Festival Mental 2023 | M Cinema Sessão 3
O Festival Mental 2023 regressou a Lisboa entre os dias 12 e 27 de maio, para muitas talks, debates e, claro, mais uma mostra de cinema em torno da temática da saúde mental. Estivemos presentes na terceira sessão M Cinema, a 21 de maio, e partilhamos agora as nossas impressões!
Entre 18 e 21 de maio, a programação central do Festival Mental aconteceu no Cinema São Jorge, onde tivemos a oportunidade de ver – a 21 de maio pelas 18h00 – um conjunto de curtas bastante dispares, mas todas elas unidas pela relevante e urgente temática da saúde mental. E assim se fechou mais um M Cinema, desta vez em 2023, com chave de ouro:
HEY! HOW ARE YOU?/ OLÁ! COMO ESTÁS? ( FRANZISKA EBNER, ÁUSTRIA, 2022, 7′)
Esta curta-metragem conta a história quotidiana de cinco adolescentes que sofrem de doença mental, visando consciencializar e abrir uma discussão sobre o tema da saúde mental.
Uma curta documental, “Hey! How Are You?” parte de uma premissa bastante simples – mas útil – neste primeiro tema da 3ª sessão M Cinema do Festival Mental em 2023. A Força motivadora da obra é incrivelmente simples, passa por perguntar “como estás” e esperar, genuinamente, pela resposta. Muito frequentemente, as matérias relacionadas com a saúde mental viram tabu e neste filme pretende-se fazer exatamente o contrário – colocar ênfase no diálogo.
Ouvimos testemunhos poderosos de vários intervenientes, todos eles na primeira pessoa, gravados num estilo clássico documentário com alguém a falar frente à câmara, mas também na rua e nos seus próprios espaços. Todavia, alguns acrescentos de imagem animada para lá da real permitem dar alguma cor e textura a estes testemunhos, personalizando, por exemplo, a depressão através de uma ‘gosma’ preta que tudo cobre.
A sua maior ferramenta, ou uma delas, é dar nome a estes ‘monstros’, da depressão à fixação por redes sociais.
Classificação: 70/100
YEAH I’M GOOD THANKS/ ESTOU BEM, OBRIGADA (HANNA LAU-WALKER, REINO UNIDO, 2022, 1′)
Durante uma conversa online, uma mulher contempla ser honesta sobre o que realmente sente.
Numa aparente e curiosa “conversa” com o filme anterior, a próxima curta animada dá resposta à pergunta “How Are You?” com o significante – mas vazio “Yeah I’m Good Thanks”. Com apenas um 1 minuto e 30 segundos, esta ‘curtíssima’ é deliciosa e expressa muito bem a falta de diálogo que muitas vezes nos limita.
A sinopse diz-nos que uma mulher contempla ser honesta. Ora, contempla é mesmo a palavra chave aqui. Ao longo de 1 minuto, vemos de que forma o seu desespero se manifesta – através de uma animação simples mas poderosa que nos falta de alguém que corre atrás do tempo que a esmaga. Para lá da sua mente, mantém-se catastroficamente a ilusão da naturalidade. Essa mesma falsa naturalidade é a resposta para o sofrimento de tantas pessoas e esta pequena curta brinca , é certo, mas sugere também a importância e urgência da sinceridade.
Quanto à animação propriamente dita, é vibrante, colorida e cativante. Acima de tudo, esta curta é capaz de transmitir uma mensagem clara e com sucesso em muito pouco tempo.
Classificação: 85/100
BRANDSTOF/ ENERGIA (BO VAN DER MEET, ROSWITHA DE BOER, PAÍSES BAIXOS, 2022, 25′)
O documentário Energia partilha as histórias íntimas de vários jovens adultos que atingiram o burnout numa fase precoce da sua vida.
A obra tem também a preocupação de diversificar, mostrando-nos relatos de situações diversas. Além disso, introduz até um conceito pouco falado, o burnout naqueles que ainda não começaram a trabalhar. No final desta pequena curta damos por nós a matutar: será que as expectativas societárias depositadas em nós estão a arruinar a nossa saúde mental? Uma peça de arte perfeita para incentivar o diálogo!
Classificação: 75/100
IN HET ECHT HEB IK EEN NEUS/ NA VIDA REAL, TERIA UM NARIZ (STEPHANE KAAS, PAÍSES BAIXOS, 2022, 55′)
Stephane Kaas viaja pelo mundo para se encontrar com alguns dos artistas mais populares de webcomics atuais e para falar sobre como este novo género de arte, partilhado através das redes sociais, pode abordar temas sérios através de um veículo acessível: o humor.
Em último lugar, mas certamente não menos importante, o M-Cinema em 2023 termina com “Na Vida Real, Teria um Nariz”, uma narrativa documental gloriosa acerca do poder das webcomics e que, em geral, nos alerta para formas de expressão alternativas.
Num mundo virtual dominado por ‘positividade tóxica’ e aparências erróneas, Stephane Kaas explora aqui o mundo das webcomics – um veículo democrático de comunicação, à disposição de qualquer artista em todo o mundo e onde há (muito) espaço para expressar frustrações, medos e sentimentos menos consensuais. Ao longo de quase uma hora, este documentário passa por vários registos, fazendo-nos rir e chorar – de artistas que usam web comics para expressar a sua auto-censura a uma artista na Ucrânia em guerra que usa as webcomics para se manter unida ao mundo.
Exibido tanto no Mental como no Mental Jovem, este documentário é para nós o grande destaque de cinema do festival em 2023 – devido à sua abordagem leve e emotiva de temáticas essenciais. Um filme cheio de luz, “Na Vida Real, Teria Um Nariz” é um verdadeiro filme ‘feel good’, que nos deixa com um grande quentinho no coração depois de uma injeção de honestidade humana.
Com um ritmo abençoado, este filme, na realidade já uma longa-metragem (pelo menos de acordo com as definições da Academia de Hollywood, é debatível), passa num ápice. Somos verdadeiramente convidados a entrar na intimidade dos intervenientes da obra, conhecendo as personalidades dos artistas através do seu trabalho – uma obra artística sem barreiras, físicas ou outras, à disposição de todos, à distância de um clique.
Visualmente, a obra apresenta-se por vezes como um quadradinho de web comic, recorrendo à animação e enquadrando desta forma os artistas que surgem na obra. Além disso, é com alegria que constatamos o quão dinâmica é a forma de filmar. Para lá das entrevistas tradicionais frente à câmara, “Na Vida Real, Teria Um Nariz” preocupa-se com acompanhar os seus sujeitos fílmicos para fora de quatro paredes, dentro delas, e um pouco por todo o lado. Há sempre movimento, nos cenários e nos muitos países filmados. Verdadeiramente rico, o filme comove, ensina e semeia também a esperança – é sempre possível exorcizar os nossos demónios!
Classificação: 90/100
Estiveste presente na 7ª edição do Festival Mental, entre 12 e 27 de maio?