IV Mostra de Cinema Olhares Sobre Angola | Maria do Sameiro André em entrevista exclusiva

Maria do Sameiro André, responsável pela mostra de cinema “Olhares Sobre Angola”, fala-nos sobre mais uma edição. A conversa aconteceu em exclusivo na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema.

Maria do Sameiro André é documentalista no Centro de Documentação da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema e partilhou connosco algumas informações acerca da sua Mostra de Cinema “Olhares Sobre Angola”. A conversa com “a angolana a viver em Portugal” foi longa, mas não menos interessante.

Maria do Sameiro André cativou-nos facilmente, porque cedo se mostrou disponível para a entrevista, que se realizou no seu local de trabalho. Um agradecimento especial ao Gabinete de Relações Públicas da Cinemateca Portuguesa, por nos ter concedido permissão para fotografar no estabelecimento. Faltando pouco tempo para o começo da IV edição dos “Olhares Sobre Angola”, Maria do Sameiro André falou-nos das razões para a criação do evento que decorre no Hangar – Centro de Investigação Artística entre o dia de hoje e do de amanhã. Maria do Sameiro André manteve sempre a boa disposição e deixou-nos confortáveis durante toda a conversa. Leia a entrevista que abaixo transcrevemos:

MHD: Como surgiu a ideia para a criação da Mostra de Cinema “Olhares Sobre Angola” e o nome da mesma?

MSA: A ideia da mostra aconteceu de maneira muito curiosa (risos). Enquanto documentalista no Centro de Documentação da Cinemateca Portuguesa e membro da organização Il Sorpasso – Festa do Cinema Italiano -, fui convidada pelo presidente da mesma para a realização de um ciclo sobre a cinematografia angolana. Foi então que contactei com o Jorge António, realizador de cinema, para me ajudar nesse projecto, e ao mesmo tempo ele também recebeu um convite para organizar um ciclo de cinema angolano. Ambos trabalhamos diretamente com o mundo da sétima arte, e estamos também ligados a Angola. Eu, angolana, a viver em Portugal, ele, português a viver em Angola.

De conversa em conversa, e após o estabelecimento de alguns contactos, decidimos avançar com a ideia para esta mostra. O objetivo seria claro: procurávamos estabelecer uma visão contemporânea sobre as correntes cinematográficas angolanas. Quanto ao nome surgiu-me de forma peculiar  uma vez que, estava em casa, a ouvir as músicas de Paulo Flores e a preparar funge, um prato típico angolano. Foi então que ao contemplar a comida, e ao ouvir a música da minha terra concluí: o cinema é ver, ouvir, olhar…(risos). E pensei “Olhares Sobre Angola” é o nome da mostra. Apresentei o nome, todos concordaram, e assim ficou.

Olhares Sobre Angola

MHD: Sendo a mostra intitulada “Olhares Sobre Angola” de que forma contempla o cinema angolano?

MSA: Para falarmos da forma como vejo o cinema angolano, acho que temos que partir bem lá do princípio. O cinema angolano pode ser dividido em três fases. Uma primeira correspondente ao período em que o país era ainda uma colónia portuguesa, um cinema caracteristicamente propagandista e que, por isso, dizia respeito a um cinema português que filmava Angola e não a um cinema angolano feito por angolanos. Era, melhor ainda, um cinema de identidade portuguesa. A segunda fase demarca-se por um cinema militante, de luta armada pela independência, associada aos movimentos de libertação. Segue-se uma terceira fase, do pós-independência até chegarmos ao cinema dos dias de hoje. Como dizia Ruy Duarte de Carvalho, o cinema em Angola, nasceu simultaneamente , com o nascimento de Angola como nação, como uma “cinematografia de urgência”.

E dentro destes momentos, destaco alguns cineastas, como António Lopes Ribeiro, Baptista Rosa, Sarah Maldoror, Orlando Fortunato, Mariano Bartolomeu, Maria João Ganga, Zézé Gamboa, e tantos outros nomes, que ficam por dizer, mas nem por isso menos marcantes, e ainda o relevante papel da TPA – Televisão Popular de Angola, na história da cinematografia de Angola, como também e já numa fase contemporânea “o cinema da poeira”, que seria o cinema feito pelos movimentos da periferia de Luanda,  realizados com escassos meios técnicos;  e claro, a Geração 80 e outros mais.

Acrescento que falar sobre o cinema angolano é uma tarefa que exige talvez, algum empenho de cariz investigativo, seja sociológico ou antropológico. Muitos dados perderam-se na guerra civil de Angola, bem como alguns dos principais testemunhos estão desaparecendo. É importante avaliar aspectos históricos, sociais, políticos e ideológicos, económicos, seja a nível interno ou externo ao país. É o que tem feito, de alguma forma, José Mena Abrantes, figura de relevo no que diz respeito ao estudo do cinema angolano. Eu, pessoalmente tenho tentado conhecer um pouco mais, e por vezes deparo-me com questões muito curiosas, que só compreendo melhor depois de conhecer alguns pormenores históricos sobre Angola e Portugal.

‘Olho’ o cinema angolano, no seu todo, avaliando-o, por aquilo que vejo, pela mensagem que me transmite, e estou muito contente. No momento, não dou prioridade a estética dos filmes. Para já, não a considero de todo, prioritária. Considero que a qualidade não é prioridade, porque ela não sobrepõe uma hierarquia, embora merecendo ser reconhecida.

MHD: Nos últimos anos a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema demonstrou apoio à mostra “Olhares Sobre Angola”. Qual a razão para realizá-la agora no Hangar – Centro de Investigação Artística?

MSA: O objetivo inicial da mostra seria levá-la de norte a sul do país, de este a oeste, sem esquecer as ilhas. Mas isso ainda não aconteceu. O seu formato era muito mais abrangente a outras manifestações artísticas, sempre direccionadas ao cinema. A primeira edição ocorreu no Espaço Nimas, as restantes aconteceram aqui na Cinemateca Portuguesa. No entanto, por falta de financiamento, e por querermos conquistar um outro público, decidimos apresentá-la no Hangar – Centro de Investigação Artística. Note que, e acho realmente necessário ter isto em conta, que estamos a tratar de tudo sem patrocínios. Estamos a fazê-lo por amor à arte e por fidelidade ao projeto, que eu e o Jorge abraçamos. O Hangar traz a possibilidade de chegarmos a outro tipo de público e desfrutarmos de um novo tipo de espaço. Queríamos ir ao encontro do público, porque o público por vezes, não vem ter connosco. É também necessário, nós irmos ter com o público. E sendo o lema desta mostra a sua itinerância , fazia sentido a mudança de local para esta edição. No entanto, a Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema não está fora de questão para as próximas edições.

MHD: Considera relevante o apoio que Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema tem demonstrado em relação a mostras e festivais de cinema que decorrem em simultâneo noutros espaços da cidade de Lisboa (DocLisboa, IndieLisboa ou Leffest – Lisbon & Sintra Film Festival)?

MSA: Claro que sim. A Cinemateca Portuguesa é a casa do cinema por excelência em Portugal e é importante que tenha uma participação ativa nestes eventos e festivais que acontecem no país. A repercussão destas colaborações são muito positivas para todos.

Olhares Sobre Angola

MHD: Explique-nos um pouco como se procedeu à seleção dos filmes que serão apresentados nos próximos dias 25 e 26 de outubro no Hangar?

MSA: Esta mostra tem como curadores eu e o Jorge António. O Jorge ocupa-se da programação e eu da produção. Embora tomemos decisões em conjunto, é ele selecciona a programação. Na edição passada destacamos o trabalho do realizador angolano Mariano Bartolomeu, mas desta vez decidimos que seria interessante destacar os trabalhos mais recentes do cinema angolano, que têm tido muito destaque dentro e fora do país. Muitas dessas obras são produzidas pela Geração 80. Achamos oportuno apresentarmos esta produtora ao público. Os seus trabalhos são tão valiosos, criados por jovens artistas com várias formações e com muito talento.

MHD: Existe cada vez mais público a aderir a esta forma de eventos cinematográficos (mostras, festivais, etc.). No entanto, poucos desses filmes são distribuídos comercialmente no nosso país (continente e ilhas). Acha que existe uma divisão ‘desproporcional’ dos tipos de espetadores ou serão apenas razões de distribuição?

MSA: Sinceramente considero que há um jogo de interesses quanto à distribuição comercial, mas é necessário fazermos uma avaliação justa. Existem filmes que são realizados para um determinado formato, para um determinado público. E outros não são facilmente entendidos pelos espectadores. Para termos uma resposta consistente, é muito importante analisar as estruturas sociais culturais, políticas, económicas de um povo. Talvez possa ser criada uma lei de cinema que contemple esta questão. Não deveremos tirar conclusões precipitadas. Não gosto de o fazer.

Quanto ao cinema angolano e a propósito da Geração 80 sei que, não foram estreados nas salas de cinema portuguesas, mas desconheço as razões. A realizadora e directora de fotografia Kamy Lara estará presente nos dois dias da mostra, por isso, penso que seja ela a pessoa mais indicada para responder à sua pergunta.

Olhares Sobre Angola

6 – Curiosamente, a diversidade de atores de nacionalidades e etnias tão diferentes continua a ser uma temática bastante discutida na indústria cinematográfica em Hollywood. Acredita que o cinema português já ultrapassaram essas barreiras ou há ainda um longo caminho a percorrer?

MSA: Há um longo caminho a percorrer, apesar da preocupação em promover outras culturas, sejam os negros, os ciganos, ou outros. Nunca mais me esqueço quando terminei o meu curso e, eu e um grupo de colegas queríamos lançar uma revista sobre africanos em Portugal e até espalhados pelo mundo. Procurámos patrocinadores e estava tudo a postos para lançar a revista. No entanto, houve um nome de referência da comunicação e imprensa em Portugal que me respondeu: “Gosto muito desta ideia, mas os pretos não vendem em Portugal. As capas com pretos que vendem em Portugal são os futebolistas.” Há por isso um longo caminho a percorrer. Provavelmente a televisão portuguesa segue um novo caminho, com a introdução de atores negros nas telenovelas portuguesas, mas no cinema não o vejo (muito pensativa).

8 – Quais são os planos para o futuro? A Mostra de Cinema “Olhares Sobre Angola” irá regressar?

MSA: A Mostra vai regressar com toda a certeza. O objetivo é continuar a expandir. Já temos projeto para a próxima edição, e embora não saibamos o mês, apontamo-lo para o mês de julho de 2018. A ideia continua ser expandir horizontes e não centralizarmos o nosso trabalho apenas no cinema ou no audiovisual. Queremos conjugar diversas manifestações artísticas e transpô-las para a mostra, sempre com principal intuito de dar a conhecer ao público o cinema de Angola, que está em constante crescimento. Assistimos, cada vez mais, ao aparecimento de uma nova geração de artistas muito empenhados e focados na afirmação de uma verdadeira identidade cinematográfica angolana.

Os trabalhos da Geração 80 são apresentados no vídeo abaixo. A Magazine.HD é Media Partner da IV Mostra de Cinema Olhares Sobre Angola e estará presente na edição, onde realizará algumas entrevistas e destacará o melhor de mais um festival de cinema que passa por Lisboa. 

Geração 80 | Portfolio 2017 from Geração 80 on Vimeo.

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