"Guerra das Correntes" | © Cinemundo

Guerra das Correntes, em análise

A história de Thomas Edison e George Westinghouse é contada por “Guerra das Correntes” com brio técnico, mas o filme nunca se eleva acima dos seus extraordinários problemas de produção e distribuição.

“Guerra das Correntes” é um desses filmes em que a história do projeto é bem mais interessante que o produto final. Para começar, convém entender em que posição o realizador Alfonso Gomez-Rejon estava quando começou a sua aventura pela História da eletricidade. Depois de anos a trabalhar em televisão e filmes de terror reles, o cineasta texano finalmente conseguiu alcançar projeção internacional com o sucesso indie de “Eu, o Earl e a Tal Miúda”. Tal triunfo mediático colocou o seu nome no mapa e levou logo a grandes especulações sobre qual seria o seu projeto seguinte.

Como acontece com muitos realizadores de cinema americano independente, o sucesso de um projeto modesto abre as portas para o prestígio de filmes feitos à medida do Óscar. No caso de Gomez-Rejon, o bilhete para estatuetas doiradas veio sob a forma de um argumento histórico que, desde 2011, andava a circular em Hollywood. “Guerra das Correntes” foi assim edificado como uma espécie de “Amadeus” no mundo da inovação científica, com Thomas Edison e George Westinghouse no centro do conflito.

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Para os papéis principais, muitos atores foram propostos, mas Benedict Cumberbatch e Michael Shannon acabaram por conquistar o seu lugar. Ambos estavam no rescaldo de gloriosas nomeações para os prémios da Academia e o timing de tudo parecia perfeito. A distribuir esta façanha prestigiada estava ainda o estúdio de Hollywood mais obcecado com prémios, a Weinstein Company. Tal era a sede do ouro que os distribuidores levaram a que Gomez-Rejon acabasse a montagem à pressa, para que “Guerra das Correntes” estivesse pronto para ser mostrado no Festival de Toronto de 2017, o ponto de partida para muitas campanhas para o Óscar.

A apressada finalização do projeto foi o primeiro de muitos desastres que afetou o projeto. Os críticos americanos que viram a primeira versão em Toronto, detestaram a descarada tentativa de repetir fórmulas Oscarizadas e muitos apontaram para a qualidade incoerente de muito do projeto. Tal foi o negativismo da reação, que Harvey Weinstein começou logo a coordenar com Gomez-Rejon uma remontagem do filme. O magnata estaria a tratar disso mesmo quando rebentou o escândalo que viria a torna-lo numa das mais monstruosas figuras da indústria cinematográfica norte-americana.

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Com o escândalo Weinstein nas manchetes, a distribuidora rapidamente implodiu, desamparando “Guerra das Correntes”. Depois de um ano de incertezas, em outubro de 2018 a Lantern Entertainment comprou o filme juntamente com todos os outros projetos dos Weisntein. Outras compras continuariam a dar reviravoltas a esta história, com companhias a passar a batata quente do filme manchado pelo nome de Weinstein. No final, já este ano, Gomez-Rejon lá conseguiu encontrar uma distribuidora que lhe permitiu refilmar algumas cenas e fazer nova montagem. Mais de dois anos depois da sua estreia mundial em Toronto, “Guerra das Correntes” finalmente vai sair nos cinemas.

Gostaríamos de poder dizer que os esforços do realizador para refazer a película salvaram o malfadado projeto, mas estaríamos a mentir. A razão pela qual passámos a maior parte desta crítica a descrever a aventura nos bastidores da obra é que “Guerra das Correntes” é tão convencional que parece mover-se em piloto automático. O guião é uma catástrofe formulaica que sugere personagens complicadas, mas nunca tem a coragem de as explorar adequadamente. Thomas Edison é um monstro de egocentrismo e arrogância, mas parece que os cineastas nunca estão certos se o hão de celebrar ou recriminar.

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Essa mesma ambiguidade de intenções mancha o trabalho dos atores. Benedict Cumberbatch é um pesadelo de tiques e escolhas mecânicas. Há pouco a distinguir o seu Edison do seu Sherlock, além de um sotaque americano pouco convincente. Michael Shannon sai-se melhor como Westinghouse, criando um homem cronicamente desprovido de carisma, cuja rudeza é parte de um peculiar charme. É pena, portanto, que o realizador e o guião pareçam tão desinteressados na sua figura. Putativamente, ele pode ser o coprotagonista do drama, mas é clarividente que todos os holofotes estão apontados para o Edison de Cumberbatch. Ver tal decisão afetar o desenvolvimento da narrativa é como ver o filme a dar um tiro no pé.

De facto, as verdadeiras estrelas do filme não são os atores, nem o próprio realizador. Jan Roelfs e Chung-hoon Chung fazem tudo para salvar “Guerra das Correntes” e o tornar em visionamento essencial para qualquer cinéfilo. O cenógrafo holandês reconstrói a América do virar do século com brio e espetacularidade de sobra, fazendo do clímax na Feira Universal uma explosão de esplendor do mais alto gabarito. O diretor de fotografia coreano, por seu lado, tem a sagacidade para fazer de todo o filme um jogo entre escuridão e a luminosidade limitada de lâmpadas oitocentistas. O resultado final é um festim visual que enaltece o olho, mas estimula muito pouco o intelecto e também não arrebata o coração.

Guerra das Correntes, em análise
Guerra das Correntes

Movie title: The Current War

Date published: 26 de October de 2019

Director(s): Alfonso Gomez-Rejon

Actor(s): Benedict Cumberbatch, Michael Shannon, Nicholas Hoult, Tom Holland, Matthew Macfayden, Katherine Waterston, Tuppence Middleton

Genre: Biografia, Drama, História, 2017, 107 min

  • Cláudio Alves - 55
55

CONCLUSÃO:

“Guerra das Correntes” tem uma complicada história nos bastidores. Infelizmente, esse conto de Hollywood é mais interessante que os conflitos históricos entre os grandes inovadores da eletricidade. Pelo menos, assim é quando tais factos são filtrados pelas fórmulas do cinema de prestígio e um argumento fragmentado e subdesenvolvido. Alguns píncaros de engenho estético e esplendor cinematográfico elevam o projeto.

O MELHOR: A fotografia e cenografia.

O PIOR: O retrato ambivalente e unidimensional de Thomas Edison.

CA

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