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LEFFEST ’25 | Lucky Lu – a Crítica

O realismo social reinventa-se na 19.ª edição do LEFFEST com “Lucky Lu”, obra inserida na Selecção Oficial – Descobertas. A longa-metragem de Lloyd Lee Choi passou pela Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes e também por Toronto antes de chegar a Lisboa.

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Grandes primeiras obras em destaque no LEFFEST ’25

Neste ano, o LEFFEST apresentou-nos diversos títulos de cineastas emergentes, todos eles com bastante sucesso nas suas obras de estreias. Pensamos na primeira incursão na realização da atriz Kristen Stewart, com o decidido “The Chronology of Water”, ou a primeira tentativa também nas longas de Harris Dickinson, com o empático “Urchin”. Ou ainda no delicioso e invulgar “The President’s Cake”, pelo inacreditável estreante Hasan Hadi.

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Lucky Lu 2025
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Aqui, Lloyd Lee Choi é de facto mais uma estrondosa descoberta, com uma obra que bebe do melhor do realismo social clássico, inspirando-se no neorrealismo italiano mas também nos realismos sociais dos dias de hoje, para criar uma obra bela, empática e acima de tudo retrato fiel das vidas dos imigrantes orientais nos países ocidentais.

“Lucky Lu” é uma estreia nas longas-metragens para Lloyd Lee Choi, canadiano-coreano sediado em Nova Iorque, mas não é a sua primeira tentativa a contar esta história. Já em 20222, com “Same Old”, uma curta, narrou a vida de um entregador de comida ao domicílio em Nova Iorque, que se vê em maus lençóis quando a sua bicicleta de entregas é roubada.

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Lucky Lu: Um Ladrões de Bicicletas da era moderna

Esta é a versão de “Ladrões de Bicicletas” (1948), de Vittorio De Sica, adaptada aos dias de hoje, mais precisamente à Chinatown nova-iorquina de hoje em dia, num retrato urgente e humanitário da crise de imigração, onde a moral por vezes é comprometida pela brutal necessidade de sobreviver. E tal foi o sucesso de “Same Old”, que Lloyd Lee Choi expandiu a sua premissa para este “Lucky Lu”, obviamente um comentário sarcástico logo no título, deixando bem claro o quão azarado é o nosso protagonista.

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Lamberto Maggiorani e Enzo Staiola | © Panocéanic Films

Em termos dos seus elementos básicos, “Lucky Lu” recorda-nos todas as bases narrativas de “Ladrões de Bicicletas”, um dos melhores filmes da história do cinema. Não só uma bicicleta é roubada, contribuindo para um ciclo de pobreza vicioso, como o protagonista arrasta a sua filha durante todo o dia seguinte, enquanto procura a bicicleta por Nova Iorque e tenta desesperadamente as soluções para que ele, a mulher e a filha não sejam despejados. Inclusive, a proximidade ao filme de De Sica encontra-se também no final. Quando, num ato de desespero, Lu tenta ele próprio roubar uma bicicleta para poder voltar a fazer entregas.

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Esta adaptação de um clássico absoluto aos dias de hoje resulta na perfeição, recordando-nos também um pouco outro filme de realismo social, neste caso um mais recente, a obra “A História de Souleymane”, de Boris Lojkine, lançada em 2024, e sediada numa França onde proliferam também os serviços de entrega e onde somos introduzidos à difícil realidade do nosso protagonista, um africano que faz entregas de comida ao domicílio, um dos trabalhos mais ingratos do século XXI.

Mas onde “A História de Souleymane” se centra imenso em matérias laborais, e no difícil (impossível) equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional neste ambiente mal pago e cansativo, “Lucky Lu” é muito mais um filme sobre família, sobre comunidades imigrantes e o seu funcionamento e sobre as morais cinzentas que se impõe quando o desespero bate à porta, mesmo que sejamos os mais retos dos cidadãos.

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As cores do realismo social em Lucky Lu (2025)

“Lucky Lu” é sempre, sempre tenso, à medida que acompanhamos 48 horas de puro desespero na vida do nosso protagonismo. A tensão galopante ameaça engolir-nos, as luzes são sempre escuras, os neos da Chinatown dominam inteiramente a palete de cores do filme, como o realismo social aliás tende a proliferar como escolha estética. Não existe a Nova Iorque dos turistas, a Nova Iorque brilhante com grandes edifícios repletos de luz, a Nova Iorque dominada por jardins e por vistas imponentes. Não, aqui temos uma cidade escura e sem grande traços característicos, uma cidade triste, à medida do tom do nosso filme. Quiçá a beleza das paisagens pudesse contrastar com o desespero da nossa narrativa, mas seguindo a tradição do realismo social do século XXI e também dos thrillers criminais, a escuridão domina as cores na grande tela.

 

Lu é um sujeito reto, um bom pai e marido, mas incapaz de se confrontar com os seus erros, e admiti-los aos que lhe são mais próximos. Depois de ser enganado por um colega de longa data, que lhe fica com o depósito e primeira renda do seu novo apartamento, Lu vê-se completamente destituído no dia em que a sua mulher e filha chegarão finalmente a NYC, depois de 5 anos de separação. E, para piorar a situação, a sua bicicleta elétrica é roubada, o que faz com que tenha de interromper o seu trabalho como estafeta. Lu corre pela cidade para tentar recuperar o seu trabalho, mas as dificuldades só se vão avolumando, e a Grande Maçã mostra ser um lugar implacável.

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A pequena filha de Lu é a única fonte de luz e esperança que existe no filme, a única alegria que vai corroendo o azar tremendo que assola o protagonista. Precisamos deste equilíbrio, importantíssimo para não cairmos numa tristeza profunda. Mas atenção, “Lucky Lu” é um drama intenso, voraz, capaz de quase sufocar quem vê e que nunca cai no melodrama fácil. É antes uma obra muito segura de si própria, que bebe de uma longa tradição e que consegue colocar a ênfase necessário no termo “realista”.

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O 19.º LEFFEST decorreu, em Lisboa, entre os dias 7 e 17 de novembro de 2025. Por agora, ainda não existem datas para uma próxima edição, mas cá ficamos à espera da aguardada confirmação para o ano seguinte. Por agora, fiquem com a nossa cobertura deste ano!

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Lucky Lu - a Crítica

Conclusão

  • “Lucky Lu” é um drama intenso, voraz, capaz de quase sufocar quem vê e que nunca cai no melodrama fácil. É uma obra muito segura de si própria, especialmente para uma estreia, que bebe de uma longa tradição e consegue colocar a ênfase necessário no termo “realista”.
Overall
8/10
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