L'île au trésor | IndieLisboa

16º IndieLisboa | L’île au trésor, em análise

“L’île au trésor”, um documentário francês de Guillaume Brac, foi um dos poucos títulos a ter lotação esgotada nesta edição do IndieLisboa, onde se insere na Secção Silvestre.

Quando se passa algum tempo a explorar os títulos de um festival de cinema, certos padrões começam a evidenciar-se, mesmo que a existência deles não seja deliberada. No 16º IndieLisboa, por exemplo, o verão parece ser um elemento transversal a vários filmes presentes nas mais distintas secções. Não nos referimos somente a filmes que incidentalmente, se passam nessa altura do ano, mas sim a obras que fazem dos meses mais quentes uma pedra basilar na sua construção de tom e cenário. Também há aqueles filmes onde o verão, pelo menos a um nível metafórico, é tão objeto de estudo para a câmara como as personagens.

São projetos como “Os Jovens Baumann”, onde o hedonismo estival de um grupo de jovens privilegiados leva a um misterioso desaparecimento. São filmes como “Tarde para morir joven” e suas metáforas sobrepostas sobre a efemeridade da juventude e os cismas políticos de um novo Chile. São obras ao estilo de “Verão”, onde a estação titular é ligada a uma ideia de nostalgia melancólica. Em todos estes filmes, há uma associação entre o Estio e a juventude, entre a temporalidade limitada do calor e o modo como a flor da vitalidade está sempre a precipitar-se na direção da velhice, da murcha, do fim.

L'île au trésor critica indielisboa
Uma meditação sobre a inocência da infância em tempos de verão.

Em certa medida, “L’île au trésor” também explora esta mesma dinâmica. No entanto, o método pelo qual traz tais ideias ao grande ecrã é muito diferente dos outros filmes mencionados. Este trabalho assinado por Guillaume Brac toma a forma de um documentário feito à base da observação passiva e algumas entrevistas casuais. O realizador foca o seu olhar num parque aquático nos arredores de Paris, aonde todos os anos chegam famílias e muita miudagem em busca de divertimento, banhos de sol lânguidos e, no caso das crianças, uma oportunidade de encontrar alguma aventura para tornar as férias mais emocionantes.

O filme está dedicado ao irmão mais novo do realizador e à eterna infância. Como tal, apesar da presença adulta também se fazer sentir, são os mais novos que realmente centralizam a atenção da câmara de Brac e dão alguma estrutura a este exercício meio amorfo. Já há dois anos, o mesmo realizador tinha explorado temas e personagens semelhantes em “Contes de juillet”, mas aí o formato escolhido foi a ficção narrativa. O controlo que o artista pode ter sobre uma história orientada por um guião em nada se compara com o caos que pode devir de um documentário como este, como é evidente.

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No entanto, seria injusto dizer que “L’île au trésor” é um exemplo de um filme que fugiu ao controlo do seu realizador. Há uma refrescante natureza aleatória no modo como as imagens são reunidas e se relacionam umas com as outras, mas há também considerável virtuosismo estético na sua filmagem e seleção. Veja-se, por exemplo, como uma viagem pelas águas, à descoberta de estruturas abandonadas possibilita alguns dos momentos mais belos do filme, com superfícies coloridas a serem pintadas pelos reflexos do sol espelhado na ondulação e figuras humanas a deslizar pelo espaço.

Além disso, apesar de Brac nunca forçar conclusões ou julgamentos ideológicos, é certo que o espectador começa a ver o delinear de dinâmicas cáusticas na sociedade aqui filmada. Há uma marginalização clara de certas etnias e classes sociais e isso manifesta-se no acesso de cada um aos espaços de prazer. Nada disto é gritado, pois, afinal, o filme segue as crianças. Os olhos delas, toldados pela inocência e ingenuidade dos mais novos, estão prontos a encontrar possibilidades de brincadeira em todo o lado, mas têm alguma dificuldade em ver as disparidades e hierarquias que ditam quem pode estar em que sítio, quem tem o privilégio da liberdade e quem somente tem a promessa vácua dessa mesma liberdade.

L'île au trésor critica indielisboa
O filme tem algumas imagens belíssimas.

Usar o verão e as distrações suburbanas típicas da estação como pano de fundo, acaba por destacar estas ideias. Quando a brisa refrescante de uma tarde quente, o som das cigarras distantes e o céu luminoso tanto sugerem uma existência primordial, uma liberdade que transcende as estruturas sociais, há algo muito perverso na negação dessas maravilhas a uma parte da população. Trata-se de um subtil jogo de contrastes que confere algum propósito ao filme que, verdade seja dita, é um pouco indistinguível de muitos outros projetos semelhantes.

Se queremos encontrar documentários estivais sobre a observação de uma sociedade cismada, existe uma panóplia de exemplos dos anos 60 e 70 a explorar. Nem temos de ir assim tão longe, admitimos. Basta recuar até ao ano passado, quando “Happy Winter”, não obstante o seu título, se propôs a fazer um estudo parecido, menos político, utilizando quase as mesmas exatas técnicas que Brac aqui aplicou. De facto, essa obra oriunda do país em forma de bota teve a mercê de poupar os ouvidos do espectador do ataque das melodias sacarinas que o cineasta francês tanto insiste em incluir no seu filme. Para não sermos totalmente injustos, temos que admitir como essa escolha musical serve como uma forma de destacar ainda mais o contraste entre o mundo injusto e a fantasia das crianças.

Tais comparações são meio despropositadas, mesmo que a semelhança entre os projetos esteja presente. De facto, só apelamos a isso, como forma de mostrar que “L’île au trésor”, apesar de ser um filme de qualidade, não é particularmente original ou extraordinário. Certamente, não é um filme merecedor da sua posição no top 10 da Cahiers du Cinema, algo que lhe deu fama e uma certa projeção internacional que obras como “Happy Winter” nunca tiveram. Enfim, tal como Brac muito bem mostra, o mundo em que vivemos não é justo e isso tanto se aplica a famílias que querem divertir-se e escapar ao calor do verão como se refere ao mundo do cinema.

L'île au trésor, em análise
L'île au trésor critica indielisboa

Movie title: L'île au trésor

Date published: 11 de May de 2019

Director(s): Guillaume Brac

Genre: Documentário, 2018, 97 min

  • Cláudio Alves - 70
70

CONCLUSÃO:

“L’île au trésor” é uma meditação sobre o verão enquanto cenário para devaneios de crianças à procura de divertimento e o mundo injusto que contrasta com tais maravilhas inocentes. É um exercício observacional relativamente simples, com algumas imagens e sons memoráveis a dinamizarem um pouco a experiência.

O MELHOR: A retórica política que o realizador vai subtilmente tecendo pelo meio da sua observação aparentemente casual e sem propósito definido.

O PIOR: O filme tem 97 minutos e nenhuma estrutura que sustente tal duração. É certo que isso não é muito tempo, mas torna-se cansativo, especialmente quando, em consequência da falta de estrutura, os temas se revelam pela acumulação de repetições das mesmas dinâmicas. Não exageramos quando dizemos que vinte minutos podiam ser facilmente excisados do filme.

CA

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