Mercury Rev: Deserter’s Songs na calada da noite

20 anos depois, os Mercury Rev oferecem-nos o álbum Deserter’s Songs, tal qual o conceberam. Três guitarras e um teclado encheram o Lux de baladas pela noite dentro.

Os Mercury Rev subiram ao palco do Lux Frágil e, com amigáveis acenos, quebraram o gelo, ao som de “The Funny Bird”. Piano, cordas e uma voz igualmente suave e acolhedora. Após a primeira canção, apresentam-se através desta voz cordial e de algum modo dramática. “Been 20 years since Deserter’s Songs.” À semelhança de muitos dos presentes, o vocalista e guitarrista dos Mercury Rev, Jonathan Donahue, entrara já na casa dos 50. O facto badalou nas mentes de todos aqueles que há 20 anos tinham ouvido pela primeira vez o quarto álbum de estúdio dos Mercury Rev. “You guys look fantastic. Haven’t aged a day” seguido de calorosas gargalhadas.

Anunciou de seguida que as canções de Deserter’s Songs não seriam tocadas da maneira usual, mas sim como originalmente foram compostas, de maneira acústica, frágil, especial, na esperança, não de que se quebrem, mas de sugerir pelo menos essa possibilidade. O trio de guitarras ecoa por aquele espaço íntimo, onde era um privilégio estar. O vocalista conta-nos uma história sobre depressão, filmes de ficção científica com Nicholas Cage e britpop e a audiência riu como se de um espetáculo de comédia se tratasse.

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A grande euforia sinfónica de Mercury Rev foi, esta noite, substituída por momentos governados por pequenos instrumentos. Ora a flauta do teclista, ora a harmónica de Grasshopper, ora o trompete do guitarrista, todos tiveram espaço para brilhar. Todos possuíam um precioso objeto. Sentado, o ameno e delicado líder da banda revelou o seu. Apresentou-se de serrote na mão direita, segurando com a esquerda um arco, para fazer vibrar aquele peculiar violino. Um assobio tremido ressoava de cada vez que ambos se cruzavam.

Detém-se mais uma vez a falar, desta vez sobre um álbum que Donahue sempre estimou como um amigo imaginário, com que tem, através dos anos, caminhado para todo o lado: Slanted and Enchanted dos Pavement, ao qual pede emprestado “Here” por uns minutos, para satisfação do público. “And I’m the only one who laughs/At your jokes when they are so bad”. O vocalista dos Mercury Rev expira as palavras. “And your jokes are always bad!”, entoa o público, como o fim de uma anedota que todos conhecem mas não perdeu ainda a graça. “I was dressed for success/But success it never comes” afirmava Donahue, enquanto nós discordávamos da conclusão. “I hate talking in shows”. Não parecia. Donahue não se mantinha muito tempo calado. “But I gotta tell you this one story…”

Mercury Rev no Lux Frágil 27-09-2018 (Margarida Ribeiro)
Jonathan Donahue (© Margarida Ribeiro)

O refrão de “Goddess on the Highway” – “I know, it aint gonna last” – expirava a tristeza dos pulmões. A melodia desta canção não ia durar para sempre. Seria suposto durar? Mudou, no entanto, para a igualmente nostálgica “Holes”. Era momento para fechar os olhos e dançar com a própria alma. O troar do trompete, surgindo por detrás dos ombros de Donahue e Grasshopper, acordou quem se pudesse ter perdido no sono. Se nem mesmo assim, terão despertado com o ruído dos aplausos.

O único momento em que a delicadeza saiu de palco foi no clímax da “Opus 40”. A percussão entrou e o meu pé seguia-a, batendo no chão. Também as guitarras acompanhavam o ritmo crescente, distorcendo-se cada vez mais envolvidos numa neblina (outrora púrpura) agora em tons de vermelho.

“Thank you very much”, ainda por entre o feedback. “This is our last song”. Perante o desânimo do público, Donahue relembra que, “back in the day”, o vinil tinha apenas 40 minutos, menos tempo do que tinham já estado a tocar. Apesar da música não pertencer ao álbum celebrado nesta noite, dizia Donahue que poderia muito bem ter estado lá. “It’s called Dark is Rising”. Agarra-se apenas ao microfone e à sua expressão corporal, como se o som produzido pelos restantes membros resultasse só dos seus gestos. Finda a canção, os Mercury Rev desertaram, um de cada vez, tornando o palco à quietude inicial. Menos épico, mais íntimo, fizeram a noite.

MERCURY REV | LUX FRÁGIL, 27 SETEMBRO 2018

Mercury Rev: Deserter's Songs na calada da noite
  • Tomás Marques Pereira - 80
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