Victory Day IndieLisboa

15º IndieLisboa | Victory Day, em análise

Todos os anos, em Berlim, centenas de elementos da diáspora soviética reúnem-se no parque Treptower para celebrar a vitória das forças estalinistas contra os nazis. Em “Victory Day”, um dos filmes na secção Silvestre do IndieLisboa, o cineasta ucraniano Sergei Loznitsa documenta essas mesmas celebrações e observa as dinâmicas da multidão com o seu olhar simultaneamente humanista e politicamente aguçado.

Sergei Loznitsa é o raro caso de um realizador que é tão celebrado pelos seus filmes narrativos como pelos seus feitos no panorama do cinema documental. De facto, a presente edição do IndieLisboa mostra ambas estas facetas do cineasta ucraniano, apresentando duas das suas obras recentes, uma narrativa e outra documental. Focando-nos no trabalho de não-ficção, há que reconhecer como “Victory Day” é um filme gritantemente assinado por Loznitsa. Com isto queremos dizer que a marca autoral do cineasta é aqui impossível de ignorar, sendo este mais um documentário de multidões na mesma tradição dos seus filmes passados como “Maidan” e “Austerlitz”.

Tal como nesses filmes anteriores, “Victory Day” é uma documentação de massas imensas de pessoas unidas numa atividade unificante. Tal como nesses outros títulos, Loznitsa faz essa documentação através do uso de uma coleção de planos, na sua maioria gerais, que retratam a dinâmica de multidões, ao mesmo tempo que, na banda-sonora, se sobrepõem os sons de centenas de conversas a ocorrer em simultâneo. Como sempre, Loznitsa não oferece grande contextualização histórica e prefere ficar-se pela observação passiva, excisando mesmo o uso de música ou intertítulos informativos.

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“(…)a marca autoral do cineasta é aqui impossível de ignorar(…)”

Esta abordagem dissimuladamente simples induz a participação do espectador, que é aqui convidado a perscrutar as tapeçarias de humanidade viva de Loznitsa. Neste caso, o evento unificante desta multidão examinada é a celebração da vitória soviética sobre as forças nazis, uma ocasião que traz a diáspora ex-soviética ao Parque Treptower em Berlim todos os anos. Sob a vigília de monumentos leninistas e estalinistas, estas pessoas cantam melodias soviéticas, uivam gritos de vitória e guerra, assistem a espetáculos de danças tradicionais russas e pavoneiam-se em t-shirts com mensagens contra os nazis ou mesmo com a face de Putin orgulhosamente declarado como “Sr. Presidente”.

Dos títulos anteriores na filmografia de Loznitsa, aquele que mais se aproxima de “Victory Day” é o já mencionado “Austerlitz”, uma perturbadora observação do turismo aos campos de concentração. Com isso dito, existem duas importantes distinções entre os dois projetos. Referimo-nos ao uso de cor e espaço vazio. É que, enquanto o filme sobre as infernais fábricas de extermínio do Terceiro Reich foi filmado num registo de preto-e-branco aguçado e em composições que muitas vezes enfatizavam áreas vazias de presença humana, “Victory Day” é um filme cheio de cor e ruído visual.

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A variação cromática, permite ao realizador mostrar como, num só dia do ano, o parque berlinense é pintado em vermelho, quer seja essa cor manifesta em bandeiras, trajos ou mesmo em pequenas montanhas de cravos vermelhos. Só aí, Loznitsa justifica a sua escolha de cor em prol da limpeza monocromática do preto-e-branco. A falta de vazio, contudo, é mais difícil de explicar. Em comparação com “Austerlitz”, “Victory Day” é um filme de imagens constantemente saturadas de informação, com raras aberturas para o olho repousar. Só mesmo quando a câmara se afasta da população e olha para cima, para a frieza impávida dos monumentos soviéticos, é que, por momentos, o caos visual dá lugar a ordem.

Os campos de concentração são monumentos para a lembrança da derrota, do sofrimento e capacidade humana para a destruição. Quase ninguém visita tais lugares com o intuito de celebrar e foi precisamente a pátina de respeito a esconder aborrecimento ou indiferença que representou um dos grandes achados de Loznitsa por entre as multidões desse seu filme anterior. Neste caso, existe o intuito da celebração, do orgulho no passado. Os horrores do regime estalinista são esquecidos, mas não é por meio da indiferença apática, mas sim pela sobreposição de glórias bélicas. Por isso, ao invés de vazios ominosos, temos tableaux a rebentar de informação e planos gerais onde monumentos se impõe sobre a paisagem natural e sobre a pequenez humana.

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“(…)uma análise da história através das marcas deixadas por ela na sociedade atual(…)”

Esta celebração sem estribeiras do regime soviético vai ainda de encontro a um dos temas mais comuns de Loznitsa que é o legado do antigo bloco de leste na contemporaneidade e as cicatrizes dos seus horrores nas pessoas e sociedades dos nossos dias. É difícil não sentir algum horror quando vislumbramos meninos que ainda nem dez anos devem ter a desfilarem em uniformes militares soviéticos, por exemplo. Ao mesmo tempo, Loznitsa é criador de um cinema humanista, havendo tanta beleza como horror neste seu álbum de multidões.

Através de tais contrastes, de tal observação, o cineasta propõe-nos uma análise da história através das marcas deixadas por ela na sociedade atual, algo que é bem escondido pela superficial modéstia estrutural e formal do projeto. Enfim, a única grande crítica que, no final, se pode fazer a “Victory Day” é somente que, face aos anteriores esforços do realizador com temas e abordagens semelhantes, este filme acaba por parecer um pouco redundante e comparativamente convencional.

 

Victory Day, em análise
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Movie title: Den' Pobedy

Date published: 28 de April de 2018

Director(s): Sergei Loznitsa

Genre: Documentário, 2018, 94 min

  • Cláudio Alves - 80
80

CONCLUSÃO

“Victory Day” é mais um monumento de observação humana assinado por Sergei Loznitsa e, como os seus esforços anteriores, é um projeto tão revelador como desafiador para o espetador. Aqui, no entanto, temas e fórmulas familiares do cineasta ucraniano ganham uma pátina de infeliz convencionalidade quando comparados a alguns dos outros títulos na sua filmografia.

O MELHOR: Pequenas gemas de observação humana como é o caso de um par de mãe e filho que observam um espetáculo de danças russas no meio da rua. A mãe parece estasiada em epítetos de adoração silenciosa. O filho por outro lado, parece estar quase anestesiado por palpáveis doses de aborrecimento. Algures na multidão, um telemóvel toca, entrecortando as melodias tradicionais das estepes.

O PIOR:
O filme perde muito quando é diretamente comparado com “Austerlitz”.

CA

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