Jane Campion | Mestra da Sétima Arte

No mês em que Jane Campion celebra o seu 63º aniversário, a Magazine HD vai recordar a grandiosa filmografia de uma das melhores cineastas de sempre.

 

Jane Campion durante as filmagens de AN EXERCISE IN DISCIPLINE: PEEL (1982)

 

Jane Campion é uma realizadora que, para algumas pessoas infelizes, é maioritariamente reconhecida pelos seus feitos históricos e não tanto pelo seu trabalho enquanto cineasta. Campion foi a primeira mulher a ganhar a Palme d’Or para curtas-metragens e, menos de uma década depois desse feito, tornou-se na primeira e única mulher a sair do Festival de Cannes com a maior honra da competição principal. Pelo mesmo filme que lhe valeu a tão desejada Palme d’Or em 1993, Campion arrecadou uma nomeação para o Óscar de Melhor Realização, tornando-se somente na segunda mulher a alcançar tal validação por parte da Academia de Hollywood. Ela acabaria por perder a estatueta para Steven Spielberg, mas não saiu da cerimónia de mãos a abanar, arrecadando o prémio para Melhor Argumento Original. Esse foi o píncaro da sua carreira até agora mas, independentemente da aprovação do público ou da crítica geral, Jane Campion é um dos maiores génios da sétima arte da atualidade, independentemente de quaisquer considerações de género, nacionalidade, etc.

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Antes de se aventurar no mundo do cinema, Campion, que nasceu em Wellington na Nova Zelândia, tirou um Bacharelato em Antropologia na Universidade de Victoria e, mais tarde, veio a licenciar-se em Pintura na Faculdade de Sidney, após ter viajado pela Europa e ter tido aulas em Londres. A futura realizadora de cinema, depressa se aborreceu com os limites plásticos da pintura e tentou encontrar novas formas de expressão e foi aí que se deparou com a sétima arte. Influenciada pelos seus ídolos da pintura, como Frida Kahlo, Jane Campion deu início à sua carreira como cineasta através de uma série de curtas-metragens feitas em colaboração com a produtora Jan Chapman e com a Escola de Televisão e Rádio Australiana.

 

 

Essas curtas-metragens são uma pequena coleção de obras-primas em miniatura e foram a pedra basilar da reputação internacional de Jane Campion. Em 1986, uma das suas curtas originalmente filmadas em 82 foi exibida no festival de Cannes e valeu à realizadora o prémio máximo para curtas-metragens desse festival. O filme em questão foi An Exercise in Discipline: Peel, uma preciosidade de nove minutos que diz mais sobre dinâmicas familiares que muitos épicos com mais de dez vezes a sua duração. Aqui, a aptidão de Campion para examinar comportamentos humanos de forma simultaneamente empática, estética e clínica chega à sua primeira apoteose, tornando todas as ações e, ainda mais importante, todas as inações de um microscópico drama do quotidiano em poços de significado nunca verbalizado mas subentendido pela audiência que tem o privilégio de ver o filme. Em termos mais formais, a mestria rítmica e composicional do estilo de Campion tem aqui a sua primeira grande montra.

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As suas outras curtas receberam, na sua maioria, semelhante aclamação crítica e outros prémios importantes, especialmente o mosaico de observação cerebral que é Passionless Moments, mas, hoje em dia, quase ninguém fala delas. Isso é compreensível se considerarmos a qualidade estratosférica das longas-metragens de Jane Campion. O primeiro desses esforços foi Two Friends, um projeto inicialmente edificado como um telefilme mas que, quando os produtores viram o que Campion tinha conseguido fazer com um argumento pré-existente de Helen Garner, foi proposto a uma série de festivais de cinema por todo o mundo. Um dos festivais que exibiu o filme foi Cannes, na secção Un Certain Regard. Não é preciso dizer que isto foi um começo muito auspicioso para a realizadora neozelandesa.

 

jane campion sweetie
SWEETIE (1989) de Jane Campion

 

Em 1989, Jane Campion realizou o seu primeiro filme pensado e filmado diretamente para o grande ecrã e, como seria de esperar, os resultados foram sublimes. Sweetie foi apresentado na competição principal de Cannes, onde, desta vez, Campion não ganhou nada a não ser, é claro, o prestígio e exposição que tal posição deu ao seu trabalho. No ano a seguir, ela voltaria a ver um dos seus projetos televisivos a ser empurrado para o circuito dos festivais de cinema. An Angel at My Table, uma obra que foi inicialmente planeada como uma minissérie biográfica sobre a escritora neozelandesa Janet Frame, tomou de assalto o Festival de Veneza onde arrecadou sete estonteantes prémios e garantiu ao mundo que Jane Campion era, sem sombra de dúvida, uma das maiores vozes do cinema contemporâneo.

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Essa noção foi reforçada em 1993, quando a realizadora estreou em Cannes a sua magnum opus, O Piano, que ganhou a Palme d’Or num empate com Adeus Minha Concubina do chinês Chen Kaige. O filme foi um fenómeno internacional sem precedentes tanto na carreira de Jane Campion como na história do cinema da Nova Zelândia. O sucesso deste triunfo cinematográfico foi tal que, chegada a Awards Season, o filme evidenciou-se como um dos grandes favoritos e acabou por conquistar oito indicações para os Óscares, incluindo para Melhor Filme e Realização. A Lista de Schindler acabaria por dominar a cerimónia desse ano, mas, mesmo assim, Campion ganhou o prémio de Argumento Original, e o filme ainda saiu vitorioso nas corridas a Melhor Atriz (Holly Hunter) e Melhor Atriz Secundária (Anna Paquin).

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O sucesso estrondoso de O Piano viria tanto a ser uma bênção como uma maldição. O Retrato de Uma Senhora foi uma adaptação literária demasiado experimental e complicada para a maioria dos críticos e espetadores; Fumo Sagrado provou-se demasiado abrasivo na sua representação da guerra dos sexos e In the Cut foi vítima das expetativas de quem esperava ver no filme um showcase para as capacidades dramáticas de Meg Ryan ou um thriller feito segundo as convenções do género. Todos estes filmes são fantásticos de maneiras distintas, mas é fácil perceber as razões por detrás da sua rejeição crítica e comercial. Em 2009, depois de uma pausa de seis anos, Jane Campion estreou Bright Star em Cannes e conseguiu reconquistar muito do prestígio que as suas produções mais experimentais lhe tinham injustamente custado.

 

nicole kidman jane campion margens do paraiso
MARGENS DO PARAÍSO, 2ª temporada (2017) de Jane Campion

 

Depois disso, Campion voltou à televisão, onde provou novamente a sua mestria. Com a sua atmosfera opressiva e cáustica dissecação de preconceitos, injustiças e crimes enraizadas na psique coletiva de uma comunidade neozelandesa, Margens do Paraíso foi inicialmente edificado como uma minissérie, mas os resultados finais foram tão grandiosos que rapidamente se começou a falar de uma segunda temporada. Em reconhecimento da mestria da sua realizadora, essa segunda narrativa vai estrear no festival de Cannes deste ano, algo muito raro para um trabalho televisivo. Enfim, é impossível negar a mestria de Jane Campion, independentemente do formato, duração ou registo dos seus trabalhos. Ela é verdadeiramente uma mestra da sétima arte!

 


Retrospetiva Jane Campion: Two Friends, em análise >>


 

Durante a próxima semana, a Magazine HD vai revisitar todas as longas-metragens de Jane Campion. A nossa primeira vítima é o telefilme tornado sensação da Croisette, Two Friends. Vai para a próxima página, onde poderás ler uma análise desse grande retrato de uma amizade adolescente em processo de decomposição.

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