (a fazer de filha), e ainda com Ethan Hawke e Ludivine Sagnier.  O encerramento da Mostra 76, será a 7 de Setembro, com ‘The Burnt Orange Heresy’, do italiano Giuseppe Capotondi (La doppia ora), um erótico e elegante thriller ‘neo-noir’, que faz lembrar em parte o personagem de Tom Ripley de Patricia Highsmith, que já deu bons filmes, agora com Claes Bang, Elizabeth Debicki, Donald Sutherland e um surpreendente Mick Jagger. Relata a história de James Figueras, um crítico italiano de arte, que inicia um relacionamento escaldante com Benerice Hollis, uma provocadora e sedutora americana. A pedido de Cassidy, um impressionante colecionador de arte que os recebe no Lago de Como, em Itália, o casal é desafiado a roubar uma preciosa obra de arte de Jerome Debney, ‘uma espécie de J.D. Salinger do mundo da arte’. James, um homem com uma ambição desmedida não olha a meios para atingir da forma mais sinistra os seus fins, isto é provocar incêndios, praticar assaltos e assassinatos, para promover a sua carreira.

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‘J’Accuse’, de Roman Polanski, é uma reconstituição histórica do famoso caso Dreyfus. | © Canal+

‘J’Accuse’, de Roman Polanski, uma produção franco-italiana poderá ser o filme-caso-polémica, desta competição Veneza 76. Trata-se de uma reconstituição histórica do famoso caso Dreyfus, o célebre escândalo judiciário que abalou a França nos finais do século XIX e início do XX, com a fraudulenta condenação por traição de um oficial do exército francês. Apesar, do seu registo aparentemente histórico, ‘J’Accuse’ está a ser visto até pelo próprio director da Mostra, como algo que o cineasta filmou para se ‘vingar’ da atualidade e da sua própria experiência pessoal, com a justiça e tribunais. Tudo indica que Roman Polanski não vá ao Lido para apresentar o seu novo filme, mas a polémica fica já no ar e vai decerto ser notícia na sua projecção daqui a dias. De França virá igualmente o novo filme de Olivier Assayas: ‘Wasp Network’, uma crónica sobre o caso dos ‘cinco cubanos’ acusados de espionagem e aprisionados pelas autoridades norte-americanas que se tornaram, heróis-nacionais na pátria de Fidel Castro. Mais um elenco de luxo na passadeira feira do Palazzo do Cinema: Penélope Cruz, Edgar Ramírez, Gael García Bernal, Wagner Moura, Ana de Armas, Leonardo Sbaraglia. Completa a seleção de filmes de origem francesa ‘Gloria Mundi’, de Robert Guediguian (apresentou em ‘Uma Casa à Beira Mar’, na competição de 2017), conta a história de uma família de Marselha, reunida para o nascimento da bebé Gloria, que apesar da alegria, vivem uma situação financeira muito difícil.

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‘About Endlessness’. a nova comédia com o humor singular do realizador sueco Roy Andersson | © 4 1/2 Film

Do cinema europeu escandinavo em competição estará o singular humor de ‘About Endlessness’. Trata-se da nova comédia do realizador sueco Roy Andersson, vencedor do Leão de Ouro 2014, com o inimitável Um Pombo Pousou num Ramo a Refletir na Existência’. Da Europa de Leste virá ‘The Painted Bird’, do checo Václav Marhoul, um drama de guerra sobre um rapaz judeu em fuga durante a II Guerra Mundial. Trata-se de uma co-produção internacional, entre República Checa, Ucrânia e Eslováquia e composto por um prestigiadíssimo elenco internacional: Stellan Skarsgård, Harvey Keitel, Julian Sands. Os italianos tem quase como sempre, em anos anteriores, três títulos em competição: o mais aguardado é sem dúvida ‘Il Sindaco del Rione Sanità’, do veterano Mario Martone, uma comédia sobre a Camorra inspirada numa peça teatral de Eduardo De Filippo. O veterano Martone é um eterno candidato ao Leão de Ouro, prémio que nunca alcançou e portanto vamos ver se é desta. E depois ‘Martin Eden’, de Pietro Marcello, baseado no romance de 1909 com o mesmo título de Jack London, além de ‘La mafia non è più quella di una volta’, de Franco Maresco, em mais uma viagem antropológica e onírica à Sicília e, à cidade de Palermo, são os outros candidatos italianos ao Leão de Ouro.

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‘No. 7 Cherry Lane’, de Yonfan é uma carta de amor a Hong Kong e ao cinema. | © Far Sun Film Company Ltd

Há ainda uma obra da anglo-saudita Haifaa Al-Mansour, intitulada ‘The Perfect Candidate’, uma tragicomédia sobre a condição das mulheres na Arábia Saudita e que conta a história de uma médica que se candidata às eleições municipais, neste momento de aparente abertura social e religiosa naquele país; e ‘Babyteeth’, da australiana Shannon Murphy, uma primeira-obra e uma comédia agridoce sobre uma adolescente muito particular que se apaixona, contra a vontade dos pais, por um traficante de drogas. As duas cineastas representam os dois únicos olhares femininos nesta competição. Filmes a ter em conta ainda nesta Veneza 76 são ‘Waiting for the Barbarians’, o novo filme do cineasta colombiano Ciro Guerra (‘Pássaros de Verão’, 2018) e a sua entrada no patamar do grande cinema internacional, num filme com um elenco excepcional: Mark Rylance, Johnny Depp e Robert Pattinson; ‘Saturday Fiction’, do chinês Lou Ye, um thriller a preto e branco com imagens bastante sofisticadas, passado em Xangai, em 1941, durante a ocupação japonesa, num regresso da bela e brilhante Gong Li, no papel de espia e actriz, ao estilo Mata Hari; e por último a animação para adultos intitulada ‘No. 7  Cherry Lane’, do chinês Yonfan. É a história de um triângulo amoroso que envolve um estudante universitário, uma mãe solteira e sua filha adolescente. Bem a propósito este filme é ambientado em 1967, um ano igualmente de turbulência política em Hong Kong, que na época era ainda uma colónia britânica. O realizador chinês Yonfan, mudou-se para o território em 1965 quando ainda era jovem e, descreve este seu filme como uma carta de amor a Hong Kong e ao cinema.

JVM

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