Monstros Fantásticos Os Crimes de Grindelwald | ©NOS Audiovisuais

Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald, em análise

Focando-se principalmente no criminoso mágico interpretado por Johnny Depp, “Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” é a nova aventura cinematográfica do Universo Harry Potter.

Pelo menos desde a publicação de “Harry Potter e a Ordem da Fénix”, que o universo mágico de J. K. Rowling tem vindo a participar numa dança de metáfora e insinuação com a História Europeia do Século XX. Nomeadamente, a saga Harry Potter sempre esteve pronta a estabelecer paralelos entre a emergência do fascismo e extremismos de direita com os dois ditadores genocidas cujas subidas ao poder marcaram os maiores cismas na História dos Feiticeiros. Durante a vida de Harry Potter, esse Hitler de varinha em punho foi Voldemort, mas antes dele já Gellert Grindelwald tinha aterrorizado o mundo e sido derrotado por Albus Dumbledore numa batalha que coincidiu quase perfeitamente com o fim da 2ª Guerra Mundial dos Muggles.

Com a saga “Monstros Fantásticos”, J.K. Rowling propõem-se a telegrafar o reino de terror do feiticeiro germânico e, potencialmente, delinear o processo da sua épica derrota. “Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” certamente coloca a questão deste demagogo mágico no centro da sua narrativa, atrevendo-se mesmo a tomar riscos que a saga original nunca teve coragem de fazer. Talvez os mais estarrecedores destes riscos foram a decisão de exumar os fantasmas da 2ª Guerra Mundial sem nenhum filtro metafórico e de dar a Grindelwald a oportunidade de ser genuinamente persuasivo, tanto para as figuras em cena como para a audiência na sala de cinema.

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Nagini é uma das personagens mais fascinantes, problemáticas e subdesenvolvidas do filme.

Voldemort foi sempre um demónio racista e sua ideologia jamais foi vista com qualquer tipo de entendimento. No caso deste filme, a situação é bem diferente. De facto, o clímax da aventura decorre num comício político em que Grindelwald mostra os seus dotes de eloquência e manipulação. Ele exibe imagens do futuro bélico dos Muggles, do Holocausto e da bomba atómica para advertir a sua audiência dos horrores que poderão acontecer se os feiticeiros não intervirem e afirmarem a sua hegemonia sobre aqueles que não possuem magia. Ele fala de violência e pinta os seus acólitos suprematistas como vítimas de um sistema injusto.

Bastava a soma de um boné vermelho para fazer deste um comício de Trump e um bigode caricato para transfigurar a cena num evento nazi. Tal como nesses casos, conseguimos ver como até pessoas sãs e aparentemente bondosas são seduzidas pela retórica. A saga Harry Potter e suas variações raramente foram tão assustadoramente reais. A sequência que começa com a entrada do profeta do ódio na arena política e acaba com um espetacular duelo de pirotecnia sobrenatural é mesmo um dos pontos altos de todo o filme e talvez até de todo o franchise. O melhor de tudo é que nem se trata da única sequência nesta obra que consegue cortar a respiração.

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Muito antes do comício nos anfiteatros subterrâneos de Paris, testemunhamos como a personagem de Johnny Depp engendra uma fuga das autoridades absolutamente insólita. Nos céus tempestuosos de Nova Iorque, ele transfigura serpentes, manipula relâmpagos, inunda uma carruagem voadora e mostra quantidades de poder que tanto assustam como espantam. Os efeitos especiais em modo de espetáculo blockbuster também ajudam a adocicar a experiência do espetador. O mesmo acontece quando vislumbramos as paisagens exóticas que Newt Scamander esconde na cave do seu apartamento londrino ou até quando vemos as ruas parisienses serem encobertas por assombrações de seda flutuante.

“Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald” não é, portanto, um filme desprovido de grandes ideias ou sequências ainda mais grandiosas. Contudo, também não tem falta de enredo, de detalhes e de linhas narrativas soltas, tem mesmo excesso e não possui nenhum peritoneu capaz de unificar todas as suas partes e daí construir um organismo totalmente funcional. De modo básico, o filme conta a história de como Newt, Tina e todas as personagens do filme anterior convergem em Paris à procura de Credence, enquanto Grindelwald ganha poder e tenta seduzir o jovem misterioso a juntar-se à causa da supremacia mágica. Ao mesmo tempo, Credence trava a sua odisseia pessoal à procura das suas origens biológicas.

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O maior poder do Diabo é a sua capacidade de nos convencer das suas ideias malignas.

Isto é a base, sendo que o argumento assinado pela própria Rowling ainda sobrepõe a isto todo um universo de subenredos. O maior e mais convoluto deles envolve Leta Lestrange, noiva do irmão de Newt, e possível irmã de Credence. Se não fosse a prestação lacrimosa de Zoë Kravitz todo o edifício narrativo cairia sobre o peso da sua absurda complexidade. Outras histórias secundárias não têm a mesma sorte, como é o caso do envolvimento de Dumbledore nesta fase prematura da guerra contra Grindelwald ou o acrescento perfeitamente inútil de Nicolas Flamel à tapeçaria de narrativas sobrepostas que aqui se verifica.

De um ponto de vista dramático, tal miasma textual dá ao filme a aparência infeliz de um romance enorme a ser desajeitadamente condensado num filme de duração limitada. É claro que, para fãs da saga Harry Potter que ganharam amor a este universo pela página e não pelo ecrã, essa mesma natureza pode constituir uma mais-valia e não uma fragilidade. O primeiro “Monstros Fantásticos” certamente não parecia nenhum romance, enquanto esta nova entrada no franchise pelo menos deixa ao espectador o sabor a densidade literária que já não se sentia neste franchise desde “Harry Potter e os Talismãs da Morte – Parte 2”.

Enfim, com a saga “Monstros Fantásticos”, J.K. Rowling está a entrar na fase George Lucas da sua carreira. A autora vai reinventando cronologia e mitologia básica da sua criação na mesma medida em que complica em demasia a simplicidade aliciante do original. As reviravoltas bizantinas do enredo e sua saturação de pormenores resulta numa experiência meio incoerente, mas, felizmente, tal como Lucas fez com as suas malfadadas prequelas, Rowling e companhia têm na manga doses industriais de deslumbramento. Por exemplo, Colleen Atwood e Stuart Craig concebem modas e mundos arquitetónicos ainda mais belos que os do filme anterior, a brutalidade sanguínea do clímax político é bem aterradora e não podemos afirmar que o resultado total de tudo isto não é comovente. Com sorte, os próximos capítulos desta saga conseguirão ser narrativas coerentes sem terem de sacrificar o seu fausto espetacular e meritosa exploração do perigo do fascismo.

Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald, em análise
Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald

Movie title: Fantastic Beasts: The Crimes of Grindelwald

Date published: 17 de November de 2018

Director(s): David Yates

Actor(s): Eddie Redmayne, Johnny Depp, Jude Law, Ezra Miller, Katherine Waterston, Zoë Kravitz, Callum Turner, Dan Fogler, Alison Sudol, Claudia Kim, William Nadylam, Brontis Jodorowsky, Carmen Ejogo, Kevin Guthrie, Wolf Roth, Victoria Yeates, Jamie Campbell Bower, Fiona Glascott

Genre: Drama, Música, Romance , 2018, 100 min

  • Cláudio Alves - 62
  • Ângela Costa - 65
  • João Fernandes - 60
  • Rui Ribeiro - 75
  • Inês Serra - 67
  • Maria João Bilro - 60
  • Catarina Oliveira - 63
  • Luís Telles do Amaral - 55
  • Daniel Rodrigues - 30
  • Filipa Machado - 65
  • Marta Kong Nunes - 60
60

CONCLUSÃO:

Sendo um filme no meio de uma saga, “Os Crimes de Grindelwald” não tem nem início nem fim, mas consegue pelo meio tecer algumas boas ideias e fornecer agradáveis instantes de deslumbramento e magia nostálgica. O argumento é um monstro de subenredos indisciplinados e bizantina confusão, mas há algum charme a ser encontrado no excesso. O elenco faz o que pode com papéis limitados, mas é a cenografia e os figurinos que realmente se afirmam como os protagonistas do filme, cujo tratamento do vilão e sua ideologia representa um ponto alto da saga.

O MELHOR: A cena do comício.

O PIOR: O twist final é deveras chocante, mas viola a cronologia da saga de um modo feio e confuso. Além disso, dispensavam-se a montanha de cenas descartáveis como o subenredo da família Lestrange, Flamel e toda uma sequência nos arquivos do Ministério da Magia Francês.

CA

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  1. Frederico Daniel 20 de Novembro de 2018

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