IndieLisboa ’22 | The Girl From Dak Lak, em análise
A 29 de abril de 2022, o 19º IndieLisboa serviu de palco, inserido na secção Silvestre, para a estreia europeia do filme “The Girl From Dak Lak” .
Com sessão de estreia no Cinema São Jorge e repetição na Culturgest, na tarde do dia 4 de maio, “The Girl From Dak Lak” insere-se na secção “Silvestre – Em Competição” do IndieLisboa ’22 – programação que estabelece o encontro entre jovens autores e realizadores consagrados, num conjunto de obras que procuram escapar dos moldes das fórmulas recicladas e explorar novas linguagens, elas próprias capazes de refletir o espírito do Festival.
De Mai Huyền Chi e Pedro Roman, numa co-produção entre o Vietname e Espanha, esta obra de ficção acompanha uma história que, apesar de fictícia, poderia (e poderá) refletir a vida de muitas jovens vietnamitas. A nossa protagonista, Súóng, muda-se da sua pequena vila para a grande cidade de Saigon – onde o mundo parece mais repleto de possibilidades. É lá que arranja trabalho num pequeno restaurante e onde partilha casa com duas outras raparigas na mesma situação. Depressa é absorvida pela sua rotina repetitiva, não parecendo existir nada mais para além do seu jugo. Todavia, algo ameaça fervilhar dentro de si.
Este é um drama social que coloca a tónica no realismo, ilustrando a vida e as dificuldades de uma jovem rapariga que se esforça estrondosamente no sentido de conseguir a sua independência financeira. Como primeira e máxima valência “The Girl From Dak Lak” conta-se a visão naturalista e despojada de artefacto que aqui é construída. A vida de Súóng é desafiante e a jovem muda-se da pequena localidade de Dak Lak, como o título indica, para a gigante cidade de Ho Chi Minh City, a maior do Vietname e em tempos a capital durante os tempos da Guerra.
Inocente, pouco familiar no que toca aos desafios da cidade, desconhecedora de pequenas coisas que parecem basilares para as raparigas da cidade – como aplicar maquilhagem, sair à noite e beber ou utilizar aplicações móveis de navegação – todas elas fazem parte de um “Novo Mundo” (numa clara e justa representação da dicotomia ruralidade vs urbe) que Súóng terá de desbravar à medida que lida com uma profunda injustiça laboral. Depois de trabalhar mais do que qualquer outra pessoa presente na sua loja, sendo a mais jovem e mais recente colaboradora, a nossa protagonista recebe um ordenado de apenas 1.200.000 milhões de dongs vietnamitas, equivalente a nem sequer 50 euros.
No Vietname, a média de ordenados ronda algures os 4 a 7 milhões de dongs – valores mínimos quando comparados aos ganhos de um ocidental. Um vietnamita com um ordenado acima da média não recebe sequer 500 euros. Tal significa que, mesmo com um estilo de vida menos custoso, ser-lhe-á muito difícil poupar para construir uma vida num país onde as remunerações sejam mais altas ou até sair do ciclo de pobreza no seu próprio país. Assim, Súóng desentope canos, lava pratos, carrega com volumosos objetos, trabalhando dia e noite para apenas conseguir obter uma miserável remuneração, muito abaixo dos parcos ganhos médios do país.
Esta exploração apenas piora com o passar do tempo e, sem entrarmos em pormenores que se qualifiquem como spoilers relativos à evolução da história, é seguro dizer que “Co gai den tu Dak Lak” (título original) convence pela sua proposta de realismo social, pelo seu retrato de uma injustiça que é particular mas também geral. O tom realista e a roçar quase o olhar do documentário permite-nos também conhecer a realidade social e cultural do povo vietnamita. Os seus hábitos de consumo, os espaços que frequentam, os veículos que utilizam e, claro, acima de tudo, as migrações internas que prendem tantos dos seus cidadãos e cidadãs em loops de rotina com poucas escapatórias – trabalhar, poupar dinheiro, enviá-lo para a família.
Tal agonia reflete-se na perfeição, uma e outra vez, no rosto da muito jovem atriz Hạnh Ruby, muito pouco experimente mas mais que hábil frente à câmara – capaz de transmitir a mágoa profunda e o tumulto interior nítidos no olhar da protagonista desta história.
Com um argumento muito simples, uma fotografia despojada e uma mensagem social clara, “The Girl From Dak Lak” não coloca em primeiro plano a escolha do design de cenários ou arrojados planos de câmara. Tenta intrometer-se o menos possível entre a lente e o sujeito filmado. Tal resulta numa imagética algo insípida, especialmente fácil de se fazer sentir nesta que é uma obra muito vagarosa e que, na marca dos 86 minutos apenas, consegue fazer-se sentir algo longa. Não obstante, a mágoa de Súóng torna-se mais transparente desta forma, à medida que o próprio espectador é convidado a partilhar da sua árdua e fastidiosa rotina.
Sem ser um objeto artístico memorável, “The Girl From Dak Lak” tem mérito inegável como representação pessoal e fidedigna do que será a vida no Vietname – algo inteligível para quem vê no ocidente, mesmo para visitantes casuais deste paraíso oriental ( que tão massacrado foi ao longo da sua ancestral história).
TRAILER | THE GIRL FROM DAK LAK NO INDIELISBOA ’22
O 19º IndieLisboa termina este fim de semana e contará ainda com sessões de vencedores, entre segunda e quarta-feira, no Cinema Ideal. Continuem a acompanhar a nossa cobertura entre análise, entrevistas e crónicas diversas!
The Girl From Dak Lak, em análise
Movie title: The Girl From Dak Lak
Movie description: No campo, os dias eram sempre os mesmos, o que levou Súóng a ir para Saigon, a cidade cheia de gente e possibilidades infinitas. Mas quando arranja um trabalho num restaurante pequeno, com outras duas raparigas — onde também moram, juntas — entra numa rotina absorta. Nada parece existir fora do restaurante. Mas a sua vida interior não é tão displicente e há uma batalha dentro de si que terá de resolver.
Date published: 7 de May de 2022
Country: Vietname, Espanha
Duration: 86'
Director(s): Mai Huyền Chi, Pedro Roman
Actor(s): Hạnh Ruby, Huỳnh Thị Phương, Trần Khánh Sơn
Genre: Drama,
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Maggie Silva - 71
CONCLUSÃO
“The Girl From Dak Lak” é um drama de ficção que assume um caráter quase antropológico, cantando os louvores e os esforços de uma jovem rapariga vietnamita que faz das tripas coração para tentar ganhar, perante morosos desafios, a sua independência financeira. Para o público ocidental, muito daquele que verá o filme em festivais de cinema, é um abrir de olhos considerável no que diz respeito a tudo o que tomamos por garantido. Súóng é uma heroína incomum e improvável e o facto de viver habitualmente na sombra torna a sua narrativa mais poderosa.
Pros
- A prestação amargurada e altamente expressiva de Hạnh Ruby no papel central;
- O retrato da vivência de uma rapariga anónima que é capaz de representar a vida de tantas outras;
- O tom naturalista que atravessa toda a obra e que a torna um valoroso documento cultural;
- A representação do estilo de vida e das dificuldades apresentadas pelos vietnamitas, eternamente apresentados como pobres mas com um alto Índice de Felicidade;
Cons
- Letárgica evolução narrativa;
- Falta de antagonismos mais recorrentes e de um conflito significativo a resolver;
- Final desprovido de intensidade dramática;
- A fotografia em estilo quase documental não oferece grande margem no campo do deslumbramento;