The Whale © A24

LFF 2022 | The Whale, em análise

The Whale não é um filme confortável ou fácil de se ver, abordando tanto a hipocrisia e falta de honestidade como o positivismo e auto-aceitação. É um filme avassalador em termos de emoções, com um elenco que se revela à altura para uma história de tamanha emoção.

Não costumo seguir muito a vida pessoal das celebridades, nem possuo um interesse genuíno pelas mesmas. No entanto, é difícil encontrar alguém que não se tenha deparado com a história de Brendan Fraser. Recomendo uma pesquisa rápida para quem a desconhecer, pois é inevitável não sentir uma maior compaixão pela sua personagem tendo em conta tudo o que o ator teve de ultrapassar na última década – foi inclusive forçado a pausar a sua carreira. The Whale não só marca o seu regresso em grande, como também aumenta a filmografia de um dos cineastas mais controversos – e mais originais – de Hollywood, Darren Aronofsky. Tal como esperado, é mais uma obra chocante e visualmente perturbadora que nenhum espetador esquecerá tão cedo… e ainda bem.

É impossível não começar por Fraser. The Whale obriga o ator a utilizar um fato de gordura para incorporar Charlie, um homem com obesidade mórbida e compulsão alimentar extrema que tenta reconetar-se com a sua filha, Ellie (Sadie Sink). É, sem dúvida, uma das prestações mais memoráveis e poderosas da sua carreira. Apesar da sua condição e do seu passado traumático, Charlie demonstra ser uma pessoa genuinamente boa, que quer o bem dos outros e vê a vida da forma mais positiva possível. O argumento de Samuel D. Hunter não se deixa amarrar por nada, sendo brutalmente honesto sobre tudo em que toca: seja como outras pessoas veem Charlie, o que sentem sobre ele ou até o que o próprio acha de si mesmo.

The Whale possui diálogos incrivelmente emocionais e difíceis de aguentar, elevados por Fraser de uma maneira verdadeiramente arrebatadora. É muito complicado não sentir a dor interna de Charlie, assim como a frustração dos que se preocupam com ele e tentam ajudar, mesmo contra a vontade do próprio. Uma história pesada que, entre vários temas, aborda a hipocrisia e falta de honestidade da sociedade perante situações que todos sabem perfeitamente como descrever – o mundo da crítica de cinema devia aprender imenso com várias falas proferidas neste filme. Também existem excelentes mensagens – mesmo que duras – sobre positivismo e auto-aceitação, mas o foco principal prende-se com o trauma de Charlie e o seu arco de redenção.

Pena e compaixão são provavelmente os sentimentos mais comuns que qualquer espetador terá durante a visualização de The Whale. Mesmo após se descobrir os erros cometidos por Charlie para com a sua família, principalmente com a sua filha, o seu arrependimento transparece como algo tremendamente genuíno e a sua vontade em corrigir os males do passado dá azo a dezenas de momentos bastante emotivos. É aqui que entram os diálogos sinceros que apertam o peito e coração de todos os membros do público. Fraser tem várias entregas de falas que provocam uma sensação tão forte dentro do espetador que lágrimas parecem cascatas, lábios tremem e palavras partem-se.

Com a ajuda de uma das atrizes mais promissoras e talentosas da atualidade – Sink é divinal – e com uma performance igualmente emocionante de Hong Chau enquanto Liz, enfermeira e melhor amiga de Charlie, The Whale consegue manter-se cativante, mesmo durante um segundo ato mais demorado e uma conclusão previsível. O enredo envolvendo Thomas, um missionário religioso, é talvez o único ponto que acaba por não acrescentar muito nem ao arco de Charlie nem à narrativa em si. Por outro lado, Ellie e Liz contribuem imenso para demonstrar a perspetiva gentil e extremamente positiva de Charlie em relação a todos os que o rodeiam, mesmo quando outros apenas veem maldade nessas pessoas.

Sadie Sink
Sadie Sink mostra em “The Whale” o seu talento como jovem actriz © Netflix

O facto de toda a narrativa decorrer dentro de uma casa pequena não deixa muito espaço para criatividade, mas Aronofsky usa a câmara persistente de Matthew Libatique para criar uma atmosfera constantemente interessante. O build-up para o fim avassaladoramente climático é soberbo, guardando imensa tensão para os últimos minutos, onde a banda sonora também se destaca (Rob Simonsen). É um final em crescendo que acaba por compensar alguma lentidão e repetição de pontos do enredo, mas que não muda o facto de muitos não sentirem vontade de voltar a visualizar a obra.

The Whale não é um filme confortável ou fácil de se ver no grande ecrã. É uma obra triste, frustrante, perturbadora e, apesar de conter algum humor ocasional, segue um tom sério e deprimente durante a maior parte do tempo de execução. Portanto, não é de estranhar uma possível receção divisiva, apesar de considerar que Aronofsky transmite mensagens importantes que necessitam de ser passadas de uma maneira mais bruta, caso contrário, ninguém vai escutar com atenção. E, tal como Charlie refere várias vezes durante o filme, não há razão para as pessoas não serem totalmente honestas, sendo que é exatamente devido à autenticidade do protagonista que se acaba por sofrer com e por ele.

LFF 2022 | The Whale, em análise

Movie title: The Whale

Movie description: Num apartamento degradado no Idaho rural, rodeado de ecrãs e contentores de comida, um homem com mais de 200 quilos chamado Charlie come obstinada e determinadamente até à morte. À medida o inevitável se aproxima, a sua amiga Liz, uma enfermeira ateia cínica, e Thomas, um jovem e esperançoso missionário mórmon, tentam encontrar em Charlie a vontade de ser salvo, física e espiritualmente. Contudo, só a amarga Ellie, a filha adolescente de Charlie, o pode fazer ver qualquer tipo de futuro para além do seu desespero actual.

Date published: 11 de October de 2022

Country: USA

Duration: 117'

Director(s): Darren Aronofsky

Actor(s): Brendan Fraser, Hong Chau, Sadie Sink, Ty Simpkins, Samantha Morton

Genre: Drama

  • Manuel São Bento - 75
75

CONCLUSÃO

The Whale conquista o seu lugar na lista dos filmes mais lacrimosos do ano, ao caminhar lentamente mas eficientemente para o seu final avassaladoramente emotivo, insanamente elevado pela prestação mais subtilmente poderosa da carreira de Brendan Fraser. O resto do elenco contribui para a construção de um protagonista com o qual se cria uma compaixão tremenda, mas não é uma obra de fácil digestão devido aos seus momentos perturbadores e desconfortáveis. Darren Aronofsky apresenta uma história deprimente, inspiracional e, acima de tudo, brutalmente honesta sobre trauma, aceitação e positivismo. A falta de restrição do cineasta pode funcionar como trigger para muitos, mas o impacto das suas mensagens não podia ser mais memorável. Levem lenços.

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