Hugh Jackman, "The Son" © Cinemundo

LFF 2022 | The Son, em análise

Hugh Jackman destaca-se em “The Son” com uma das melhores prestações da sua carreira, de forma bem poderosa e indutora de várias lágrimas e apertos no peito.

Um dos estereótipos mais comuns associado a críticos de cinema é o suposto afastamento emocional das personagens e dos eventos que acontecem no grande ecrã. “Robot sem coração” é uma descrição que já testemunhei ser atirada a vários jornalistas, mas com o crescimento da comunidade cinéfila online, este conceito errado foi perdendo valor. The Father mantém-se como a última nota máxima que ofereci a um filme precisamente por me ter impactado profundamente a nível pessoal, logo as expetativas eram altíssimas para The Son, a “sequela” de Florian Zeller que tem obtido uma resposta bem divisiva por parte da indústria. Felizmente, caio do lado bem positivo. 

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Tal como no seu filme anterior, Zeller mantém a ação de The Son nos interiores. Todas as cenas passam-se dentro de apartamentos, casas ou consultórios, sendo que das raras vezes que os espetadores são levados ao exterior, tais momentos não duram mais do que meros segundos. Esta decisão criativa coloca o cineasta novamente numa posição árdua de conquistar a atenção do público através das prestações do elenco, da conexão com as personagens e dos respetivos diálogos. Se existem obras que conseguem “esconder” os problemas narrativos com visuais avassaladores, este tipo de storytelling não beneficia muito de aspetos técnicos fenomenais se os dois pilares de qualquer projeto cinematográfico possuírem falhas graves.

Vou direto ao ponto de maior divisão do filme, relacionado com o protagonista e o público-alvo. The Son depende tremendamente da perspetiva através da qual a audiência analisa a história. Quem decidir olhar para o desenrolar da narrativa exclusivamente pelos olhos de Nicholas (Zen McGrath), filho de pais divorciados e com problemas de saúde mental, poderá sentir dificuldades em entender o propósito do argumento ou a mensagem que Zeller deseja transmitir. Não hajam dúvidas: The Son é uma obra provocadora, triste, deprimente, frustrante e com vários pontos de trigger que inevitavelmente deixarão vários espetadores desconfortáveis ou até inconsoláveis.

The Son
A família volta a estar em foco no novo filme de Florian Zeller © Cinemundo

No entanto, existe uma grande diferença entre aquilo que o público gostava que o filme abordasse e aquilo que o cineasta sempre teve em mente. Não considero o comentário “a obra é sobre isto, mas devia ser sobre aquilo” uma crítica justa e The Son parece estar a sofrer bastante com este tipo de argumentação. Realmente, existem filmes que enganam ou confundem os espetadores com o próprio enredo, seja ao trocar regularmente o seu tema principal ou a não deixar claro quem é o protagonista que devemos seguir com mais afinco. Mesmo assim, defendo que muitos casos são semelhantes a esta obra de Zeller. Em nenhum momento The Son deixa de ser uma história de alerta sobre e para pais (ausentes), focando-se principalmente em Peter (Hugh Jackman).

Zeller passa uma mensagem essencial sobre o impacto que as ações dos pais – ou falta delas – têm nos filhos. The Son demonstra de forma brutal e extremamente chocante quais podem ser as consequências da falta de carinho, atenção, compreensão e presença na vida dos filhos, especialmente quando estes se encontram numa fase complicada, seja esta algo superficial como um dia mau na escola ou algo mais pesado que envolva problemas profundamente emocionais ou de saúde. A falta de imparcialidade e racionalidade com que muitos pais lidam com os problemas dos filhos criam pontos de cegueira, onde os primeiros são incapazes de observar nos últimos aquilo que, de fora, parece óbvio.

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De um lado, Peter é um pai guiado pela ambição profissional e, como tal, a sua presença parental deixa a desejar. Do outro lado, a sua ex-mulher Kate (Laura Dern) não parece ter a capacidade de conetar com o seu filho, sentindo-se até com medo genuíno de conviver com o mesmo. No meio de tudo, a namorada e mãe recente Beth (Vanessa Kirby) tenta adaptar-se às mudanças constantes na sua vida, mas é a única capaz de olhar para Nicholas e perceber que algo está errado. É a única com o distanciamento emocional suficiente para observar a situação de forma justa e perceber que é necessário um maior cuidado. E é aqui que entram os diálogos e interações fascinantes de Zeller.

Jackman e Kirby oferecem prestações soberbas, ao passo que Dern e McGrath ficam uns níveis abaixo – algumas falas mais emotivas soam forçadas, curiosamente mais da parte da atriz cujo tom de voz, em momentos, parece demasiado meloso quase como se estivesse a ser sarcástica. Independentemente disso, o elenco trabalha brilhantemente em conjunto, gerando uma atmosfera verdadeiramente tensa em cada diálogo. No entanto, Jackman merece o destaque total. Estou incerto quanto a se esta é a sua melhor performance da carreira, mas é, de longe, o melhor Jackman desde Prisoners – ignorando as suas aventuras enquanto Wolverine.

The Son 2022
Vanessa Kirby volta a mostrar que é um talento a manter debaixo de olho © Cinemundo

O ator carrega todas as sequências em que está presente durante toda a duração de The Son, sendo que são poucas as cenas sem o próprio. Juntamente com os eventos do terceiro ato inesquecivelmente traumático, Jackman é um dos vários triggers emocionais que farão a vasta maioria dos espetadores soltar umas lágrimas. Mais uma vez, enfatizo a nota de que a obra é, de facto, uma história de alerta focada nos pais e no tratamento inadequado dos filhos, algo que poderá levar a consequências gradualmente mais graves. Mesmo assim, Zeller devia ter abordado a questão da saúde mental de uma maneira mais educativa e atual, visto que o arco de Nicholas não só não adiciona nada ao tema, como pode inadvertidamente recuperar preconceitos sobre métodos clínicos usados.

Para concluir, menção honrosa para a banda sonora de Hans Zimmer. Mais subtil do que costuma ser, mas com o mesmo impacto poderoso nos momentos mais sensíveis. Também Anthony Hopkins merece elogios, apesar de possuir um pouco mais de tempo de ecrã que um cameo. Tendo em conta a importância da sua personagem – pai de Peter – e o quanto tem impacto na personalidade que o seu filho desenvolve, a única cena em que está presente sabe a pouco. Havia espaço para aprofundar mais esta relação, tal como o desenvolvimento de Nicholas.

Anthony Hopkins
Depois de “The Father”, Anthony Hopkins marca também presença na história de “The Son” com uma aparição que soube a pouco © Cinemundo
LFF 2022 | The Son, em análise

Movie title: The Son

Movie description: Peter (Hugh Jackman) has a busy life with new partner Beth (Vanessa Kirby) and their baby is thrown into disarray when his ex-wife Kate (Laura Dern) arrives with their troubled and distant teenage son, setting the family on a dangerous collision course.

Date published: 10 de October de 2022

Country: UK

Duration: 123'

Director(s): Florian Zeller

Actor(s): Hugh Jackman, Laura Dern, Vanessa Kirby, Zen McGrath, Hugh Quarshie, Anthony Hopkins

Genre: Drama

  • Manuel São Bento - 75
75

CONCLUSÃO

“The Son” é uma obra emocionalmente devastadora com uma mensagem de alerta chocante mas importante para todos os pais. Uma história gradualmente mais triste, deprimente e frustrante que agarra o público através dos seus diálogos repletos de tensão, mas a falta de algo novo e impactante diretamente sobre os principais afetados por problemas de saúde mental poderá ser um trigger desconfortável para muitos espetadores. Hugh Jackman destaca-se com uma das melhores prestações da sua carreira, de forma bem poderosa e indutora de várias lágrimas e apertos no peito. Terá uma receção muito divisiva, mas considero uma das visualizações obrigatórias deste ano.

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