ArteKino L'Animale critica

ArteKino ’18 | L’Animale, em análise

L’Animale”, um drama austríaco da realizadora Katharina Mückstein, foi uma das obras estreadas nas secções paralelas da Berlinale deste ano e agora está disponível online no site do Festival ArteKino.

Ser jovem não é fácil. Mais especificamente, ser um adolescente é um inferno. Quem quer que negue tais verdades ou está a mentir ou a viver num mundo de adocicadas ilusões que em nada correspondem à dura realidade em que vivemos. Trata-se de um período de crescimento e maturação forçada por paradigmas sociais e ditames biológicos, um renascer do indivíduo para a idade adulta e uma explosão de novas inseguranças e emoções que de repente consomem até os mais estoicos. Não admira que o cinema seja tão obcecado com histórias de jovens a chegar à idade adulta, as histórias apelidadas de “coming of age” na anglofonia ou “bildungsroman” se nos referirmos a um modelo literário germânico.

“L’Animale”, a segunda longa-metragem da cineasta austríaca Katharina Mückstein é mais um título que se junta a este cânone de cinema sobre jovens em períodos de transição. O sujeito do retrato é Mati, uma maria-rapaz de classe média, com uma mãe veterinária que espera ver a filha seguir o mesmo percurso profissional e um pai que anda há indefinidas eternidades a ver se acaba a construção da casa da família. Mati é uma jovem desprovida de ambição ou sonhos para um futuro risonho, sendo que somente se parece preocupar com os prazeres simples de andar de moto na companhia do seu gangue de amigos, todos eles rapazes.

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Uma história de crescimento, de autodescoberta e desejos reprimidos.

Quando não estão a andar de mota ou a cometer atos de vandalismo, Mati e o grupo passam o tempo na discoteca local. Trata-se de um local escuro e lúgubre, onde ressoam constantes batidas techno, mas não há grande deslumbramento ou a noção de que as pessoas se estão a divertir. A certa altura, parece que os jovens frequentam o sítio, não porque gostam de lá estar, mas porque já é um hábito. À noite, vai-se à discoteca. É uma rotina, tão aborrecida e desmotivada como os ritmos atordoantes do trabalho de escritório de adultos infelizes. Somente uma ocasional explosão de testosterona juvenil consegue atenuar o tédio.

“L’Animale” passa bastante tempo a observar a dinâmica social deste coletivo adolescente, capturando tanto o seu aborrecimento como a falta de rumo que lhes define a vida. Estas são pessoas que parecem existir sem desejos ou esperanças. Talvez seja melhor assim, pois a única vez que a sombra de algo assim se regista, é quando o melhor amigo de Mati faz algumas insinuações românticas e é prontamente rejeitado. O filme é da perspetiva da adolescente, mas é clarividente que a realizadora também tem empatia pela dor do rapaz rejeitado e condenado a dedicar a vida a uma quinta de família.

Parte dessa rejeição deriva do facto que Mati poderá nem sequer sentir atração por rapazes. Ao longo do filme, que funciona como uma espécie de história de autodescoberta, e protagonista mostra-se atraída por uma mulher mais velha que leva o seu gato à clínica veterinária da mãe. Aí, nessa magnética e sedutora presença, Mati parece finalmente encontrar algo que lhe dá propósito e desperta o seu interesse, que a cativa e a faz reconsiderar o modo como a sua vida se desenrola num ciclo de apatia e vandalismo. O percurso até aceitar que tem de mudar e que o que está a sentir não é algo passageiro não é fácil, mas existe e é só necessário esforço para o percorrer.

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O que grandemente diferencia “L’Animale” de outros projetos semelhantes, especialmente no panorama do cinema queer, é a sua expansão narrativa a pessoas que não Mati, nomeadamente aos seus pais. Usualmente, filmes assim, por muito dolorosos que possam ser, contêm em si a promessa silenciosa que todas as inseguranças e repressões da juventude são algo efémero e passageiro, condenado a esvanecer com a entrada noutra fase da vida. “L’Animale” arrisca negar esse conforto, essa apaziguadora promessa. Os pais de Mati de modo algum acabaram o seu processo de crescimento e as dores que acompanham o processo, no seu caso, são ainda piores que as da filha.

No caso do seu pai, temos outra relação conflituosa entre um indivíduo e seus desejos homossexuais. Só que, enquanto Mati é uma jovem que tem à sua frente a possibilidade de construir uma vida assente numa identidade queer que é aceite por si mesma, o patriarca frustrado que passa a vida em apps e sites de encontros gay há muito perdeu tais oportunidades. Ele é um homem que tem uma esposa, uma família, e que trai tudo isso pois reprimiu impulsos eróticos que simplesmente não consegue negar a si mesmo, impulsos que são uma parte de si, uma parte mais honesta que aquela que finge estar feliz a partilhar a vida ao lado de uma mulher.

O filme não o desculpa, nem o vitimiza e também não pinta a mãe controladora em tonalidades extremas. Os atores muito contribuem para esta multidimensionalidade, especialmente Kathrin Resetarits como a matriarca que não tem direito a outro nome que não “Mãe”, mesmo nos créditos, apesar da sua psicologia complicada. “L’Animale”, há que se entender, não é um filme de binários psicológicos, mas sim de complicadas permutações de maturação, desejo e autorrepressão. Não há muitas respostas fáceis que possam ser oferecidas como soluções à infelicidade em que as figuras centrais se encontram presas.

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Ser jovem é difícil, mas ser adulto também não é fácil.

Infelizmente, tal recusa de simplistas resoluções de caracterização e psicologia não quer dizer que “L’Animale” seja necessariamente desprovido de clichés. De facto, este é um filme pejado deles, tanto a nível textual como estético. Por um lado, temos cenas tão familiares como uma aula em que se discute um livro cujos temas magicamente replicam os dilemas da protagonista, por outro, temos a qualidade reacionária da execução formal. Além do mais, a excisão do cliché fácil acaba por deixar Mati um pouco vazia e opaca, uma marioneta de carne que não representa um binário psíquico banal, mas cuja interioridade é-nos escondida de um modo que em nada beneficia o projeto.

Este é um prototípico drama realista europeu e quando se aventura por mecanismos mais estilizados e fora da norma fá-lo sob a forma de cópia descarada, como numa cena claramente inspirada por “Magnolia” de Paul Thomas Anderson. Aí, várias personagens cantam uma música italiana e falam do poder dos seus desejos animalescos. Parece, por momentos que o filme está a declarar a sua tese e a celebrar os desejos que o elenco passa a narrativa a reprimir. Contudo, não só é uma cópia chapada estilisticamente incoerente com o resto do filme, como a mensagem é antagónica a uma obra que pode pensar que explora bem o poder do desejo humano, mas raramente se atreve a sair de um registo de repressão polida e respeitavelmente desinspirada.

L'Animale, em análise
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Movie title: L'Animale

Date published: 31 de December de 2018

Director(s): Katharina Mückstein

Actor(s): Sophie Stockinger, Kathrin Resetarits, Dominik Warta, Julia Franz Richter, Jack Hofer, Dominic Marcus Singer, Simon Morzé, Stefan Pohl

Genre: Drama, 2018, 96 min

  • Cláudio Alves - 60
60

CONCLUSÃO

Apesar de uma boa premissa e algumas ideias estruturais bem refrescantes e inteligentes, “L’Animale” é um filme que sofre pela sua falta de originalidade, tanto em termos de texto como de forma.

O MELHOR: O diálogo entre a história adolescente e a adulta, a fricção temática que conjura é o aspeto mais refrescante de todo este exercício.

O PIOR: A opacidade de Mati e sua frieza enquanto protagonista.

CA

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