MOTELx ’18 | Ghostland – A Casa do Terror, em análise
Saído da mente perversa de Pascal Laugier, “Ghostland – A Casa do Terror” é um filme de terror com grandes ambições, um estupendo cenário de horror e um par de detestáveis vilões.
Há décadas que certos filmes de terror se resumem quase única e exclusivamente à documentação de sofrimentos inimagináveis. São obras que transformam o espectador num cúmplice do sadismo de seus criadores, tornando a observação de dor humana em entretenimento. Estes filmes raramente têm muito conteúdo textual ou ideológico para além de um enredo base e simples, um esqueleto narrativo que serve somente de pretexto para a exploração dos limites da imaginação humana no que se resume à degradação cruel de outras pessoas. No século XXI, este tipo de cinema tornou-se tão popular, comum e sistematicamente codificado que certos críticos o batizaram como um novo subgénero do terror, mais extremo que o splatter, o torture porn.
Em França, o Novo Extremismo Francês também chegou ao cinema de terror e, mais especificamente, ao torture porn, levando este subgénero às cruéis antípodas. Entre estes horrores francófonos, destaca-se “Mártires” de Pascal Laugier, um filme que estreou quando tanto o ciclo de torture porn popular como o Novo Extremismo Francês estavam a perder gás, mas que acabou por ser uma das obras mais representativas de ambos os fenómenos. O que é interessante nesse festim de tortura, para além dos píncaros de choque a que está disposto a ir, é o modo como confronta o espectador, problematizando o próprio subgénero do torture porn e sua popularidade. Com “Mártires”, Laugier parecia perguntar, por meio de tortura ficcionada enquanto entretenimento, “por que razão gostas disto?”
O mais recente filme do realizador, que de há uns anos para cá tem vindo a fazer cinema anglófono, é “Ghostland – A Casa do Terror”, uma obra que tenta fazer o mesmo tipo de confrontação e interrogação da sua audiência, mas que acaba por ser vítima de incoerência, displicência e um fétido cocktail de clichés e preconceitos. Neste caso, não obstante a presença de generosas doses de violência e sofrimento, o alvo da desconstrução e pesquisa de Laugier não é tanto o torture porn, mas sim a fixação misógina do cinema de terror com a dor de jovens mulheres. Não é por acaso que o grande leitmotiv visual do filme é a boneca, enquanto objeto de terror e enquanto símbolo de feminilidade objetificada e pronta a ser usada para o divertimento perverso de homens. Infelizmente, como já referimos, esta exploração é desvalorizada pelo trabalho de Laugier que sabe levantar questões, mas não é capaz de as desenvolver.
Preparando-nos logo para ponderar o lugar da figura feminina em narrativas de terror, o filme começa por nos apresentar a Beth, uma adolescente paralisada pelos seus medos, mas apaixonada pela criação de histórias de terror. Ela, a irmã, Vera, e sua mãe solteira estão a mudar-se para a casa que uma tia lhes deixou no testamento quando se cruzam com uma carrinha vendedora de doces na estrada. Inicialmente, tal encontro parece inócuo, mas nem tudo é o que parece. Mais preocupante que o veículo cheio de gomas e rebuçados é a dinâmica tempestuosa entre as três mulheres, sendo que Beth é protegida pela mãe, enquanto Vera se sente desamada e negligenciada, antagonizando a irmã pelos seus medos e interesses.
A situação só se intensifica quando elas chegam ao seu destino, uma daquelas casas que só existem mesmo em filmes de terror. Trata-se de um edifício de aparência lúgubre, recheado de velharias que a tia passou a vida a acumular. Como tal, este é um aglomerado de corredores escuros com papel de parede bolorento, brinquedos vitorianos por todo o lado, paredes forradas a vitrines de insetos preservados e muitas obras taxidérmicas a darem um toque canino ao sítio. É nesse inferno de pó e antiguidades assustadoras que a família planeia viver e é aí que a sua vida é para sempre alterada, quando dois intrusos invadem a casa, saídos da carrinha dos doces, e tentam matar a mãe e subjugar as duas irmãs. Por sorte, a matriarca consegue resistir e salva a vida das filhas, mesmo que a sua mente esteja para sempre cicatrizada pelo trauma.
Passados dezasseis anos, Beth é uma autora de sucesso que usa as experiências dessa noite fatídica para atiçar as chamas do seu prestígio literário, enquanto Vera e a mãe ainda vivem na mesma casa. Para além disso, enquanto Beth é um triunfo, prova de que há pessoas que conseguem realizar os seus sonhos, Vera é um caco humano, mentalmente prisioneira dos horrores que viveu às mãos dos dois atacantes. Na verdade, é uma chamada histérica de Vera, que leva com que a autora de sucesso volte ao lugar onde todos os seus piores pesadelos se passam. Aí, ela depara-se com as marcas do passado. Por seu lado, a audiência encontra uma reviravolta narrativa que parte o filme em dois.
Não vamos elaborar muito mais, pois não queremos revelar demasiados spoilers de “Ghostland”. Contudo, convém dizer que este twist no enredo apenas vem exacerbar o sofrimento das duas irmãs, mergulhando o espectador num jogo de crescente degradação e desespero que se mantém constante praticamente até ao último minuto. Tal é a carga de sofrimento emocional e físico a que a narrativa sujeita as suas personagens, que, infelizmente, muito do elenco parece incapaz de lidar com as exigências extremas do guião. Anastasia Phillips, como a versão adulta de Vera, por exemplo é absolutamente incapaz de dar credibilidade ao pânico constante desta jovem traumatizada. Felizmente, Crystal Reed e Emilia Jones conseguem ancorar a parte humana do drama com as suas versões de Beth, mesmo que o papel seja muito unidimensional.
É precisamente nesses limites das personagens que se encontra um dos grandes problemas do filme. Apesar das suas intenções putativamente anti misóginas, “Ghostland” é um filme incapaz de imaginar as suas figuras femininas como algo mais que marionetas a serem torturadas e reagirem ao medo e à dor. Mesmo assim, piores ainda que as vítimas e heroínas são os vilões, um homem obeso com problemas mentais e uma cara desfigurada e uma figura que poderá ser um travesti ou uma mulher transgénero. Num filme que faz tanto uso de imagens clássicas do terror como primordiais ícones do medo, como bonecas e casas antigas, estes vilões remetem para preconceitos odiosos que somente corroem mais a ideologia proto progressiva do filme. No final, entre más prestações, um mau guião e asquerosos estereótipos transfóbicos, “Ghostland” é um infeliz fracasso de um realizador capaz de muito mais.
Ghostland - A Casa do Terror, em análise
Movie title: Ghostland
Date published: 7 de September de 2018
Director(s): Pascal Laugier
Actor(s): Crystal Reed, Emilia Jones, Taylor Hickson, Mylène Farmer, Anastasia Phillips, Kevin Power, Rob Archer
Genre: Terror, Drama, Mistério, 2018, 91 min
-
Cláudio Alves - 40
CONCLUSÃO
Apesar de se insinuar ocasionalmente como uma inteligente crítica à misoginia do cinema de terror moderno, “Ghostland – A Casa do Terror” acaba por ser vítima da sua ambição e dos claros limites da sua equipa enquanto cineastas e pensadores. Mesmo assim, alguns bons sustos, boa maquilhagem e uma casa assustadora evitam que o fã de cinema de terror se enfade em demasia com este exercício pueril.
O MELHOR: A casa e seu design deliciosamente exagerado.
O PIOR: Os vilões, o que eles representam, o que o realizador vê de grotesco nas suas figuras, as personagens femininas subdesenvolvidas e, estranhamente, o uso de efeitos sonoros meio ridículos e despropositados em momentos-chave. Para além disso, o facto de que a jovem Taylor Hickson ficou com marcas permanentes na cara depois de um acidente no plateau que teria sido facilmente evitável é algo impossível de perdoar aos cineastas responsáveis por tal infelicidade.
CA
Overall
40User Review
( votes)( review)
Espera Espera Espera... isto é um review?
Isto é uma review a um filme? Uma review que critica o filme por acidentes (que acontecem) no set de filmagens e não pela história e envolvência em si? O Pior é um acidente que não entra na narrativa? Personagens femininas pouco desenvolvidas? Uma personagem que tem a hipótese de crescer mas que no fim prefere ir pelo seguro como todos nós na vida? wtf? Isto é um Crítico?