"Frankenstein" | © Universal Pictures

Clássicos em Casa | Frankenstein (1931)

Já houve muitos filmes sobre Frankenstein e o seu monstro, mas nenhum é melhor que o clássico de 1931, onde Boris Karloff deu vida à criatura e James Whale definiu os paradigmas do cinema de terror.

Pode parecer estranho considerar tal coisa, mas, em tempos, os géneros cinematográficos a que nos acostumámos ainda estavam em tumultuoso nascimento. Houve uma altura em que não se sabia que podia haver algo tão específico como o cinema de terror, por exemplo. Nos anos 20, essa definição não existia, de todo, e foi preciso o advento do sonoro para que os paradigmas do filme de terror se começarem a estratificar. O filme que mais definiu o género enquanto produto narrativo sinistro com o intuito de provocar medo foi o “Drácula” de 1931. Contudo, seria o filme que a Universal produziu no encalço desse sucesso comercial que viria a dar forma à estética do terror.

É que, por muito historicamente importante que seja, o “Drácula” de Tod Browning é um filme um tanto ou quanto letárgico que deve a maioria dos seus aspetos estéticos à herança dos palcos. Afinal, tratava-se de uma adaptação de uma peça e não de uma filmagem diretamente inspirada no clássico de Bram Stoker. O mesmo não se pode dizer de “Frankenstein”, o primeiro grande sucesso americano do realizador inglês James Whale e o filme que viria a solidificar o estilo do cinema de terror em si. Parte do génio da obra veio da sua clarividente inspiração nos jogos de sombras do Expressionismo Alemão e seus pesadelos mudos.

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© Universal Pictures

Quando os realizadores germânicos tinham chegado a Hollywood no final dos anos 20, eles readaptaram o seu estilo a um romantismo ao gosto americano. A qualidade sinistra de horrores como “Nosferatu” converteu-se em algo mais onírico e glamouroso. Whale, pelo contrário, foi buscar o grotesco puro e duro dos Expressionistas, concebendo cenários cheios de linhas tortas e sombras artificialmente escuras. O resultado disso é uma história completamente divorciada da realidade terrena, um conto vivo passado em terras onde os trovões são pontuação dramática e a luz faz de qualquer homem uma gárgula demente.

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O estilo que Whale concebeu tornou-se tão icónico que viria a ser alvo de paródia em obras como o “Frankenstein Júnior” de Mel Brooks. Com isso dito, o génio desse cineasta britânico não se cingiu ao desenho cenográfico. Whale pôs a mão em todos os aspetos do filme, forçando humanismo ao guião baseado no romance de Mary Shelley e até criando a maquilhagem mais famosa do cinema. Foi ele que criou aquela visão de humanidade corrompida que é o monstro de Frankenstein com sua testa retangular e suturas visíveis, porcas a saírem do pescoço e a silhueta imponente de um gigante. É claro que, por muito que Whale fosse um génio, o sucesso de “Frankenstein” não é só mérito dele.

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© Universal Pictures

Muito crédito se há que dar ao ator que deu vida ao monstro e materializou toda a sua inglória existência. Ele foi Boris Karloff que, apesar de não ter fama de tal, era um dos grandes atores do cinema americano dos anos 30. Teatralmente treinado e profundamente inteligente, Karloff conseguiu arranjar maneiras de dar complexidade psicológica à criatura, efetivamente dando uma dimensão trágica ao conto. O livro de Shelley pode ser a história de Viktor Frankenstein (aqui interpretado por Colin Clive), mas o filme pertence ao monstro. É a sua luta interna por encontrar propósito numa vida artificial que vai contra as leis da Natureza e do divino que centraliza a narrativa e lhe dá forma. Este “Frankenstein” é o seu monstro e o seu monstro é Boris Karloff.

Quase sem falar para além de grunhidos pré-verbais, o ator canta sinfonias de flagelo psicológico com gestos tão simples como o modo como o monstro tenta agarrar luz com as mãos. Afinal, apesar de animalesco, este monstro é um recém-nascido a aprender a viver no mundo. Ele mata, mas não é por maldade. Quando, no momento mais comovente do filme, ele assassina uma menina inocente, fá-lo, pois ainda não tem perceção das consequências dos seus atos. Quando ele compreende o que fez, sente tanto horror como nós. Mais ainda, pois foi ele que a matou numa brincadeira tola. É devastador e assusta também, maravilha e faz sonhar. Não admira que o cinema de terror exista até aos dias de hoje, se triunfos como este foram os pais do género.

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