Joan Baez © Zero em Comportamento

A Cantiga é uma Arma, a Crítica | O Lado B de Joan Baez

Depois do notável arranque de sucesso de “A Complete Unknow”, sobre Bob Dylan também o documentário biográfico sobre a sua parceira e musa inspiradora “Joan Baez: A Cantiga é uma Arma” (“Joan Baez: I am a noise”), tem levado muitos espectadores às salas sobretudo os amantes da música dos dois. Só que o filme da ‘tripla’ de realizadoras M. Navasky, O. O’Boyle e K. O’Connor, mostra-nos muito mais do que isso…. Baez mostra-se como uma ‘completa desconhecida’

Desde o momento em que anunciou a sua última digressão, em 2019 — que aliás passou também por Portugal — que Joan Baez decidiu colocar-se nas mãos de três cineastas, M. Navasky, O. O’Boyle e K. O’Connor, para lhes contar sobre o seu percurso, relacionamentos — sobretudo com Bob Dylan —, o seu ativismo politico e social e as suas experiências musicais da sua longa carreira, que começou aos 18 anos.

Porém o documentário “Joan Baez: A Cantiga é uma Arma” — o título original “Joan Baez: I am a noise”, é muito mais feliz que o português, e corresponde melhor à essência do filme — surpreende-nos por mostrar muito mais do que já é conhecido pelos seus fãs:  uma mulher ‘completamente desconhecida’, um outro lado mais cinzento da vida da cantora e autora, ente muitos temas de ‘Diamonds and Rust’.

O filme, efectivamente traz à tona aspetos muito relevantes da sua vida privada, acontecimentos do passado, ligados ao abuso paterno, que a marcaram de uma forma ou de outra e às irmãs (Mimi e Pauline), além de nos revelar muito das suas memórias, diário secreto, cartas, escritos e sobretudo os seus magníficos desenhos, quando era adolescente.

O público, o privado e o secreto de Joan Baez

joan baez no seu documentário
© Zero em Comportamento

A própria Baez comenta neste documentário, produzido por Patti Smith, que todas as pessoas têm três vidas: pública, privada e secreta. E assim, quase tudo isso é descrito neste filme notável que foge à regra de mostrar somente, a figura, a vida e a obra, para se transformar numa verdadeira imersão na vida da cantora ou melhor numa catarse pessoal ou numa auto-análise psicológica da sua personalidade algo controversa, perante o seu público.

Embora seja certamente muito interessante de facto reconstruir a sua carreira meteórica como cantora e compositora, falar da sua relação com Bob Dylan, das suas atividades contra a segregação racial nos anos 60 nos EUA ou sobre a Guerra do Vietname, “Joan Baez: A Cantiga é uma Arma” torna-se muito mais interessante ao ouvirmos da boca da cantora a sua própria história e sem filtros e mergulhando nas suas mais dolorosas memórias, para que possamos compreender as razões de muitos dos seus altos e baixos emocionais e ainda o que causou a morte prematura, da sua atormentada mas igualmente talentosa irmã Mimi Baez (Fariña).

Livrar-se de um fardo pesado

Joan Baez
Joan Baez, é aqui no filme uma ‘completa desconhecida’. © Zero em Comportamento

“Joan Baez: A Cantiga é uma Arma” é assim devaneio lírico, uma reconstrução sensível que transcende a mera mecânica do filme biográfico e mergulha gradualmente nessas cavidades mais privadas e viscerais da alma da sua protagonista, como que se libertando de um fardo que só cansou o agitado percurso da sua vida.

E fá-lo através de uma montagem artística subtil e delicada, como se caminhássemos de mãos dadas com Joana Baez por paisagens requintadas, expansivas e naturais, desafiando ao mesmo tempo os nossos preconceitos e apelando aos nossos sentidos mais adormecidos.

De facto, o tempo não perdoa, e as quase ‘cordas da harpa’ que Baez guardava na garganta começam aos poucos a relaxar:  a sua voz imaculada já não vibra mais como vidro, e o passado glorioso é uma laje esmagadora da qual, apesar de tudo, tem conseguido livrar-se. E conta-nos isso com um sorriso, uma certa naturalidade e uma sensação de aceitação. Na verdade, confessa mesmo, que a sua década preferida é a atual, é crível ver como apesar dos seus 80 anos, a cantora respira vitalidade, lidando com o presente, como lida com o passado. 

Arquivos e desenhos animados

O filme é constituído a partir de material original, reunido excelentes imagens de arquivo, fotos e filmes caseiros e de concertos, bem como os extraordinários desenhos que Baez fez durante a sua infância e juventude. Através da técnica de animação, os desenhos e os textos ganham uma nova vida e adquirem hoje um significado diferente do que quando foram feitos.

“Joan Baez: A Cantiga é uma Arma” é um filme emocionante que testa a sensibilidade e a capacidade de introspecção do espectador. Joan Baez tem sido, além de uma artista sublime, uma ativista de muitas causas, mas se há algo ativo neste filme é o desejo de autoconhecimento, de estar à vontade consigo mesmo e de encontrar alguns mínimos sentido na vida, mesmo que seja dançar descalço até a música parar de tocar.

Já tiveste oportunidade de ver “A Complete Unknown”? Então não te falta nada para ver “Joan Baez: A Cantiga é uma Arma”.

  • José Vieira Mendes - 75
75

CONCLUSÃO:

  • “Oh, liberdade / oh, liberdade / oh, liberdade em mim”, entoa num dos momentos do documentário “Joan Baez-A Cantiga é uma Arma” a vibrante voz gospel da ainda jovem cantora, abrindo enérgica e docemente a cortina deste seu biopic nada convencional, que é na verdade uma espécie de diário emocional ou catarse com o seu público. Com toda a sua simplicidade natural, sorriso bonito e beleza madura, é a própria Joan Baez, serena e lúcida, que nos guia neste documentário como apresentadora da sua própria história, da sua lenda, das suas paixões e traumas, até que nos abre sem corar nem temer o que há de mais íntimo e sombrio no seu passado. “Joan Baez-A Cantiga é uma Arma” é uma reconstrução sensível que transcende a mera mecânica do biográfico e mergulha gradualmente nas cavidades mais privadas e viscerais da alma da sua protagonista. Fascinante!

JVM

Pros

  • O dilema entre forma e conteúdo é sempre muito comum nos documentários biográficos. Não é o caso deste, já que a vida de Joan Baez, que se tenta resumir em imagens  consegue ser fascinante, exemplar e emocionante porque vai ao mais íntimo e desconhecido da cantora.

Cons

  • A ausência do mínimo indício de crítica a Joan Baez, acabam também por jogar a favor dos seus detractores que durante décadas a acusaram de ser arrogante e de se apropriar dos méritos dos outros.
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